(Capítulo 6 do Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
O composto
orgânico, assim como toda a matéria orgânica, é um alimento da
microvida e, por isso, um condicionador
do solo
(PRIMAVESI,
2006).
Por condicionamento de solo entendemos a sua capacidade de produzir e
manter grumos, tornando-o agregado e portanto fisicamente apto a
garantir um pleno desenvolvimento das plantas.
Existem
várias formas de produzir os compostos para serem usados na
Agricultura Natural. Também podem ser empregados vários materiais
vegetais, bem como resíduos de determinadas atividades
agropecuárias. Este último ponto é um assunto que ainda levanta
muitas dúvidas e por isso mesmo vamos aprofundar nele um pouco mais
a frente.
Em
Moçambique, nosso composto natural muitas vezes não é mais do que
folhas e capins secos. Isso porque, em muitos casos, a
disponibilidade de água, inclusive para manter as composteiras
úmidas,
é muito precária. Dessa forma, acabamos por incorporar ao solo
materiais que ainda não foram degradados por microrganismos do solo,
o que também pode ser, do ponto de vista da conservação de
energia, muito interessante.
Numa
compostagem convencional, a mistura de resíduos vegetais, muitas
vezes acrescida de resíduos agroindustriais e mesmo agropecuários,
sofre um processo de decomposição aeróbica denominado fermentação.
Para que este processo microbiológico se desenvolva de forma
eficiente, são necessários alguns cuidados, como por exemplo, o
constante revolvimento das leiras de composto afim de garantir a
entrada de ar nos interstícios da massa de materia orgânica. Do
contrário, ou seja, se não for fornecido oxigênio suficiente para
esse processo, a rota metabólica que será seguida pelos
microorganismos será a da putrefação,
com a produção de diversas substâncias secundárias, muitas delas
tóxicas, indesejáveis para manter nossos solos saudáveis. O
processo é exotérmico e isso quer dizer que ele libera grandes
quantidades de energia, principalmente na forma de calor. Assim, o
revolvimento das leiras também tem o efeito de manter as
temparaturas mais amenas, pois do contrário, os microrganismos
aeróbicos naturais acabam morrendo, dando lugar aos putrefadores.
Existem
vantagens de se incorporar materiais não decompostos no solo,
principalmente em termos de conservação
da energia
contida nesses restos de vegetais. Começamos este capítulo
justamente falando que o composto, na verdade, é alimento para a
microvida no solo. Portanto, desse ponto de vista, podemos considerar
que quanto mais rico ele for nutricionalmente, mas organismos ele irá
alimentar. Dessa forma, um número também maior de espécies desses
microrganismos acabará se fixando naturalmente
no solo. Do mesmo modo que já discutimos a importância de mantermos
a biodiversidade dos nossos campos agrícolas em termos de número de
espécies de plantas diferentes, também no caso dos microrganismos,
além é claro dos representantes da mesofauna, essa biodiversidade
será fundamental para o bom desempenho do nosso trabalho com a
Agricultura Natural.
Por vezes
acontece de muitos agricultores tentarem inocular
os seus solos com suspensões de microrganismos tidos como benéficos,
como os rizóbios. Tais suspensões podem ser obtidas comercialmente
ou até mesmo extraídas das proximidades da área a ser cultivada
como, por exemplo, da serrapilheira (aquela camada de folhas
decompostas nos solos de matas) de pequenas florestas e capoeiras.
Nossa experiência contudo, tem mostrado que se conseguirmos ficar
atentos a uma série de conceitos do trabalho natural com o solo,
esse tipo de intervenção, que para muitos pode até ser considerada
uma espécie de artificialização do sistema, ainda que em menor
grau, torna-se completamente desnecessária. Uma das consequêncas
imediatas disso é a redução ainda maior dos custos de produção,
já que muitas vezes esse tipo de biotecnologia tem um preço alto,
principalmente para os padrões camponeses da maioria dos países
africanos.
A
manutenção da biodiversidade nos campos agrícolas, inclusive com a
presença de espécies espontâneas e nativas da região, poderá ser
um meio muito eficaz de instalar e manter a microbiota
nativa
daquele solo. Se esta microbiota será aquela que promoverá a saúde
do campo ou aquela que irá até fornecer substâncias tóxicas ao
solo e, consequentemente, às plantas, vai depender das ações que
forem promovidas pelos agricultores. O argumento muitas vezes usado
por fabricantes de produtos biotecnológicos é que seus produtos
acabam por resolver todos os problemas dos agricultores, mesmo que
eles não tenham nem noção da origem desses mesmos problemas. E
esse talvez seja um dos grandes perigos pois, com o tempo, a
tendência é as pessoas irem pouco a pouco perdendo a noção de
conceitos fundamentais da natureza do solo e, a partir daí, criando
a dependência
de
tecnologias externas.
Recomendamos
vivamente a leitura do Capítulo 18 do Livro “Cartilha do Solo”,
de autoria de Ana Primavesi, que, na nossa opinião, descreve com
extrema lucidez a questão dos compostos na Agricultura Natural e
também na agricultura orgânica. Vamos aqui resumir um pouco o texto
original, sem tentar perder sua excência.
Quando
falamos em composto nas regiões tropicais, temos de levar em
consideração que sua incorporação no solo não pode ser feito a
mais de 30 ou 40 cm de profundidade. Ao contrário, ele deve ficar na
superfície do solo ou na camada superficial e para que isso ocorra,
a enxada rotativa pesada não serve para realizar essa operação,
razão pela qual recomendamos o uso de maquinarias leves.
O composto
produzido com material da própria área pode não manter,
necessariamente, a saúde das culturas. Ele vai manter essa saúde se
for feito a partir das especies vegetais nativas
da região. Do contrário, se for obtido a partir de restos de
materiais híbridos, oriundos de regiões de climas completamente
diferentes daquela onde se está trabalhando, como de outros países
e continentes, dificilmente conseguirão manter uma população
saudável de microrganismos nativos. Esse é um erro que muitos
agricultores orgânicos e naturais cometem mundo afora.
Principalmente no
caso das hortícolas, os
compostos produzidos a partir de seus resíduos de produção
costumam não trazer resultados satisfatórios, já que a maioria
delas são originárias de países de climas frios, e portanto,
diferente das condições existentes nas regiões tropicais. Essa
discussão reforça ainda mais a importância de se preservar as
espécies nativas da região nos nossos campos de Agricultura
Natural, muitas vezes nascendo de forma espontânea. O composto
produzido a partir dessas espécies terá um valor muito superior
àquele eventalmente obtido a partir de plantas “estrangeiras”.
Colônias
naturais de microrganismos fixadores de nitrogênio (rizóbios) em
simbiose com espécies nativas da região do Pólo de Agricultura
Natural da Moamba.
Existem
muitos trabalhos que decrevem a produção de composto a partir de
resíduos industriais como cervejarias, fábricas de processamento de
alimentos e até resíduo orgânico oriundo do lixo urbano. Além
desse tipo de material, também é muito comum a referência do
composto obtido a partir da cama-de-frango, ou outro resíduo animal,
misturada com resíduos da agricultura convencional, como no caso de
bagaço de cana. Evidentemente que em todos esses casos, não se pode
dizer que o composto obtido seja “químico”. Ele é sim
“orgânico”, mas isso não quer dizer que esteja limpo,
ou
seja, livre de substâncias tóxicas como por exemplo os agrotóxicos
e os metais pesados, presentes principalmente no lixo urbano, ou
ainda os antibióticos presentes nos resíduos de criação
convencional de animais.
Como
podemos ver, tão importante ou mais que usar composto, é saber a
origem dos materiais a partir dos quais ele será obtido. Sem saber
exatamente essa origem, muitos agricultores, ainda que bem
intencionados, acabam contaminando seus solos e dependendo do tipo de
contaminação, poderá levar muitos anos até que tais substâncias
saiam do sistema.
Primavesi
também cita: “Acredita-se
que o composto é a única fonte de nitrogênio, além dos rizóbios
das leguminosas. Isso não é correto e, geralmente, existe pouca
interrelação entre o nitrogênio fornecido pelo composto e o
nitrogênio que se encontra no solo. Qualquer material orgânico,
inclusive a palha aplicada superficialmente consegue fixar nitrogênio
do ar durante a sua decomposição. Portanto, o que importa não é
tanto o material com que o composto é feito, mas que a sua
decomposição final no solo seja feita por bactérias aeróbicas
capazes de fixar nitrogênio.”
Muitos
também pensam que o nitrogênio proveniente dos compostos nunca
causam desequilíbrio ao solo, por serem “naturais”. Na verdade,
não é bem assim que as coisas funcionam. Se o composto for rico em
nitrogênio, e isso normalmente acontece quando introduzimos na sua
formulação os resíduos das criações camponesas de animais, pode
acontecer de se verificar alguns problemas nas lavouras.
Inicialmente, as plantas que recebem esses compostos tendem a
desenvolver folhas grandes e vistosas que muitos acreditam ser devido
a uma alimentação
excelente por parte das plantas. Mas o que de fato ocorre na maioria
desses casos é a deficiência de micronutrientes, no caso específico
o cobre, induzida
pelo
excesso de nitrogênio. A cosequência quase sempre é o aparecimento
de vários tipos de insetos sugadores que irão se aproveitar dos
exsudatos
metabólicos, em especial açúcares e aminoácidos livres,
verdadeiros banquetes para os pulgões, por exemplo. O agricultor que
não ficar atento a esses detalhes cai facilmente na armadilha de
passar os anos seguintes tentando encontrar “remédios naturais”
para os problemas de suas lavouras, ao invés de se fixarem na origem
dos desequilíbrios observados pelas diversas culturas. E aí também
se tornam presas fáceis das “empresas milagrosas” que tentam
vender suas “facilidades biotecnológicas”. A conclusão desse
parágrafo deixamos para a imaginação de cada leitor.
Construindo
as composterias na mandala
Normalmente
para se obter o composto usam-se leiras, que nada mais são que
canteiros da mistura dos diversos materiais utilizados, normalmente
sobre o piso de terra batida ou ainda em cima de pisos de betão. Em
Moçambique usamos uma estratégia um pouco diferente, e que vem
sendo aprimorada ao longo dos anos.
Dentro daquela lógica que
apresentamos no final do capítulo anterior, quando discutimos as
machambas em formato de mandalas, também no que diz respeito às
nossas composteiras
seguimos um caminho semelhante. O interessante é que o resultado que
apresentaremos a seguir foi conseguido a partir do desenvolvimento do
conceito da
mandala feito pelos nossos próprios funcionários de campo. No
início das nossas atividades escolhíamos algumas árvores no nosso
terreno e em volta delas cavávamos uma espécie de canteiro com 60 a
80 cm de profundidade. Claro que isso era muito facilitado pelo tipo
de solo arenoso da nossa região, mas o fato é que dispunhamos
normalmente de três ou quatro anéis concêntricos, dentros dos
quais armazenávamos alguns dos poucos resíduos de nossa produção
agrícola e uma quantidade grande de folhas secas das árvores,
principalmente cajueiros, mangueiras, mafureiras, massaleras e
canhueiros,
além de várias espécies de capins, oriundos das capinas. Ao
construir essas leiras sob a copa das árvores, o objetivo é tentar
manter o material o mais refrescado possível, além da sombra ajudar
na manutenção da umidade.
Composteira
sob a copa de um cajueiro, na Machamba Modelo da Agricultura Natural
em Marracuene.
Porém, como logo ficou
evidente, era muito mais proveitoso, e energéticamente mais
econômico, construir as composteiras dentro
das mandalas. Para isso, escolhemos alguns seguimentos de canteiros e
reproduzimos o trabalho descrito no parágrafo anterior. A diferença
é que fazendo dessa forma, economizamos muita energia no transporte
do composto para os canteiros. Além disso, a própria decomposição
do material, com o passar do tempo, vai enriquecendo o solo do que
futuramente passa a ser canteiro cultivado. Hoje, esse é o nosso
padrão de composteiras, quando delas necessitamos.
Composteira
no interior da mandala da Agricultura Natural na comunidade de Santa
Isabel, Marracuene.
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