sexta-feira, 17 de outubro de 2014

EXPERIÊNCIAS E SUCESSOS COM O CURSO DE AGRICULTURA NATURAL EM MOÇAMBIQUE

ANGÉLICA MARIANO CHISSANO
Agricultora






 
 
Chamo-me Angelica Mariano Chissano, tenho 56 anos de idade e sou agricultora. O que me levou a frequentar o Curso de Agricultura Natural foi o desejo constante que senti de melhorar a minha atividade agrícola, compreendendo mais sobre ela e poder ver a sua evolução além de um rendimento real no trabalho que faço.
Devo explicar que pertenço a uma família de agricultores. Meus avós praticavam agricultura de sustento onde produziam arroz, trigo e algumas hortícolas para o sustento diário da família. Meu pai, no nosso quintal, sempre incentivou a horta e dela tínhamos produtos suficientes para o consumo de casa e até ofereciamos a vizinhos e amigos. Eu não praticava, mas via como as coisas aconteciam.
Envolvida num projecto de reflorestamento e inserida num grupo associativo, cheguei no Distrito da Moamba há alguns anos onde fui apreciando o trabalho agrícola que as famílias desenvolviam no regadio daquele distrito, especificamente no Bloco II. Fui criando amizades e mostrei o desejo de ter uma pequena parcela de terra para cultivar. Numa primeira fase alguns agricultores cederam-me algum espaço dentro das suas parcelas e comecei a trabalhar. Pelos relatos que ouvia dos agricultores percebi que a agricultura é tudo para todos nós. É dela de onde tiramos o alimento, a renda para o sustento das nossas famílias e todo o necessário para o desenvolvimento: agronegócios, comercialização, processamento, industrialização e muito mais.
Dos poucos rendimentos que conseguia inicialmente, olhando e acompanhando a atividade de outros agricultores percebia ainda mais que é possível, com a agricultura, termos tudo o que nós queremos. Entretanto, eu não sabia como fazer, como evoluir e, em suma, não sabia muita coisa básica sobre a atividade agrícola. Eis então que em 2011 conheci a Igreja Messiânica e na reflexão que fui fazendo com os responsáveis, dentre várias preocupações que coloquei falei das dificuldades que tinha de fazer a evolução na minha atividade agrícola. Fui então encaminhada ao sector de Agricultura Natural, onde fui recebida pelo responsável e recebi a orientação. Esta orientação que cumpri e estou a cumprir de tal forma que me sinto satisfeita com os resultados que vou tendo.
Ainda falta muito por fazer, mas o trabalho está a correr bem. Já é visível o que eu não conseguia ver e ter, pois a meio do cumprimento das orientações básicas ganhei a permissão de transformar a minha horta de cultivo convencional para o cultivo nos métodos da Agricultura Natural. O que fez que no bairro onde resido atraísse, por curiosidade, pessoas em geral e até crianças, muitas das quais ajudei a montar suas próprias hortas caseiras da Agricultura Natural nos seus quintais e cuida-las. O grupo chegou a 20 crianças e durante o transcurso dos trabalhos algumas ganharam preguiça e outras, por influencias dos adultos e diferenças religiosas, não cuidaram da mesma maneira que começaram suas respectivas hortas. Outros mudaram de residência, mas dentre eles dois recomeçaram seus trabalhos e há poucos dias pediram sementes para refazer seus viveiros. Dos que continuam, um miúdo de 10 anos de idade está a colher berinjelas e rúcula e chegou a oferecer alguns de seus produtos a vizinhos, dizendo que vai passar a vende-los, porque “já são muitas berinjelas”. Eu perguntei-lhe como iria fazer a venda ao que respondeu: “Tia, eu avisei a minha mãe que nós aqui em casa não conseguimos acabar essa berinjela; já ofereci alguma e a quer for nascendo a partir de agora vou vender”. Disse também que já tinha conversado com a tia que trabalha em casa e esta já comprou duas berinjelas no valor de 10 meticais. Ele estava muito feliz e não parava de repetir: “Não vou parar mais. As pessoas deitam água dos pratos na minha horta, mas não vou parar. Até vou aumentar os canteiros e quero ter mais produtos na horta!”
Em relação aos agricultores convencionais da Moamba, não é fácil a mudança mas ganhei a permissão de a partir de um grupo de senhoras incentivar as hortas dos seus quintais. Tomando o exemplo da Sra. Ester, funcionária da Africarte e que neste ano de 2014 teve a oportunidade de comercializar sua produção de abóboras nas feiras promovidas pela Africarte, ganhei força para fazer com que aquele grupo de agricultoras aceitasse melhor a ideia da prática da Agricultura Natural. Embora o trabalho ainda não esteja totalmente sistematizado, já uma das agricultoras conseguiu vender rúcula e couve-chinesa do seu quintal da Agricultura Natural no comércio local da Moamba. Há alguns dias, outra senhora me telefonou a dizer que apesar das dificuldades já tem couve para a sopa oriunda do seu quintal.
 
 
 
 
 
 
 
 
Orientação a agricultoras do Distrito da Moamba.
 
A meio da dedicação nessa coluna da Agricultura Natural também ajudei a montar uma horta numa creche da cidade de Maputo. A alegria dos donos da creche é muito grande pois eles já utilizam os produtos na alimentação das crianças que atendem. Desta maneira, os donos da creche convidaram-me a ajuda-los a montar a horta nas suas machambas em Chindenguele, província de Gaza, pelo método da Agricultura Natural. Essa atividade deverá ser iniciada ainda neste mês de outubro.
Uma senhora que é membro da Igreja Messiânica, Filomena Munguambi, e teve conhecimento dessas atividades com a Agricultura Natural me pediu ajuda na sua machamba na Macia, também província de Gaza. Da primeira vez que para lá me dirigi fui sozinha e logo iniciamos a montagem dos canteiros. Da segunda vez fui com duas das colega de curso, quando terminamos de demarcar os canteiros no formato de mandalas e fizemos a sementeira. Tenho falado constantemente com aquela senhora que diz estar muito feliz e continua a semear seus viveiros. Contou-me que teve conhecimento de uma amiga que estava doente e então colheu alguns dos seus produtos da horta, inclusive flores, e foi visita-la. Durante a visita, explicou a importância de alimentar-se de produtos da Agricultura Natural e a importância da flor. A amiga ficou feliz e disse que logo que ficasse boa irá fazer a Horta Caseira no seu quintal para poder resolver o problema da alimentação da sua família. 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de assistência técnica na machamba da Sra. Filomena Munguambi, na Macia.
 
 
Agradecida por todos esses acontecimentos, estou com muita força de continuar a expandir a prática da Agricultura Natural para muitas pessoas. Neste ano ganhei a permissão de fazer a montagem e acompanhamento da nossa machamba familiar em Changalane, de onde estamos neste momento a colher e vender produtos da Agricultura Natural como tomates, repolhos, cebolas e couves. Estou muito feliz por este trabalho, não só por conta do rendimento material mas também pelo fato de muitas pessoas estarem agradecidas e felizes por facilmente terem caril em casa a partir dos produtos que vendemos, conforme cometam em toda a comunidade de Changalane.
Minha alegria e felicidade de estar a perceber que é possível e fácil cada um de nós praticar a Agricultura Natural duma forma simples e sem grandes despesas. E perceber ainda que as comunidades só precisam de orientação e acompanhamento para ultrapassarem muitos dos problemas que parecerem, para muitas, o “fim do mundo”. É muito importante que cada um de nós tenha o coração aberto, saiba receber orientação e aplica-la. Estou muito agradecida a todos que me orientam e acompanham toda a atividade que faço, muitas vezes sem olhar horários e medir esforços. Especial obrigado à direção e coordenação da Africarte e a todos os colegas do Curso de Agricultura Natural.
Exposição dos produtos da Sra. Angélica na Feira Mensal de Produtos da Agricultura Natural promovida pela Africarte em Marracuene.
 
Que a expansão da Agricultura Natural seja uma missão de cada um de nós para o benefício de toda a nossa sociedade. Sugiro que o Curso de Agricultura Natural continue e que a sua divulgação para maior adesão seja constante por todos os meios que a Africarte tem para isso. Que todo aluno deste curso seja um pólo de divulgação do método da Agricultura Natural e não fique com a informação e conhecimento somente para si, mas que ganhe força de praticar para que os resultados apareçam e sejam compartilhados com muitas pessoas. A partilha é muito importante, praticando no seu local de residência, no seu emprego, na sua família.
Aprendi neste curso a entender melhor a Natureza e reconhecer que ela nos dá tudo o que precisamos para mudar nossos hábitos e postura em relação a ela própria. Fazemos queimadas, deitamos e enterramos lixo de qualquer maneira. Utilizamos muitas coisas sem respeitar o mínimo que nos faz manter saudáveis e ter boa vida.  Embora soubesse alguma coisa sobre o ambiente, alimentação e ecologia sinto que este curso me deu mais visão. Ainda preciso aprender muito para viver sempre bem. Muito obrigado pela permissão que tive de ser aluna deste curso. Muito obrigado a todos os intervenientes na programação, execução e monitoria deste curso.
Muito obrigada!
 
 

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