terça-feira, 8 de abril de 2014

AULA 7 - Texto de apoio


3. Redes e interações agroecológicas
(Capítulo 3 do Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
 
A biodiversidade das machambas
Grande parte do nosso trabalho com a Agricultura Natural, em particular em Moçambique, baseia-se no estabelecimento da biodiversidade nas machambas. Nos nossos modelos, atualmente em pleno funcionamento, é comum encontrarmos dezenas de espécies vegetais, além de muitas variedades de várias dessas espécies. Por exemplo, ao cultivar alfaces procuramos sempre introduzir nos canteiros muitas variedades dessa planta, selecionadas ao longos dos anos de experiência com as condições climáticas e de solo onde nossos campos se encontram. Além disso, também damos enorme importância para as culturas locais, muito melhor adaptadas na verdade, que as culturas instaladas. Exemplos são as plantas da família dos amarantos (tsec), o feijão-nhemba (feijão-de-corda), chiquepo (nhame africano), mapira (sorgo) e outras. E além disso, tambem procuramos manter espaços estratégicos dentro das machambas destinados ao “cultivo” de vegetação espontânea. Portanto, se considerarmos todas as espécies vegetais presentes em nossos campos, esse número certamente chagará à casa das centenas. Além disso, a presença de um grande número de plantas diferentes, sem esquecer das árvores, favorece enormemente o aparecimento e instalação de muitos animais, notadamente insetos e pássaros, que têm um papel fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico dos ecossistemas instalados.
Um exemplo poderá ser útil para ilustrar a importância de manter nossos campos e machambas da Agricultura Natural com o maior número possível de espécies vegetais e animais. Em certa ocasião tivemos problemas com gafanhotos numa área que estávamos iniciando a implantação de uma machamba-modelo. Por descuido, acabamos abrindo um número grande de canteiros de uma só vez, retirando toda a vegetação espontânea da área onde esses canteiros foram instalados. Não demorou muito para percebermos que os gafanhotos pareciam sair do próprio solo para devastar nossas pequenas mudas de hortícolas. A situação só começou a ser resolvida quando paramos para pensar e fizemos um pequeno exercício de mudar nosso ponto de vista. Em primeiro lugar percebemos que ao retirar toda a vegetação espontânea da área para montar nossos canteiros, simplesmente destruímos todo e qualquer tipo de abrigo de alguns dos animais que faziam o controle da população de gafanhotos daquela área. Uma rápida incursão pelas partes do terreno que ainda tinham a tal vegetação espontânea permitiu que observássemos a presença não só dos gafanhotos mas também de pequenos lagartos que os comiam!
Em nossas machambas procuramos desenvolver um cultivo agroflorestal, e assim procuramos sempre ter árvores em meio aos canteiros, ou, quando é o caso, de deixá-las mesmo durante a construção destes. Uma observação ainda mais cuidadosa pode comprovar que próximo de algumas dessas árvores as plantas não estavam sendo atacadas por gafanhotos. Acabamos por descobrir que essas árvores eram abrigos para algumas espécies de lagartos, que definitivamente não gostavam de ficar expostos nos canteiros, de tão tímidos que eram. Mas nas proximidades de seus abrigos, os lagartos conseguiam controlar a população de gafanhotos de tal modo que as plantas suportavam a presença de alguns poucos insetos que insistiam em permanecer no local, mas sem a mesma tranquilidade para comer.
Sendo assim, começamos a cultivar alguns canteiros com a vegetação espontânea, permitindo a criação de abrigos naturais e também o aparecimento de flores nativas. Uma cadeia de eventos foi verificada a seguir. As pequenas flores atraíram um grande número de insetos polinizadores como as abelhas meliponas e outros. Estes insetos ajudaram a polinizar nossas culturas, fazendo com que nossos tomateiros carregassem tanto de frutos que quase não se aguentavam em pé. Por outro lado, para contrabalançar a população de insetos, várias espécies de pássaros começaram a se fixar no terreno e com isso eles também ajudavam a controlar a população de gafanhotos. Chegamos a contar 13 espécies diferentes de pássaros com ninhos numa área de apenas um hectare.
Muitos agricultores para quem contamos essa pequena história ficam logo preocupados com a presença dos pássaros, pois a ideia que logo vem à mente é a de que eles irão dar cabo das nossas plantações. Mas não é isso que constatamos em nossos campos e machambas. Parece haver uma preferência pelos insetos e na verdade os pássaros só comem uma pequena parte das nossas plantas, sem que tenhamos prejuízos visíveis de nossa produção total.

Redes de conexão da vida
Pelo exemplo anterior, dá para notar claramente que tudo na natureza, de uma forma ou de outra, está conectado. O sucesso do trabalho agrícola, em particular da Agricultura Natural ou ainda qualquer outro sistema agrícola que valorize a vida, está em ser capaz de reconhecer e ajudar o estabelecimento das redes de conexão entre os vários integrantes de um sistema. Por outro lado, o ponto fraco de todo e qualquer sistema de produção agrícola convencional está justamente na falta de capacidade de reconhecer a importância dessas redes de conexão, e consequentemente, na ausência de ações que as favoreçam. Contudo, como já deve ter-se notado até aqui, a natureza possui seus próprios mecanismos para devolver ao sistema o seu equilíbrio original.
“Nas colheitas, um efeito atemorizador pode ser observado através da proliferação de insetos, que aparecem para consumir as toxinas das plantas. Os agricultores, não compreendendo essa razão, empregam os mais variados tipos de fertilizantes químicos que, por sua vez, produzem mais e mais toxinas e insetos nocivos.
Á medida que diferentes fertilizantes químicos são utilizados, aparecem diferentes tipos de insetos. Para combater as pragas, então, os agricultores empregam inseticidas venenosos, que produzem insetos de natureza ainda mais nociva. Essa tendência é evidente de ano para ano, à semelhança do que ocorre com a variedade e o número de doenças humanas, que aumentam à medida que são usadas drogas mais fortes.
Por uma lei da Natureza, à medida que as plantas absorvem os fertilizantes que lhes são tóxicos, aparecem espontaneamente germes e insetos nocivos. De acordo com a mesma lei, as toxinas devem ser eliminadas. E, para isso, a Natureza dispõe de seus próprios meios. Os insetos porém, não ingerem somente as toxinas, mas também uma parte das plantas, que então adoecem e morrem.
O mundo físico é governado por leis auto-reguladoras. Onde quer que se acumulem produtos estranhos e prejudiciais, produzir-se-á automaticamente uma atividade corretiva para eliminá-los. Consequentemente, quando os seres humanos prejudicam o equilíbrio da Natureza com drogas artificiais, produzem-se atividades purificadoras, de acordo com a lei natural.”
Mokiti Okada

Mokiti Okada também é muito claro quando nos orienta sobre os efeitos negativos de não se observar certas leis fundamentais da natureza. Em outras palavras, vale aqui também a descrição da Terceira Lei de Isaac Newton (1643-1727), ou comumente chamada de Princípio da Ação e Reação, que diz que “a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”. Ao promover o desequilíbrio natural, o ser humano precisa ter em conta que a natureza tentará, por seus próprios caminhos, reestabelecer esse equilíbrio. Quanto mais agressivos formos em relação a ela, maior será sua ação contrária. Se empregarmos venenos cada vez mais fortes, as pragas acabam por se tornar cada vez mais resistentes, ou mais fortes, em relação aos diversos princípios ativos contidos nas formulações dos mais diversos defensivos químicos (o termo agrotóxico é politicamente incorreto para quem defende o uso de tais substâncias).
Também a destruição do habitat de várias espécies animais acaba por provocar danos gigantescos aos campos agrícolas, na medida em que o equilíbrio ecológico entre as espécies animais é rompido. Quando isso acontece em decorrência da ação predatória dos seres humanos, começamos a sentir a reação da natureza quase que imediatamente.
No início do nosso trabalho com a Agricultura Natural no distrito da Moamba, em Moçambique, dispunhamos de uma área de sete hectares sem praticamente nenhuma árvore e com todo o solo coberto quase exclusivamente com um só tipo de capim, comumente conhecido como capim sul-africano. Esse terreno está inserido num projeto agrícola familiar, que conta com uma área total de aproximadamente 460 hectares, onde cerca de 160 famiílias de agricultores tentam desenvolver seu trabalho com a terra. Começamos a tentar montar um sistema simplificado de manejo agrícola, denominado machamba-mandala, onde optamos por uma configuração circular dos nossos canteiros. Começamos por plantar corredores de feijão-boer (feijão-guandu) para servirem de barreiras de ventos, construimos um sistema de distribuição de água composto de pequenos tanques espalhados pela área e interconectados por canais escavados no solo, criando corredores úmidos, plantamos dezenas de sementes de hortícolas e outros tipos de vegetais, promovemos o plantio de centenas de mudas de árvores frutíferas e de sombra, etc. Com uma certa dose de dificuldade, conseguimos avançar com o trabalho no primeiro ano, ressaltando que em nenhum momento apelamos para o uso de qualquer tipo de fertilizante químico. Toda a adubação foi promovida com o uso de composto vegetal obtido, na grande maioria das vezes, de materiais oriundos dos próprios terrenos e também das culturas de preparação, como o caso de algumas leguminosas.
Após pouco mais de seis meses de trabalho, já tinhamos uma espécie de núcleo ecológico na nossa machamba, ou seja, já havia iniciado o estabelecimento de um pequeno ecossistema equilibrado e isso permitiu que conseguissemos colher os primeiros resultados do nosso trabalho até ali. Animados com essa primeira fase, partimos para a ampliação dos campos e uma área de aproximadamente 3.000 metros quadrados, adjacente à nossa primeira mandala, o qual foi preparada para o plantio de feijão e milho. Naquela altura já estavamos no mês de outubro, aguardando, portanto, o inicio das chuvas na região. Como forma de auxiliar o trabalho, instalamos alguns aspersores e iniciamos o cultivo um pouco antes da chegada do período chuvoso. Não demorou para que nossas sementes germinassem e logo as plantas estavam vistosas e bonitas. Foi quando, numa única noite, sofremos o ataque de coelhos que devastaram toda essa segunda área.
O primeiro impulso da nossa equipe de trabalhadores foi tentar ir atrás dos animais, instalando armadilhas. No entanto, uma rápida inspeção no entorno de nossa área, alertou-nos para uma triste realidade. Como estávamos ainda no período da seca, tudo o que se podia ver eram grandes extensões de terra sem praticamente nenhum tipo de vegetação verde, quase nenhuma árvore e muito solo queimado, já que nessa época é comum as pessoas colocarem fogo nos matos, muitas vezes como forma de caçar alguns roedores típicos da região. Essa prática quase sempre provoca incêndios descontrolados que por vezes destroem a vegetação seca de centenas de hectares de uma só vez. O único lugar, naquele período, que dispunha de vegetação verde, formando uma espécie de oásis, era justamente o nosso terreno. Vamos entrar em maiores detalhes sobre o nosso manejo mais adiante, mas por hora é suficiente dizer que o nosso terreno podia ser comparado a uma espécie de refúgio não só aos coelhos, mas também a um grande número de outras espécies de animais. Nossa equipe de trabalhadores locais teve que se adpatar rapidamente a uma nova filosofia de trabalho, onde aprenderam a importânicia das relações entre as diversas formas de vida. E por algum fato que ainda nos é misterioso, à medida que nosso núcleo ecológico, na forma da mandala, ia sendo estruturado, os ataques de pragas iam diminuindo. Os coelhos, por exemplo, até passeiam pela área, mas quase nunca tocam em qualquer planta que seja, mesmo aquelas das mesmas espécies das quais eles se alimentam em outras áreas do terreno.
A criação de zonas úmidas, através dos pequenos tanques e canais de escoamento de água, atraiu uma grande quantidade de pequenos animais, como algumas baratinhas e coleópteros, além de muitos sapos e rãs. Estes últimos nos auxiliam muito no controle de outros insetos, como os gafanhotos. Por outro lado, a presença desse grande número de sapos e rãs também atraiu um bom número de serpentes que acabaram por ajudar a controlar a população de ratos silvestres, que no início dos nossos trabalhos foram responsáveis por comer a maior parte da nossa produção de batata-doce. Com o plantio de flores e a manutenção de áreas com vegetação espontânea, que também produzem florações ao longo de todo o ano, temos uma infinidades de insetos polinizadores presentes no nosso sistema. Só abelhas, na última verificação feita, encontramos cinco espécies numa área de pouco mais de 5.000 metros quadrados.
Como no exemplo descrito no ítem anterior, também nesse nosso terreno da Moamba, a presença de insetos atraiu um grande número de pássaros que passaram, inclusive, a construir seus ninhos dentro das áreas de cultivo. Esses pássaros ajudam no controle de insetos, principalmente gafanhotos, e acabaram por atrair também um grande número de aves maiores, que passaram a frequentar nossos campos. Essas aves maiores, gaviões e falcões, também se alimentam de cobras, e isso ajuda a controlar a população dessas últimas.
Os insetos polinizadores são fundamentais para garantir nossas produções agrícolas, na medida em que fecundam as flores ao coletar o pólen. Com isso, nosso campo se tornou um verdadeiro caldeirão de vida. Ainda temos muitos ataques de gafanhotos e outros insetos predadores. Mas como nossos campos são organizados segundo uma lógica natural, ou seja, na medida do possível procuramos misturar o máximo possível nossas culturas, esses insetos não conseguem ser suficientemente rápidos para ocasionar danos realmente mais sérios. Isso dá mais tempo para os pássaros, por exemplo, conseguirem ser eficientes no controle das populações daqueles insetos predadores.

Interações agroecológicas
Conseguir reconhecer a existência e importância das redes de conexão da vida em nossos campos será muito útil para nos ajudar a compreender e ususfruir das interações agroecológicas. Já vimos um exemplo quando mencionamos a importância dos insetos polinizadores, responsáveis por garantir a frutificação da maior parte de nossas culturas. Aliás, um fenômeno que tem atraído a atenção da comunidade científica em todo o mundo é o desaparecimento, já total em muitas regiões, das abelhas. Hoje, sabemos que as abelhas são responsáveis pela polinização de mais de 70% da espécies vegetais cultivadas para a produção de alimentos na atualidade. Se elas continuarem a desaparecer na velocidade em que estão, em breve poderemos ter um verdadeiro colapso na produção de alimentos. As causas desse desaparecimento ainda estão sendo discutidas, mas já parece haver um consenso que, seja ela qual for, a causa original parece estar no desequilibrio ambiental.
Uma interação agroecológica interessante pode ser promovida pelos agricultores simplesmente plantando o maior número possível de flores. Principalmente as espécies nativas de uma determinada região, ou ainda aquelas que se adaptem ao ponto de não necessitarem de cuidados especiais. Um campo florido, ao longo de todo o ano, certamente trará enormes benefícios aos agricultores, inclusive com o estabelecimento de um local ainda mais aprazível de se viver e trabalhar. O plantio de girassol nas bordas de terrenos e talhões, como forma de demarcá-los, é muito útil em termos de fornecimento de pólen a inúmeras especies de abelhas e também como alimento adicional para pássaros. 
Outra interação agroecológica interessante e que merecerá, inclusive, uma discussão mais aprofundada, é o plantio de árvores. Árvores são importantes tanto para a produção de sombra, quanto o são, por exemplo, para a produção de frutos e madeira. Alem disso, seu sistema radicular também mobiliza nutrientes presentes em camadas mais profundas do solo que, de outra forma, as culturas agrícolas, principalmente hortícolas, não teriam acesso.

Vegetação nativa
Nesse ponto será importante atentarmos um pouco para a importância da vegetação nativa de uma determinada região, muitas vezes aparecendo nos nossos campos de forma espontânea.
Nos solos tropicais, sabe-se que a enorme biodiversidade é a base de sua produtividade. Toda modificação que ocorre no solo, melhora ou piora outras sucessões vegetais. A natureza lança mão das plantas nativas, para corrigir deficiências ou excessos minerais, compactações, capas endurecidas ou águas estagnadas; enfim ela tenta restabelecer sua condição ótima de maior produtividade. E todos sabem que um solo abandonado sob a vegetação nativa, a capoeira, se refaz completamente, tanto física quanto quimicamente. De onde vêm os nutrientes? Qual o segredo? O que fazem as plantas nativas que chamamos de “invasoras”? Sabe-se que são indicadoras, específicas para a situação que devem corrigir. E, portanto, são também saneadoras.”
Ana Primavesi

Toda planta que invade os nossos campos estão, na verdade, nos indicando algo. Ainda se conhece muito pouco dessas interações e por isso, o trabalho dos agricultores, principalmente camponeses, em todo o mundo é fundamental para que se colham o máximo possível de informações. Ana Primavesi deu-nos um legado importante, através do seu livro “Cartilha do Solo”. Nele, ela resume algumas das interações mais interessantes na prática da Agricultura Natural, e passaremos a discuti-las a seguir. Antes, porém, será necessário lançarmos uma vista de olhos numa outra questão que também gera muita discussão e dúvidas na cabeça da maioria dos agricultores em todo o mundo: por que o mato, nativo, parece crescer muito mais rápido e eficientemente, que nossas culturas?”
Vamos começar explicando isso da seguinte forma. Todas as plantas realizam a fotossíntese, o processo através do qual os vegetais clorofilados (folhas verdes) são capazes de absorver a luz do sol e transformá-la, em última instância, em matéria verde, biomassa. Contudo, esse processo fotossintético pode ser conduzido no interior das plantas por dois caminhos metabólicos diferentes. Dependendo basicamente da região de origem de uma determinada espécie vegetal, esses caminhos metabólicos podem seguir o chamado Ciclo de Calvin (C-3) ou o chamado Ciclo de Kranz (C-4). Não vamos entrar em detalhes bioquímicos nesse texto, mas por hora vamos apenas considerar as limitações de cada um desses caminhos. O Ciclo de Calvin, C-3, é próprio das plantas de clima mais frio, temperado, onde elas necessitam de quantidades mais elevadas de CO2 do ar para realizarem a fotossíntese, algo em torno de 1 a 3%. Já as plantas do ciclo C-4 necessitam para a fotossíntese somente 0,1 a 0,5% de CO2 no ar.
Um dos grandes problemas de cultivos em regiões de clima mais quente, como as tropicais e sub-tropicais, é que, das 15 plantas de cultura mais usadas, 12 são do mecanismos de fotossíntese C-3. Como essas plantas necessitam de quantidades maiores de CO2 precisam “trabalhar” com os estômatos completamente abertos, perdendo assim muita água. Como mecanismo de defesa, essas plantas acabam por fechar seus estômatos (estruturas nas folhas responsáveis pelas trocas gasosas) durante as horas mais quentes do dia, interrompendo, assim, a fotossíntese e a produção de biomassa. Em contrapartida, as plantas de mecanismo C-4, muito melhor adaptadas ao clima quente, conseguem promover a fotossíntese mesmo com os estômatos quase fechados, isto é, mesmo durante as horas mais quentes do dia, não param de produzir biomassa normalmente, continuando a crescer e produzir.
É por isso que o mato nativo das regiões mais quentes crescem muito mais rápido que culturas como as alfaces, tomates, batatas, etc. Além desse mecanismo C-4, as plantas nativas também acabam por usar substâncias alelopáticas como a scopoletina, cumarina, vanilina e outras, bem como exsudatos radiculares para defender e assegurar seu espaço. Esse conjunto de fatores de competição pode afetar seriamente o rendimentos das culturas, especialmente em campos sob irrigação.
Além desse efeito negativo da alelopatia, também existe a alelopatia positiva como no caso do picão-preto (Bidens pilosa) ou o mastruz (Lepidium virginicum), que possuem exsudatos radiculares que estimulam, por exemplo, o crescimento do milho.
Quando uma única espécie de planta nativa, segetal, aumenta muito em uma cultura, esta pode acabar se tornando hospedeira de nematóides e outras “pragas”. Por outro lado, se houver grande diversidade de plantas segetais, esses nematóides e pragas ajudam a manter o equilíbrio dos organismos do solo e diminuem a possibilidade da cultura ser parasitada. Um exemplo muito interessante, verificado na literatura e nos resultados de campo, é quando o alho é plantado sozinho, limpo de invasoras, ele pode ser seriamente afetado por Melodoygine incognita, um nematóide. Mas quando ele cresce em conjunto com uma população média de tiriricão ou junquinho (Cyperus sculentus), os nematóides podem até existir no solo, mas não afetam o seu crescimento. Portanto, antes de sair retirando tudo o quanto for plantas invasoras dos canteiros numa machamba, é bom estar atento para possíveis efeitos positivos que muitas dessas plantas podem nos trazer. É equivocado o conceito de competição por nutrientes que muitos agricultores e agrônomos acreditam existir entre as culturas e as plantas invasoras. Claro que o sistema precisa estar num perfeito equilíbrio para que tudo dê certo. Por sua vez, a explosão demográfica de plantas invasoras já é indício mais que suficiente para se afirmar que o sistema como um todo já está desequilibrado. Por isso não é muito inteligente o uso sistemático de herbicidas, por exemplo.
O descanso de um solo por algum tempo, embora não seja o ideal em termos de produção agrícola, pode ser fundamental para o controle dos segetais. Depois de alguns anos, as invasoras não podem mais competir com a vegetação nativa, que se assenta. Mas quando essa vegetação é novamente roçada e plantada não consegue resistir ao preparo do solo e aos insumos. Nesse momento aparecerão as plantas invasoras saneadoras das condições desfavoráveis criadas no solo cultivado convencionalmente. Mokit Okada é bem claro quando afirma que um solo precisa estar trabalhando constantemente e que, quanto mais o fizer, mais estará apto para produzir alimentos. No entanto, ele também ressalta a importância de se observar as leis da natureza e isso quer dizer, em outras palavras, conhecer alguns dos seus macanismos e sermos capazes de reproduzí-los em nossos campos agrícolas. Eventualmente teremos de tomar a difícil decisão de deixar uma determinada área “descansando” por alguns anos, em virtude de infestações de ervas invasoras de difícil controle, e se isso realmente ocorrer, devemos aproveitar todas as lições tiradas desse evento e não repetir os mesmos erros no futuro.

Cultivos consorciados e controle de invasoras
Podemos usar cultivos simultâneos, também chamados cultvos consorciados, não só para melhor aproveitar nosso terreno como também para garantir melhores chances de nossas culturas se desenvolverem mais adequadamente. Um dos consórcios mais antigo é o de milhão-feijão-mandioca-abóbora, usado desde antigamente. É sabido que esse tipo de consórcio é muito menos atacado por plantas invasoras. As abóboras impedem muitas ervas invasoras que normalmente aparecem no milho, por exemplo, pois não só conseguem cobrir os solos com suas folhas, como também possuem efeito alelopático sobre muitas dessas plantas.
A cobertura do solo, como o mulch, quando atinge de 5 a 6 cm de espessura, controla as invasoras. A função do “mulch” de capim, por exemplo, assemelha-se à das lonas-plásticas, porém sem produzirem os mesmos resíduos não-biodegradáveis que estas. Quando bem feito e mantido, diminui cinsideravelmente a necessidade de sacha (capina) e outros tratos culturais.

Cultivos alelopáticos e sinérgicos
A seguir, vamos dar alguns exemplos de culturas alelopáticas, ou seja, que não se gostam e, portanto, devem ser evitadas, e também de algumas culturas amigas, cujo cultivo em comum pode ser bem interessante.

Tabela 1: Plantas com efeitos alelopáticos.
Trigo-mourisco
x
Trigo
Sorgo (mapira)
x
Trigo
Sorgo (mapira)
x
Sorgo (mapira)
Sorgo (mapira)
x
Gergelim
Girassol
x
Tomate, fumo, batata
Leguminosas
x
Alho, cebola, tomate
Funcho (erva-doce)
x
Todas as hortaliças
Repolho, brócolis e couve-flor
x
Tomate
Ervilhas
x
Nabo, rabanete
Camomila
x
Hortelã
Nabo-forrageiro, Alfafa
x
Mostarda
Todos os capins
x
Colza, canola
Aveia preta, centeio
x
Capins
Cereais
x
Trevo-doce
Repolho
x
Repolho
Gladíolos
x
Arroz
Papoula
x
Cevada
Aveia branca
x
Milho, beterraba
Abóbora
x
Girassol
Fonte: PRIMAVESI, Cartilha do Solo.

Tabela 2: Cultivos sinérgicos (plantas amigas).
Tomate
=
Cravo-de-defunto
Ervilhaca
=
Todos os cereais
Batata
=
Amarantos
Cenoura
=
Cebola, milho, soja, alface
Tremoço
=
Videira
Feijão
=
Morango, espinafre
Leguminosas
=
Todos os cereais, inhame, mamona, mandioca, batata, girassol, pepino e repolho
Girassol
=
Pepino
Trigo, linho
=
Milho, leguminosas
Repolho
=
Beterraba, cenoura
Milho
=
Abóbora, feijão, mandioca
Nabo forrageiro, aveia preta
=
Feijão
Alho
=
Roseiras
Fonte: PRIMAVESI, Cartilha do Solo.

Plantas indicadoras
Podemos usar muitas plantas nativas e espontâneas para nos indicar situações bem específicas de nosso solo como por exemplo sua acidez, deficiências em termos de algum nutriente ou mesmo excesso de algum elemento químico. Também podem nos trazer alguma informação sobre o histórico recente de algum terreno como queimadas frequentes ao longos dos anos e outros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário