quarta-feira, 2 de abril de 2014

AULA 5 - Texto de apoio



1. Noções de ecologia e meio-ambiente
(Capítulo 1 - Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
Ecologia, no sentido clássico, é a ciência que estuda as interações entre os organismos e seu ambiente, ou seja, é o estudo científico da distribuição e abundância dos seres vivos e das interações que determinam a sua distribuição. As interações podem ser entre seres vivos e/ou com o meio ambiente, e a compreensão desse ponto será fundamental para compreendermos os mecanismos envolvidos num manejo agroecológico do solo, típico do trabalho com a Agricultura Natural.
A palavra ecologia tem origem no grego “oikos”, que significa casa, e “logos”, que significa estudo. Logo, por extensão seria o estudo da casa, ou, de forma genérica, o lugar onde se vive.
Na compreensão de seu primeiro formulador, Ernst Haeckel (1834-1919), discípulo de Darwin, a ecologia é o estudo do inter-relacionamento que todos os sistemas vivos e não vivos têm entre si e com o seu respectivo meio ambiente. Não se trata de estudar o meio ambiente ou os seres bióticos (vivos) ou abióticos (inertes) em si mesmos, mas a interação e a interdependência entre eles. Isso é o que forma o meio ambiente, expressão cunhada em 1800 pelo dinamarquês Jens Baggesen (1764-1826) e introduzida no discurso biológico por Jakob von Uexkull (1864-1944).
Na visão apresentada por Leonardo Boff, o que se visa não é o meio ambiente mas o ambiente inteiro. Um ser vivo não pode ser visto isoladamente como um mero representante de sua espécie, mas deve ser visto e analisado sempre dentro de seu ecossistema, em relação ao conjunto das condições vitais que o constituem e no equilíbrio com todos os demais representantes da comunidade dos viventes.
Por essa ótica, podemos considerar a ecologia como um saber das relações, interconexões, interdependências e intercâmbios de tudo com tudo em todos os momentos. Nessa perspectiva, a ecologia não pode ser definida em si mesma, como normalmente o fazem os estudos tradicionais sobre o assunto, ou seja, fora de suas implicações com outros saberes. Ela não é um saber de objetos de conhecimento, mas um saber de relações entre os vários objetos de conhecimento. Ela é um saber de saberes, relacionados entre si.
Quando nos propomos a praticar uma agricultura concorde com as leis naturais, como é o caso da Agricultura Natural, implicitamente estamos dizendo que precisamos estar atentos à ecologia, na sua mais profunda e máxima expressão. Para tanto, será muito interessante que consigamos ultrapassar o conceito convencional de ecologia como meramente uma técnica de gerenciamento de recursos escassos. Nas últimas décadas, muitos pensadores e cientistas, voltados para uma expressão mais humanizada da própria ciência, têm desenvolvido várias vertentes da ecologia. Passemos a citar, a título de exemplo, algumas dessas vertentes.

Ecologia ambiental: a comunidade da vida
Podemos partir da seguinte constatação: todos moramos juntos na Casa Comum, que é o nosso planeta Terra. E quando falamos de todos, não nos referimos apenas aos seres humanos, mas também a todo o conjunto de seres, bióticos e abióticos. Isso quer dizer que todos dependemos, a uma dada escala, do mesmo ambiente inteiro. Isso leva-nos à conclusão de que tudo está conectado.
Numa machamba da Agricultura Natural procuramos promover o cultivo simultâneo de dezenas de espécies vegetais, incluindo ai não só as culturas alimentícias, mas também as espécies nativas (ervas espontâneas), florestais (árvores frutíferas, madeireiras e de sombra), e também de flores. O resultado é um verdadeiro jardim produtivo, onde cada elemento possui intrincadas relações com os outros e com toda a machamba. Além disso, sempre procuramos criar as condições ideais para que a fauna, além da micro e mesofauna, possa se estabelecer no local, potencializando ainda mais as trocas e as conexões de todo o sistema.
Para entendermos a importância da ecologia ambiental, tal como a exemplificamos acima com a nossa machamba, precisamos em primeiro lugar superar a visão reducionista de meio ambiente e, em segundo lugar, ganharmos um olhar mais integrador do planeta Terra, que é formado por muitos tipos de meio ambientes, também chamados de ecossistemas ou biomas, ou ainda a comunidade de vida.
Meio ambiente não é algo que está fora de nós e que não nos diz respeito diretamente. Nós pertencemos ao meio ambiente, pois nos alimentamos com os produtos da natureza, respiramos ar, bebemos água, que constitui grande parte de nosso organismo, etc. Basta ocorrer uma mudança de clima ou haver excesso de poluentes no ar ou pesticidas nos alimentos para sentir-nos afetados em nossa saúde. Estamos dentro do meio ambiente e formamos com os demais seres a comunidade terrena ou o ambiente inteiro.

Ecologia política e social: modo de vida sustentável
Os seres humanos e também as distintas sociedades são momentos do imenso processo evolutivo e devem ser incluídas no todo maior. Por si mesma, a natureza nunca iria construir artefatos tecnológicos. Mas o faz por meio do ser humano que é parte e parcela de sua realidade. Por isso devem ser considerados no conceito de natureza criadora, pois seus materiais foram retirados das virtualidades da natureza (BOFF, 2010).
Esse tipo de ecologia analisa as formas como cada sociedade se relaciona com a natureza, como utiliza os recursos e serviços naturais, como é o seu modo de produção e seus padrões de consumo, sob que forma os cidadãos participam ou não dos benefícios naturais e culturais, como trata os resíduos, que faz para dar descanso à Terra e como garante a regeneração dos recursos escassos para assegurar o futuro para si e para as gerações que virão depois da nossa.
Constatamos que há muitos tipos de sociedade, com suas instituições e normas que organizam de forma diferente os relacionamentos com a natureza. Em algumas, especialmente os povos originários, os indígenas, vigora uma profunda comunhão com a natureza e um cuidado natural para com os ecossistemas. Disso resulta uma grande harmonia entre ser humano e meio ambiente. Há outras que quebram essa harmonia. Em geral, por onde passa, o homem, principalmente o moderno, deixa um rastro de irresponsabilidade e falta de cuidado.

Ecologia mental: novas mentes e novos corações
Tão importante quanto a ecologia ambiental, social e política é a ecologia mental. Ela se ocupa da mente e do que ocorre dentro dela. Também considera o tipo de imaginário existente, os valores e as visões de mundo que as sociedades projetaram. Muito de nossa agressividade para com o sistema-Terra, o mau uso dos recursos naturais e o descuido com os resíduos têm sua origem nos conceitos e preconceitos incrustados na mente humana e consagrados no imaginário social e que são difíceis de desmontar.
Dentre as várias vertentes da ecologia, talvez a ecologia mental seja a mais difícil de ser realizada porque as estruturas mentais e o nosso modo convencional de ver as coisas perduram por gerações, dificultando enormemente as mudanças necessárias. É conhecida a frase de Einstein: é mais fácil desintegrar um átomo do que desmontar um preconceito.
Verificamos duas características principais de nosso tempo. A primeira é a crescente consciência de que podemos estar rumo a destruição da Terra e ao desaparecimento da espécie humana. E a segunda é o surgimento de um vigoroso despertar de um relacionamento benevolente para com a Terra, para com os ecossistemas e para com os demais seres humanos, como forma de salvar nossa Casa Comum e garantir a nossa sobrevivência.
Para isso se exige, segundo a Carta da Terra, uma mudança na mente e no coração, no sentido de um novo sentimento de interdependência global e de responsabilidade universal. Ao mudarmos nossa mente e nosso coração, estamos criando as bases para a construção de uma sociedade humana na qual o uso racional dos recursos, o cuidado com os resíduos e a preservação do meio ambiente estejam em sintonia fina num equilíbrio saudável com a consciência coletiva da população.

Ecologia integral: pertencemos ao universo
A ecologia integral procura ir além da ecologia ambiental, sociopolítica e mental. Ela se dá conta de que a Terra não é tudo. Ela está inserida e é parte de um grandioso processo evolutivo que começou a 13,7 bilhões de anos atrás quando ocorreu aquela incomensurável explosão chamada de Big Bang. Por um momento, estávamos todos juntos lá naquele ponto ínfimo em tamanho, mas cheio de energia e interações.
Com a explosão começou o processo de expansão/evolução/criação. Todos os seres do universo são feitos com os mesmos “tijolinhos”, forjados nas estrelas ancestrais que desapareceram, com os quais nós também somos construídos. Constituímos, pois, uma imensa comunidade cósmica.
A ecologia integral procura entender a Terra, as energias cósmicas que nos alimentam e sustentam dentro do imenso processo de evolução que ainda está em curso.

Carta da Terra
A Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção, no século 21, de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica. Busca inspirar todos os povos a um novo sentido de interdependência global e responsabilidade compartilhada voltado para o bem-estar de toda a família humana, da grande comunidade da vida e das futuras gerações. É uma visão de esperança e um chamado à ação.
A Carta da Terra se preocupa com a transição para maneiras sustentáveis de vida e desenvolvimento humano sustentável. Entretanto, a Carta da Terra reconhece que os objetivos de proteção ecológica, erradicação da pobreza, desenvolvimento econômico equitativo, respeito aos direitos humanos, democracia e paz são interdependentes e indivisíveis. Consequentemente oferece um novo marco, inclusivo e integralmente ético para guiar a transição para um futuro sustentável.
A Carta da Terra é resultado de uma década de diálogo intercultural, em torno de objetivos comuns e valores compartilhados. O projeto da Carta da Terra começou como uma iniciativa das Nações Unidas (ONU), mas se desenvolveu e finalizou como uma iniciativa global da sociedade civil. Em 2000 a Comissão da Carta da Terra, uma entidade internacional independente, concluiu e divulgou o documento como a carta dos povos.
A redação da Carta da Terra envolveu o mais inclusivo e participativo processo associado à criação de uma declaração internacional. Esse processo é a fonte básica de sua legitimidade como um marco de guia ético. A legitimidade do documento foi fortalecida pela adesão de mais de 4.500 organizações, incluindo vários organismos governamentais e organizações internacionais.





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