1. Noções
de ecologia e meio-ambiente
(Capítulo 1 - Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
Ecologia,
no sentido clássico, é a ciência que estuda as interações entre
os organismos e seu ambiente, ou seja, é o estudo científico da
distribuição e abundância dos seres vivos e das interações que
determinam a sua distribuição. As interações podem ser entre
seres vivos e/ou com o meio ambiente, e a compreensão desse ponto
será fundamental para compreendermos os mecanismos envolvidos num
manejo agroecológico do solo, típico do trabalho com a Agricultura
Natural.
A palavra
ecologia
tem origem no grego “oikos”,
que significa casa, e “logos”,
que significa estudo. Logo, por extensão seria o estudo
da casa,
ou, de forma genérica, o
lugar onde se vive.
Na
compreensão de seu primeiro formulador, Ernst Haeckel (1834-1919),
discípulo de Darwin, a ecologia é o estudo do inter-relacionamento
que todos os sistemas vivos e não vivos têm entre si e com o seu
respectivo meio ambiente. Não se trata de estudar o meio ambiente ou
os seres bióticos (vivos) ou abióticos (inertes) em si mesmos, mas
a interação e a interdependência entre eles. Isso é o que forma o
meio ambiente, expressão cunhada em 1800 pelo dinamarquês Jens
Baggesen (1764-1826) e introduzida no discurso biológico por Jakob
von Uexkull (1864-1944).
Na visão
apresentada por Leonardo Boff, o que se visa não é o meio ambiente
mas o ambiente inteiro. Um ser vivo não pode ser visto isoladamente
como um mero representante de sua espécie, mas deve ser visto e
analisado sempre dentro de seu ecossistema, em relação ao conjunto
das condições vitais que o constituem e no equilíbrio com todos os
demais representantes da comunidade dos viventes.
Por essa
ótica, podemos considerar a ecologia como um saber das relações,
interconexões, interdependências e intercâmbios de tudo com tudo
em todos os momentos. Nessa perspectiva, a ecologia não pode ser
definida em si mesma, como normalmente o fazem os estudos
tradicionais sobre o assunto, ou seja, fora de suas implicações com
outros saberes. Ela não é um saber de objetos de conhecimento, mas
um saber de relações entre os vários objetos de conhecimento. Ela
é um saber de saberes, relacionados entre si.
Quando nos
propomos a praticar uma agricultura
concorde com as leis naturais,
como é o caso da Agricultura Natural, implicitamente estamos dizendo
que precisamos estar atentos à ecologia, na sua mais profunda e
máxima expressão. Para tanto, será muito interessante que
consigamos ultrapassar o conceito convencional de ecologia como
meramente uma técnica de gerenciamento de recursos escassos. Nas
últimas décadas, muitos pensadores e cientistas, voltados para uma
expressão mais humanizada da própria ciência, têm desenvolvido
várias vertentes da ecologia. Passemos a citar, a título de
exemplo, algumas dessas vertentes.
Ecologia
ambiental: a comunidade da vida
Podemos
partir da seguinte constatação: todos moramos juntos na Casa
Comum,
que é o nosso planeta Terra. E quando falamos de todos, não nos
referimos apenas aos seres humanos, mas também a todo o conjunto de
seres, bióticos e abióticos. Isso quer dizer que todos dependemos,
a uma dada escala, do mesmo ambiente
inteiro.
Isso leva-nos à conclusão de que tudo
está conectado.
Numa
machamba
da Agricultura Natural procuramos promover o cultivo simultâneo de
dezenas de espécies vegetais, incluindo ai não só as culturas
alimentícias, mas também as espécies nativas (ervas espontâneas),
florestais (árvores frutíferas, madeireiras e de sombra), e também
de flores. O resultado é um verdadeiro jardim produtivo, onde cada
elemento possui intrincadas
relações
com os outros e com toda
a machamba.
Além disso, sempre procuramos criar as condições ideais para que a
fauna, além da micro e mesofauna, possa se estabelecer no local,
potencializando ainda mais as trocas e as conexões de todo o
sistema.
Para
entendermos a importância da ecologia ambiental, tal como a
exemplificamos acima com a nossa machamba,
precisamos em primeiro lugar superar a visão reducionista de meio
ambiente e, em segundo lugar, ganharmos um olhar mais integrador do
planeta Terra, que é formado por muitos tipos de meio ambientes,
também chamados de ecossistemas ou biomas, ou ainda a comunidade de
vida.
Meio
ambiente não é algo que está fora de nós e que não nos diz
respeito diretamente. Nós pertencemos ao meio ambiente, pois nos
alimentamos com os produtos da natureza, respiramos ar, bebemos água,
que constitui grande parte de nosso organismo, etc. Basta ocorrer uma
mudança de clima ou haver excesso de poluentes no ar ou pesticidas
nos alimentos para sentir-nos afetados em nossa saúde. Estamos
dentro do meio ambiente e formamos com os demais seres a comunidade
terrena
ou o
ambiente inteiro.
Ecologia
política e social: modo de vida sustentável
Os seres
humanos e também as distintas sociedades são momentos do imenso
processo evolutivo e devem ser incluídas no todo maior. Por si
mesma, a natureza nunca iria construir artefatos tecnológicos. Mas o
faz por meio do ser humano que é parte e parcela de sua realidade.
Por isso devem ser considerados no conceito de natureza
criadora,
pois seus materiais foram retirados das virtualidades da natureza
(BOFF,
2010).
Esse tipo
de ecologia analisa as formas como cada sociedade se relaciona com a
natureza, como utiliza os recursos e serviços naturais, como é o
seu modo de produção e seus padrões de consumo, sob que forma os
cidadãos participam ou não dos benefícios naturais e culturais,
como trata os resíduos, que faz para dar descanso à Terra e como
garante a regeneração dos recursos escassos para assegurar o futuro
para si e para as gerações que virão depois da nossa.
Constatamos
que há muitos tipos de sociedade, com suas instituições e normas
que organizam de forma diferente os relacionamentos com a natureza.
Em algumas, especialmente os povos originários, os indígenas,
vigora uma profunda comunhão com a natureza e um cuidado natural
para com os ecossistemas. Disso resulta uma grande harmonia entre ser
humano e meio ambiente. Há outras que quebram essa harmonia. Em
geral, por onde passa, o homem, principalmente o moderno, deixa um
rastro de irresponsabilidade e falta de cuidado.
Ecologia
mental: novas mentes e novos corações
Tão
importante quanto a ecologia ambiental, social e política é a
ecologia mental. Ela se ocupa da mente e do que ocorre dentro dela.
Também considera o tipo de imaginário existente, os valores e as
visões de mundo que as sociedades projetaram. Muito de nossa
agressividade para com o sistema-Terra, o mau uso dos recursos
naturais e o descuido com os resíduos têm sua origem nos conceitos
e preconceitos
incrustados
na mente humana e consagrados no imaginário social e que são
difíceis de desmontar.
Dentre as
várias vertentes da ecologia, talvez a ecologia mental seja a mais
difícil de ser realizada porque as estruturas mentais e o nosso modo
convencional de ver as coisas perduram por gerações, dificultando
enormemente as mudanças necessárias. É conhecida a frase de
Einstein: é
mais fácil desintegrar um átomo do que desmontar um preconceito.
Verificamos
duas características principais de nosso tempo. A primeira é a
crescente consciência de que podemos estar
rumo a destruição da Terra e ao desaparecimento
da espécie humana. E a segunda é o surgimento de um vigoroso
despertar de um relacionamento benevolente para com a Terra, para com
os ecossistemas e para com os demais seres humanos, como forma de
salvar nossa Casa Comum e garantir a nossa sobrevivência.
Para isso
se exige, segundo a Carta
da Terra,
uma mudança na mente e no coração, no sentido de um novo
sentimento de interdependência global e de responsabilidade
universal. Ao mudarmos nossa mente e nosso coração, estamos criando
as bases para a construção de uma sociedade humana na qual o uso
racional dos recursos, o cuidado com os resíduos e a preservação
do meio ambiente estejam em sintonia fina
num equilíbrio saudável com a consciência coletiva da população.
Ecologia
integral: pertencemos ao universo
A ecologia
integral procura ir além da ecologia ambiental, sociopolítica e
mental. Ela se dá conta de que a Terra não é tudo. Ela está
inserida e é parte de um grandioso processo evolutivo que começou a
13,7 bilhões de anos atrás quando ocorreu aquela incomensurável
explosão chamada de Big
Bang.
Por um momento, estávamos todos juntos lá naquele ponto ínfimo em
tamanho, mas cheio de energia e interações.
Com a
explosão começou o processo de expansão/evolução/criação.
Todos os seres do universo são feitos com os mesmos “tijolinhos”,
forjados nas estrelas ancestrais que desapareceram, com os quais nós
também somos construídos. Constituímos, pois, uma imensa
comunidade cósmica.
A ecologia
integral procura entender a Terra, as energias cósmicas que nos
alimentam e sustentam dentro do imenso processo de evolução que
ainda está em curso.
Carta da
Terra
A Carta
da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para
a construção, no século 21, de uma sociedade global justa,
sustentável e pacífica. Busca inspirar todos os povos a um novo
sentido de interdependência global e responsabilidade compartilhada
voltado para o bem-estar de toda a família humana, da grande
comunidade da vida e das futuras gerações. É uma visão de
esperança e um chamado à ação.
A Carta
da Terra se preocupa com a transição para maneiras sustentáveis de
vida e desenvolvimento humano sustentável. Entretanto, a Carta da
Terra reconhece que os objetivos de proteção ecológica,
erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico equitativo,
respeito aos direitos humanos, democracia e paz são interdependentes
e indivisíveis. Consequentemente oferece um novo marco, inclusivo e
integralmente ético para guiar a transição para um futuro
sustentável.
A Carta
da Terra é resultado de uma década de diálogo intercultural, em
torno de objetivos comuns e valores compartilhados. O projeto da
Carta da Terra começou como uma iniciativa das Nações Unidas
(ONU), mas se desenvolveu e finalizou como uma iniciativa global da
sociedade civil. Em 2000 a Comissão
da Carta da Terra,
uma entidade internacional independente, concluiu e divulgou o
documento como a carta
dos povos.
A
redação da Carta da Terra envolveu o mais inclusivo e participativo
processo associado à criação de uma declaração internacional.
Esse processo é a fonte básica de sua legitimidade como um marco de
guia ético. A legitimidade do documento foi fortalecida pela adesão
de mais de 4.500 organizações, incluindo vários organismos
governamentais e organizações internacionais.
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