3. Redes e
interações agroecológicas
(Capítulo 3 do Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
A
biodiversidade das machambas
Grande
parte do nosso trabalho com a Agricultura Natural, em particular em
Moçambique, baseia-se no estabelecimento da biodiversidade nas
machambas. Nos nossos modelos, atualmente em pleno funcionamento, é
comum encontrarmos dezenas de espécies vegetais, além de muitas
variedades de várias dessas espécies. Por exemplo, ao cultivar
alfaces procuramos sempre introduzir nos canteiros muitas variedades
dessa planta, selecionadas ao longos dos anos de experiência com as
condições climáticas e de solo onde nossos campos se encontram.
Além disso, também damos enorme importância para as culturas
locais, muito melhor adaptadas na verdade, que as culturas
instaladas. Exemplos são as plantas da família dos amarantos
(tsec), o feijão-nhemba (feijão-de-corda), chiquepo (nhame
africano), mapira (sorgo) e outras. E além disso, tambem procuramos
manter espaços estratégicos dentro
das machambas destinados ao “cultivo” de vegetação espontânea.
Portanto, se considerarmos todas as espécies vegetais presentes em
nossos campos, esse número certamente chagará à casa das centenas.
Além disso, a presença de um grande número de plantas diferentes,
sem esquecer das árvores, favorece enormemente o aparecimento e
instalação de muitos animais, notadamente insetos e pássaros, que
têm um papel fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico
dos ecossistemas instalados.
Um exemplo
poderá ser útil para ilustrar a importância de manter nossos
campos e machambas da Agricultura Natural com o maior número
possível de espécies vegetais e animais. Em
certa ocasião tivemos problemas com gafanhotos numa área que
estávamos iniciando a implantação de uma machamba-modelo. Por
descuido, acabamos abrindo um número grande de canteiros de uma só
vez, retirando toda a vegetação espontânea da área onde esses
canteiros foram instalados. Não demorou muito para percebermos que
os gafanhotos pareciam sair do próprio solo para devastar nossas
pequenas mudas de hortícolas.
A situação só começou a ser resolvida quando paramos para pensar
e fizemos um pequeno exercício de mudar nosso ponto de vista. Em
primeiro lugar percebemos que ao retirar toda a vegetação
espontânea da área para montar nossos canteiros, simplesmente
destruímos todo e qualquer tipo de abrigo de alguns dos animais que
faziam o controle da população de gafanhotos daquela área. Uma
rápida incursão
pelas partes do terreno que ainda tinham a tal vegetação espontânea
permitiu que observássemos a presença não só dos gafanhotos mas
também de pequenos lagartos que os comiam!
Em
nossas machambas procuramos desenvolver um cultivo agroflorestal, e
assim procuramos sempre ter árvores em meio aos canteiros, ou,
quando é o caso, de deixá-las mesmo durante a construção destes.
Uma observação ainda mais cuidadosa pode comprovar que próximo de
algumas dessas árvores as plantas não estavam sendo atacadas por
gafanhotos. Acabamos por descobrir que essas árvores eram abrigos
para algumas espécies de lagartos, que definitivamente não gostavam
de ficar expostos nos canteiros, de tão tímidos que eram. Mas nas
proximidades de seus abrigos, os lagartos conseguiam controlar a
população de gafanhotos de tal modo que as plantas suportavam a
presença de alguns poucos insetos que insistiam em permanecer no
local, mas sem a mesma tranquilidade para comer.
Sendo
assim, começamos a cultivar
alguns canteiros com a vegetação espontânea, permitindo a criação
de abrigos naturais e também o aparecimento de flores nativas. Uma
cadeia
de eventos
foi verificada a seguir. As pequenas flores atraíram um grande
número de insetos polinizadores como as abelhas meliponas
e outros. Estes insetos ajudaram a polinizar nossas culturas, fazendo
com que nossos tomateiros carregassem tanto de frutos que quase não
se aguentavam em pé. Por outro lado, para contrabalançar a
população de insetos, várias espécies de pássaros começaram a
se fixar no terreno e com isso eles também ajudavam a controlar a
população de gafanhotos. Chegamos a contar 13 espécies diferentes
de pássaros com ninhos numa área de apenas um hectare.
Muitos
agricultores para quem contamos essa pequena história ficam logo
preocupados com a presença dos pássaros, pois a ideia que logo vem
à mente é a de que eles irão dar cabo das nossas plantações. Mas
não é isso que constatamos em nossos campos e machambas. Parece
haver uma preferência pelos insetos e na verdade os pássaros só
comem uma pequena parte das nossas plantas, sem que tenhamos
prejuízos visíveis de nossa produção total.
Redes de conexão da vida
Pelo
exemplo anterior, dá para notar claramente que tudo na natureza, de
uma forma ou de outra, está
conectado.
O sucesso do trabalho agrícola, em particular da Agricultura Natural
ou ainda qualquer outro sistema agrícola que valorize a vida, está
em ser capaz de reconhecer e ajudar o estabelecimento das redes
de conexão
entre os vários integrantes de um sistema. Por outro lado, o ponto
fraco de todo e qualquer sistema de produção agrícola convencional
está justamente na falta de capacidade de reconhecer a importância
dessas redes de conexão, e consequentemente, na ausência de ações
que as favoreçam. Contudo, como já deve ter-se notado até aqui, a
natureza possui seus próprios mecanismos para devolver ao sistema o
seu equilíbrio original.
“Nas
colheitas, um efeito atemorizador pode ser observado através da
proliferação de insetos, que aparecem para consumir as toxinas das
plantas. Os agricultores, não compreendendo essa razão, empregam
os mais variados tipos de fertilizantes químicos que, por sua vez,
produzem mais e mais toxinas e insetos nocivos.
Á
medida que diferentes fertilizantes químicos são utilizados,
aparecem diferentes tipos de insetos. Para combater as pragas, então,
os agricultores empregam inseticidas venenosos, que produzem insetos
de natureza ainda mais nociva. Essa tendência é evidente de ano
para ano, à semelhança do que ocorre com a variedade e o número de
doenças humanas, que aumentam à medida que são usadas drogas mais
fortes.
Por uma
lei da Natureza, à medida que as plantas absorvem os fertilizantes
que lhes são tóxicos, aparecem espontaneamente germes e insetos
nocivos. De acordo com a mesma lei, as toxinas devem ser eliminadas.
E, para isso, a Natureza dispõe de seus próprios meios. Os insetos
porém, não ingerem somente as toxinas, mas também uma parte das
plantas, que então adoecem e morrem.
O mundo
físico é governado por leis auto-reguladoras. Onde quer que se
acumulem produtos estranhos e prejudiciais, produzir-se-á
automaticamente uma atividade corretiva para eliminá-los.
Consequentemente, quando os seres humanos prejudicam o equilíbrio da
Natureza com drogas artificiais, produzem-se atividades
purificadoras, de acordo com a lei natural.”
Mokiti
Okada
Mokiti
Okada também é muito claro quando nos orienta sobre os efeitos
negativos de não se observar certas leis fundamentais da natureza.
Em outras palavras, vale aqui também a descrição da Terceira Lei
de Isaac Newton (1643-1727), ou comumente chamada de Princípio
da Ação e Reação,
que diz que “a
toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”.
Ao promover o desequilíbrio natural, o ser humano precisa ter em
conta que a natureza tentará, por seus próprios caminhos,
reestabelecer esse equilíbrio. Quanto mais agressivos formos em
relação a ela, maior será sua ação contrária. Se empregarmos
venenos cada vez mais fortes, as pragas acabam por se tornar cada vez
mais resistentes, ou mais fortes,
em relação aos diversos princípios ativos contidos nas formulações
dos mais diversos defensivos químicos (o termo agrotóxico é
politicamente incorreto para quem defende o uso de tais substâncias).
Também a
destruição do habitat de várias espécies animais acaba por
provocar danos gigantescos aos campos agrícolas, na medida em que o
equilíbrio ecológico entre as espécies animais é rompido. Quando
isso acontece em decorrência da ação predatória dos seres
humanos, começamos a sentir a reação da natureza quase que
imediatamente.
No início
do nosso trabalho com a Agricultura Natural no distrito da Moamba, em
Moçambique, dispunhamos de uma área de sete hectares sem
praticamente nenhuma árvore e com todo o solo coberto quase
exclusivamente com um só tipo de capim, comumente conhecido como
capim sul-africano. Esse terreno está inserido num projeto agrícola
familiar, que conta com uma área total de aproximadamente 460
hectares, onde cerca de 160 famiílias de agricultores tentam
desenvolver seu trabalho com a terra. Começamos a tentar montar um
sistema simplificado de manejo agrícola, denominado
machamba-mandala, onde optamos por uma configuração circular dos
nossos canteiros. Começamos por plantar corredores de feijão-boer
(feijão-guandu) para servirem de barreiras de ventos, construimos um
sistema de distribuição de água composto de pequenos tanques
espalhados pela área e interconectados por canais escavados no solo,
criando corredores
úmidos,
plantamos dezenas de sementes de hortícolas
e
outros tipos de vegetais, promovemos o plantio de centenas de mudas
de árvores frutíferas e de sombra, etc. Com uma certa dose de
dificuldade, conseguimos avançar com o trabalho no primeiro ano,
ressaltando que em nenhum momento apelamos para o uso de qualquer
tipo de fertilizante químico. Toda a adubação foi promovida com o
uso de composto vegetal obtido, na grande maioria das vezes, de
materiais oriundos dos próprios terrenos e também das culturas
de preparação,
como o caso de algumas leguminosas.
Após pouco
mais de seis meses de trabalho, já tinhamos uma espécie de núcleo
ecológico na nossa machamba, ou seja, já havia iniciado o
estabelecimento de um pequeno ecossistema equilibrado e isso permitiu
que conseguissemos colher os primeiros resultados do nosso trabalho
até ali. Animados com essa primeira fase, partimos para a ampliação
dos campos e uma área de aproximadamente 3.000 metros quadrados,
adjacente à nossa primeira mandala,
o
qual foi
preparada para o plantio de feijão e milho. Naquela altura já
estavamos no mês de outubro, aguardando, portanto, o inicio das
chuvas na região. Como forma de auxiliar o trabalho, instalamos
alguns aspersores e iniciamos o cultivo um pouco antes da chegada do
período chuvoso. Não demorou para que nossas sementes germinassem e
logo as plantas estavam vistosas e bonitas. Foi quando, numa única
noite, sofremos o ataque de coelhos que devastaram toda essa segunda
área.
O primeiro
impulso da nossa equipe de trabalhadores foi tentar ir atrás dos
animais, instalando armadilhas. No entanto, uma rápida inspeção no
entorno de nossa área, alertou-nos para uma triste realidade. Como
estávamos ainda no período da seca, tudo o que se podia ver eram
grandes extensões de terra sem praticamente nenhum tipo de vegetação
verde, quase nenhuma árvore e muito solo queimado, já que nessa
época é comum as pessoas colocarem fogo nos matos, muitas vezes
como forma de caçar alguns roedores típicos da região. Essa
prática quase sempre provoca incêndios descontrolados que por vezes
destroem a vegetação seca de centenas de hectares de uma só vez. O
único lugar, naquele período, que dispunha de vegetação verde,
formando uma espécie de oásis, era justamente o nosso terreno.
Vamos entrar em maiores detalhes sobre o nosso manejo mais adiante,
mas por hora é suficiente dizer que o nosso terreno podia ser
comparado a uma espécie de refúgio não só aos coelhos, mas também
a um grande número de outras espécies de animais. Nossa equipe de
trabalhadores locais teve que se adpatar rapidamente a uma nova
filosofia de trabalho, onde aprenderam a importânicia das relações
entre as diversas formas de vida. E por algum fato que ainda nos é
misterioso, à medida que nosso núcleo
ecológico,
na forma da mandala,
ia sendo estruturado, os ataques
de
pragas iam diminuindo. Os coelhos, por exemplo, até passeiam pela
área, mas quase nunca tocam em qualquer planta que seja, mesmo
aquelas das mesmas espécies das quais eles se alimentam em outras
áreas do terreno.
A criação
de zonas úmidas, através dos pequenos tanques e canais de
escoamento de água, atraiu uma grande quantidade de pequenos
animais, como algumas baratinhas e coleópteros, além de muitos
sapos e rãs. Estes últimos nos auxiliam muito no controle de outros
insetos, como os gafanhotos. Por outro lado, a presença desse grande
número de sapos e rãs também atraiu um bom número de serpentes
que acabaram por ajudar a controlar a população de ratos
silvestres, que no início dos nossos trabalhos foram responsáveis
por comer a maior parte da nossa produção de batata-doce. Com o
plantio de flores e a manutenção de áreas com vegetação
espontânea, que também produzem florações ao longo de todo o ano,
temos uma infinidades de insetos polinizadores presentes no nosso
sistema. Só abelhas, na última verificação feita, encontramos
cinco espécies numa área de pouco mais de 5.000 metros quadrados.
Como no
exemplo descrito no ítem anterior, também nesse nosso terreno da
Moamba, a presença de insetos atraiu um grande número de pássaros
que passaram, inclusive, a construir seus ninhos dentro das áreas de
cultivo. Esses pássaros ajudam no controle de insetos,
principalmente gafanhotos, e acabaram por atrair também um grande
número de aves maiores, que passaram a frequentar nossos campos.
Essas aves maiores, gaviões e falcões, também se alimentam de
cobras, e isso ajuda a controlar a população dessas últimas.
Os insetos
polinizadores são fundamentais para garantir nossas produções
agrícolas, na medida em que fecundam as flores ao coletar o pólen.
Com isso, nosso campo se tornou um verdadeiro caldeirão de vida.
Ainda temos muitos ataques de gafanhotos e outros insetos predadores.
Mas como nossos campos são organizados
segundo uma lógica natural, ou seja, na medida do possível
procuramos misturar
o máximo possível nossas culturas, esses insetos não conseguem ser
suficientemente rápidos para ocasionar danos realmente mais sérios.
Isso dá mais tempo para os pássaros, por exemplo, conseguirem ser
eficientes no controle das populações daqueles insetos predadores.
Interações
agroecológicas
Conseguir
reconhecer a existência e importância das redes
de conexão da vida
em nossos campos será muito útil para nos ajudar a compreender e
ususfruir das interações
agroecológicas.
Já vimos um exemplo quando mencionamos a importância dos insetos
polinizadores, responsáveis por garantir a frutificação da maior
parte de nossas culturas. Aliás, um fenômeno que tem atraído a
atenção da comunidade científica em todo o mundo é o
desaparecimento, já total em muitas regiões, das abelhas. Hoje,
sabemos que as abelhas são responsáveis pela polinização de mais
de 70% da espécies vegetais cultivadas para a produção de
alimentos na atualidade. Se elas continuarem a desaparecer na
velocidade em que estão, em breve poderemos ter um verdadeiro
colapso na produção de alimentos. As causas desse desaparecimento
ainda estão sendo discutidas, mas já parece haver um consenso que,
seja ela qual for, a causa original parece estar no desequilibrio
ambiental.
Uma
interação agroecológica interessante pode ser promovida pelos
agricultores simplesmente plantando o maior número possível de
flores. Principalmente as espécies nativas de uma determinada
região, ou ainda aquelas que se adaptem ao ponto de não
necessitarem de cuidados especiais. Um campo florido, ao longo de
todo o ano, certamente trará enormes benefícios aos agricultores,
inclusive com o estabelecimento de um local ainda mais aprazível de
se viver e trabalhar. O plantio de girassol nas bordas de terrenos e
talhões, como forma de demarcá-los, é muito útil em termos de
fornecimento de pólen a inúmeras especies de abelhas e também como
alimento adicional para pássaros.
Outra
interação agroecológica interessante e que merecerá, inclusive,
uma discussão mais aprofundada, é o plantio de árvores. Árvores
são importantes tanto para a produção de sombra, quanto o são,
por exemplo, para a produção de frutos e madeira. Alem disso, seu
sistema radicular também mobiliza nutrientes presentes em camadas
mais profundas do solo que, de outra forma, as culturas agrícolas,
principalmente hortícolas,
não teriam acesso.
Vegetação
nativa
Nesse
ponto será importante atentarmos um pouco para a importância da
vegetação nativa de uma determinada região, muitas vezes
aparecendo nos nossos campos de forma espontânea.
“Nos
solos tropicais, sabe-se que a enorme biodiversidade é a base de sua
produtividade. Toda modificação que ocorre no solo, melhora ou
piora outras sucessões vegetais. A natureza lança mão das plantas
nativas, para corrigir deficiências ou excessos minerais,
compactações, capas endurecidas ou águas estagnadas; enfim ela
tenta restabelecer sua condição ótima de maior produtividade. E
todos sabem que um solo abandonado sob a vegetação nativa, a
capoeira, se refaz completamente, tanto física quanto quimicamente.
De onde vêm os nutrientes? Qual o segredo? O que fazem as plantas
nativas que chamamos de “invasoras”? Sabe-se que são
indicadoras,
específicas para a situação que devem corrigir. E, portanto, são
também saneadoras.”
Ana
Primavesi
Toda planta que invade os
nossos campos estão, na verdade, nos indicando algo. Ainda se
conhece muito pouco dessas interações e por isso, o trabalho dos
agricultores, principalmente camponeses, em todo o mundo é
fundamental para que se colham o máximo possível de informações.
Ana Primavesi deu-nos um legado importante, através do seu livro
“Cartilha
do Solo”.
Nele, ela resume algumas das interações mais interessantes na
prática da Agricultura Natural, e passaremos a discuti-las a seguir.
Antes, porém, será necessário lançarmos uma vista de olhos numa
outra questão que também gera muita discussão e dúvidas na cabeça
da maioria dos agricultores em todo o mundo: por
que o mato, nativo, parece crescer muito mais rápido e
eficientemente, que nossas culturas?”
Vamos começar explicando
isso da seguinte forma. Todas as plantas realizam a fotossíntese,
o processo através do qual os vegetais clorofilados
(folhas verdes) são capazes de absorver a luz do sol e
transformá-la, em última instância, em matéria verde, biomassa.
Contudo, esse processo fotossintético pode ser conduzido no interior
das plantas por dois caminhos
metabólicos diferentes.
Dependendo basicamente da região de origem de uma determinada
espécie vegetal, esses caminhos metabólicos podem seguir o chamado
Ciclo
de Calvin (C-3)
ou o chamado Ciclo
de Kranz (C-4).
Não vamos entrar em detalhes bioquímicos nesse texto, mas por hora
vamos apenas considerar as limitações de cada um desses caminhos. O
Ciclo de Calvin, C-3, é próprio das plantas de clima mais frio,
temperado, onde elas necessitam de quantidades mais elevadas de CO2
do ar para realizarem a fotossíntese, algo em torno de 1 a 3%. Já
as plantas do ciclo C-4 necessitam para a fotossíntese somente 0,1 a
0,5% de CO2
no ar.
Um dos
grandes problemas de cultivos em regiões de clima mais quente, como
as tropicais e sub-tropicais, é que, das 15 plantas de cultura mais
usadas, 12 são do mecanismos de fotossíntese C-3. Como essas
plantas necessitam de quantidades maiores de CO2
precisam “trabalhar” com os estômatos
completamente abertos, perdendo assim muita água. Como mecanismo de
defesa, essas plantas acabam por fechar seus estômatos
(estruturas nas folhas responsáveis pelas trocas gasosas) durante as
horas mais quentes do dia, interrompendo, assim, a fotossíntese e a
produção de biomassa. Em contrapartida, as plantas de mecanismo
C-4, muito melhor adaptadas ao clima quente, conseguem promover a
fotossíntese mesmo com os estômatos quase fechados, isto é, mesmo
durante as horas mais quentes do dia, não param de produzir biomassa
normalmente, continuando a crescer e produzir.
É por
isso que o mato nativo das regiões mais quentes crescem muito mais
rápido que culturas como as alfaces, tomates, batatas, etc. Além
desse mecanismo C-4, as plantas nativas também acabam por usar
substâncias alelopáticas
como a scopoletina,
cumarina, vanilina e
outras, bem como exsudatos radiculares para defender e assegurar seu
espaço. Esse conjunto de fatores de competição pode afetar
seriamente o rendimentos das culturas, especialmente em campos sob
irrigação.
Além
desse efeito negativo da alelopatia, também existe a alelopatia
positiva
como no caso do picão-preto (Bidens
pilosa)
ou o mastruz (Lepidium
virginicum),
que possuem exsudatos radiculares que estimulam, por exemplo, o
crescimento do milho.
Quando uma
única espécie de planta nativa, segetal,
aumenta muito em uma cultura, esta pode acabar se tornando hospedeira
de nematóides
e outras “pragas”. Por outro lado, se houver grande diversidade
de plantas segetais, esses nematóides e pragas ajudam a manter o
equilíbrio dos organismos do solo e diminuem a possibilidade da
cultura ser parasitada. Um exemplo muito interessante, verificado na
literatura e nos resultados de campo, é quando o alho é plantado
sozinho, limpo de invasoras, ele pode ser seriamente afetado por
Melodoygine
incognita, um
nematóide. Mas quando ele cresce em conjunto com uma população
média de tiriricão ou junquinho (Cyperus
sculentus),
os nematóides podem até existir no solo, mas não afetam o seu
crescimento. Portanto, antes de sair retirando tudo o quanto for
plantas invasoras dos canteiros numa machamba, é bom estar atento
para possíveis efeitos positivos que muitas dessas plantas podem nos
trazer. É equivocado o conceito de competição
por nutrientes
que muitos agricultores e agrônomos acreditam existir entre as
culturas e as plantas invasoras. Claro que o sistema precisa estar
num perfeito equilíbrio para que tudo dê certo. Por sua vez, a
explosão demográfica de plantas invasoras já é indício mais que
suficiente para se afirmar que o sistema como um todo já está
desequilibrado. Por isso não é muito inteligente o uso sistemático
de herbicidas, por exemplo.
O descanso
de um solo por algum tempo, embora não seja o ideal em termos de
produção agrícola, pode ser fundamental para o controle dos
segetais. Depois de alguns anos, as invasoras não podem mais
competir com a vegetação nativa, que se assenta. Mas quando essa
vegetação é novamente roçada e plantada não consegue resistir ao
preparo do solo e aos insumos. Nesse momento aparecerão as plantas
invasoras saneadoras das condições desfavoráveis criadas no solo
cultivado convencionalmente. Mokit Okada é bem claro quando afirma
que um solo precisa estar trabalhando constantemente e que, quanto
mais o fizer, mais estará apto para produzir alimentos. No entanto,
ele também ressalta a importância de se observar as leis da
natureza e isso quer dizer, em outras palavras, conhecer alguns dos
seus macanismos e sermos capazes de reproduzí-los em nossos campos
agrícolas. Eventualmente teremos de tomar a difícil decisão de
deixar uma determinada área “descansando” por alguns anos, em
virtude de infestações de ervas invasoras de difícil controle, e
se isso realmente ocorrer, devemos aproveitar todas as lições
tiradas desse evento e não repetir os mesmos erros no futuro.
Cultivos
consorciados e controle de invasoras
Podemos
usar cultivos simultâneos, também chamados cultvos
consorciados,
não só para melhor aproveitar nosso terreno como também para
garantir melhores chances de nossas culturas se desenvolverem mais
adequadamente. Um dos consórcios mais antigo é o de
milhão-feijão-mandioca-abóbora, usado desde antigamente. É sabido
que esse tipo de consórcio é muito menos atacado por plantas
invasoras. As abóboras impedem muitas ervas invasoras que
normalmente aparecem no milho, por exemplo, pois não só conseguem
cobrir os solos com suas folhas, como também possuem efeito
alelopático sobre muitas dessas plantas.
A
cobertura do solo, como o mulch,
quando atinge de 5 a 6 cm de espessura, controla as invasoras. A
função do “mulch” de capim, por exemplo, assemelha-se à das
lonas-plásticas, porém sem produzirem os mesmos resíduos
não-biodegradáveis que estas. Quando bem feito e mantido, diminui
cinsideravelmente a necessidade de sacha
(capina) e outros tratos culturais.
Cultivos
alelopáticos e sinérgicos
A seguir,
vamos dar alguns exemplos de culturas alelopáticas, ou seja, que não
se gostam e, portanto, devem ser evitadas, e também de algumas
culturas amigas,
cujo cultivo em comum pode ser bem interessante.
Tabela
1: Plantas com efeitos alelopáticos.
Trigo-mourisco
|
x
|
Trigo
|
Sorgo
(mapira)
|
x
|
Trigo
|
Sorgo
(mapira)
|
x
|
Sorgo
(mapira)
|
Sorgo
(mapira)
|
x
|
Gergelim
|
Girassol
|
x
|
Tomate,
fumo, batata
|
Leguminosas
|
x
|
Alho,
cebola, tomate
|
Funcho
(erva-doce)
|
x
|
Todas as
hortaliças
|
Repolho,
brócolis e couve-flor
|
x
|
Tomate
|
Ervilhas
|
x
|
Nabo,
rabanete
|
Camomila
|
x
|
Hortelã
|
Nabo-forrageiro,
Alfafa
|
x
|
Mostarda
|
Todos os
capins
|
x
|
Colza,
canola
|
Aveia
preta, centeio
|
x
|
Capins
|
Cereais
|
x
|
Trevo-doce
|
Repolho
|
x
|
Repolho
|
Gladíolos
|
x
|
Arroz
|
Papoula
|
x
|
Cevada
|
Aveia
branca
|
x
|
Milho,
beterraba
|
Abóbora
|
x
|
Girassol
|
Fonte:
PRIMAVESI, Cartilha do Solo.
Tabela
2: Cultivos sinérgicos (plantas amigas).
Tomate
|
=
|
Cravo-de-defunto
|
Ervilhaca
|
=
|
Todos os
cereais
|
Batata
|
=
|
Amarantos
|
Cenoura
|
=
|
Cebola,
milho, soja, alface
|
Tremoço
|
=
|
Videira
|
Feijão
|
=
|
Morango,
espinafre
|
Leguminosas
|
=
|
Todos os
cereais, inhame, mamona, mandioca, batata, girassol, pepino e
repolho
|
Girassol
|
=
|
Pepino
|
Trigo,
linho
|
=
|
Milho,
leguminosas
|
Repolho
|
=
|
Beterraba,
cenoura
|
Milho
|
=
|
Abóbora,
feijão, mandioca
|
Nabo
forrageiro, aveia preta
|
=
|
Feijão
|
Alho
|
=
|
Roseiras
|
Fonte:
PRIMAVESI, Cartilha do Solo.
Plantas
indicadoras
Podemos
usar muitas plantas nativas e espontâneas para nos indicar situações
bem específicas de nosso solo como por exemplo sua acidez,
deficiências em termos de algum nutriente ou mesmo excesso de algum
elemento químico. Também podem nos trazer alguma informação sobre
o histórico recente de algum terreno como queimadas frequentes ao
longos dos anos e outros.
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