De fato, tudo o que citamos acima compõe o que chamamos sistema da Agricultura Natural e, de uma forma ou de outra, cada ponto citado será discutido nesse livro. Mas nesse momento, queriamos chamar a atenção para um fator de produção agrícola que raramente é mencionado nos livros e manuais de agricultura e que, segundo nossa experiência e aprendizado no dia a dia, talvez represente o mais importante insumo agrícola na Agricultura Natural: a gratidão.
Muitas das pessoas que nos visitam ficam realmente surpresas em como conseguimos cultivar determinadas culturas em terrenos aparentemente tão inóspitos ou com tão poucos recursos como a agua, por exemplo. Também se espantam quando dizemos que não usamos nenhum tipo de fertilizante químico e muito menos defensivos como inseticidas ou herbicidas. O espanto chega ao ápice quando mostramos, em meio aos nossos canteiros cultivados, espaços destinados ao desenvolvimento de vegetação espontânea para servirem de abrigo a um sem numero de pequenos animais e insetos, todos eles integrados, depois de algum tempo, ao sistema ecologicamente equilibrado da nossa machamba.
Em meio a esse espanto, muitos visitantes ficam intrigados e curiosos em saber qual o verdadeiro segredo da Agricultura Natural. Geralmente respondo que nós ainda estamos trilhando o Caminho como mero aprendizes e seria muita pretensão da nossa parte querer definir algo tão profundo e verdadeiramente misterioso. O que podemos dizer com certeza é que existem muito mais fatores responsáveis por uma boa produção agrícola do que aqueles normalmente considerados pela maioria dos agricultores e especialistas no assunto. A gratidão à terra, à Grande Natureza e a todos as suas dádivas parecem estar realmente no cerne da questão da produção sustentável de alimentos saudáveis. De fato, a própria sustentabilidade parece remeter ao conceito de gratidão, pois, em uma última análise, representaria o ato de agradecer pelas inúmeras bênçãos que temos hoje, assim como desejar e trabalhar para que estas mesmas bênçãos sejam perpetuadas para as gerações que ainda irão nascer.
Temos visto e acompanhado inúmeros casos de agricultores que, sem nenhuma noção do que estamos dizendo aqui, continuam sua forma ingrata e muitas vezes arrogante de lidar com a terra. Não é difícil encontrar esse tipo de situação e, de fato, infelizmente basta olhar a maioria dos campos de produção agrícola da atualidade para perceber um profundo desvio daquilo que chamamos do Caminho da Terra. Talvez por isso mesmo a situação da produção de alimentos tenha chegado onde chegou. A grande maioria das pessoas, preocupadas em abastecer hoje a imensa multidão de seres humanos que habitam o planeta, estão empregado um grande esforço para conseguir suprir as necessidades de alimentos. O curioso é que, segundo alguns cientistas, a rigor não haveria falta de alimentos se o ser humano repensasse alguns de seus conceitos e a forma como distribui e vende sua comida.
E parece ser justamente esse desvio da lógica natural que impele a maioria dos agricultores da atualidade a buscar sempre a maior produção em detrimento da melhor qualidade do alimento que cultiva. E para obter quantidades maiores acabam desfavorecendo o manejo ecológico do solo, apelam para os grandes monocultivos, empregam quantidades absurdas de água para irrigar os campos, usam fertilizantes artificiais em quantidades cada vez maiores, abusam no uso de defensivos químicos, etc. Mesmo no caso de pequenos agricultores percebemos essa lógica equivocada quando, por exemplo, ao receber uma nova parcela de terra para praticar a agricultura, a primeira providência que tomam é derrubar sistematicamente toda e qualquer árvore que por ventura ainda exista no local sob o argumento de que a sombra produzida por estas árvores irá prejudicar o desenvolvimento e a produção de comida! O capim e o mato que também porventura existam nesse sítio também são logo retirados e tratados como lixo e, infelizmente, não é raro presenciar sua queima com enormes prejuízos para a atmosfera sem dizer no desperdício de energia e biomassa.
Em sistemas assim estabelecidos, impera o desequilíbrio de energia e eles são tratados pelas ciências naturais como sendo instáveis. A Mãe Natureza irá procurar sempre uma forma de tornar os sistemas mais estáveis ou equilibrados, eliminando os fatores que promovem este desequilíbrio.
Mokiti Okada nos ensina que em tais situações nossas culturas tendem a ficar demasiadamente fracas e dependentes de venenos na forma de adubos artificialmente formulados e defensivos químicos. E uma vez enfraquecidas, as plantas tornam-se susceptíveis ao ataque de pragas e doenças. Nesse momento, a maioria dos agricultores tem a chance de reverter a situação buscando encontrar a lógica por traz dos fenômenos que presencia no campo. Mas o que acontece é que a maioria deles acaba indo pelo caminho errado, atacando ferozmente os sintomas ao invés de buscar a causa, isto é, a origem das doenças e pragas.
Todos estes desequilíbrios, desvios e falhas nos sistemas de produção convencional são resultados diretos da ingratidão que grande parte dos agricultores nutrem pela Mãe Natureza! Esta talvez seja a chave do problema e seria muito interessante e sensato se repensássemos nossa maneira de encarar a agricultura como um todo.
Quando não se consegue reconhecer a missão-função-forma de determinado elemento do mundo natural, o resultado quase sempre é desastroso, principalmente a longo prazo. Se uma determinada "praga" ataca nossas lavouras, devemos em primeiro lugar agradecer pela informação da Natureza em indicar que algo está desequilibrado no nosso sistema. Mokiti Okada é muito claro quanto a isso quando orienta que a missão de uma determinada praga é consumir os tóxicos existentes nas plantas onde estão agindo. E de fato, se parássemos para refletir bem sobre isso, certamente chegaríamos rapidamente à conclusão que antes de tentarmos desenvolver alguma ação mitigadora em ralação àquela praga, o ideal seria sentirmos gratidão pela sua ocorrência. Acreditamos que esta atitude humilde perante as leis fundamentais da Natureza abrirá os caminhos para descobrirmos e percebermos claramente os desvios e suas respectivas correções. Neste momento, poderá aflorar no agricultor uma espécie de intuição maior, uma percepção da inteligência superior, através da qual tudo se tornará claro aos olhos daqueles que se submeterem com os corações puros aos fundamentos naturais do mundo que nos rodeia a todos.
A Natureza é cheia de seus mistérios, mas estes podem estar a um passo de serem revelados para todos aqueles que possuírem uma sincera atitude de gratidão para com Ela. A vida que pulsa infalivelmente numa machamba, quando cultivada e tratada com o devido respeito, amor e gratidão, poderá facilmente gerar frutos quase infindáveis e levar às pessoas envolvidas com o seu trabalho ao verdadeiro sucesso sustentável.
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