3.
Processamento mínimo e embalagem
(Capítulo 3 do Módulo 3 da apostila do Curso de Agricultura Natural)
Após a etapa de higienização
dos nossos produtos agrícolas vem o processamento e embalagem. O
processamento pode se dar em vários níveis, dependendo do grau de
investimento possível e desejado bem como da capacidade do próprio
agricultor em elaborar produtos como geléias, doces, licores, etc.
Contudo, uma forma bem simples
de iniciar nas atividades de processamento é o chamado processamento
mínimo. Essa é uma operação comparativamente mais simples que
aquela verificada na obtenção de produtos mais elaborados, mas
também pode agregar imenso valor na produção agrícola.
Um exemplo de processamento
mínimo é quando picamos as folhas de couve e as embalamos em
bandejas adequadas. Dessa forma, oferecemos produtos prontos para uso
e isso acaba por conferir um considerável aumento no valor de venda
final, já que foram agregados os valores relativos ao trabalho de
lavar, selecionar, picar e embalar as folhas de couve. Contudo, é
evidente que para que tenhamos sucesso nesse tipo de produto, os
cuidados com a higienização e manipulação deverão ser muito
maiores e as operações deverão ser executadas em ambientes
satisfatórios sob pena dos produtos não conseguirem se manter
viáveis, mesmo dentro das embalagens.
Mix de verduras e legumes
Essa é uma alternativa muito
interessante para melhor aproveitamento dos produtos. Ao
selecionarmos, por exemplo, cenouras, rabanetes, etc., é comum
deixarmos aquelas raízes tortas ou mesmo quebradas de lado. Esses
produtos são igualmente nutritivos e saborosos, razão pela qual não
devemos, em hipótese nenhuma, desperdiçá-los. Por outro lado,
nosso mercado consumidor, de uma maneira geral, ainda é refém de
uma cultura midiática e tende a desmerecer e desvalorizar produtos
com esse tipo de apresentação. Portanto, uma maneira de
conseguirmos aproveitar melhor nossos produtos da machamba ao mesmo
tempo em que vamos reeducando o paladar de nosso público consumidor,
é conseguindo apresentar melhor esses mesmos produtos.
Uma forma de fazê-lo é
preparando misturas (ou mix)
de diversas folhas e legumes, devidamente limpos e picados, e
embalando em bandejas revestidas com filme plástico. Dessa forma,
também promovemos uma maior preservação dos produtos e facilitamos
seu transporte por parte dos consumidores.
(Mix de verduras e legumes da
Agricultura Natural prontos para serem comercializados)
O uso de embalagens plásticas,
na medida do possível, devem ser evitadas. Claro que não faria
sentido, a essa altura dos nossos estudos, fazer apologia ao uso de
materiais não-biodegradáveis e que estimulam toda uma cadeia da
indústria química. Mas por outro lado, temos por princípio o bom
senso e o
pragmatismo.
Por vezes, a fim de chamar a atenção para o alto valor nutritivo de
muitos de nossos alimentos, principalmente aqueles tradicionais e
locais, temos de lançar mão de alguns caminhos e estratégias,
ainda que por um tempo definido. Por outro lado, alguns produtos
precisam ser adequadamente envasados sob pena de não suportarem nem
mesmo o seu transporte da feira até o lar, como é o caso dos
morangos que não conseguem se manter inteiros e frescos se forem
colocados num saco de papel. O mesmo vai acontecer com os mix
de verduras e legumes ou ainda no caso de sumos, doces e geléias.
Contudo, a maioria dos materiais usados nesse tipo de embalagens
podem ser reciclados e reutilizados. Claro que nosso "sonho de
consumo" se realiza quando nossos clientes trazem de casa seus
próprios vasilhames e estimulamos nossos agricultores parceiros que
também fiquem atentos para esse tipo de prática ao formarem suas
próprias redes de consumidores.
Contudo, pode ser o caso dos
produtores conseguirem acordos comerciais interessantes junto a
supermercados ou mesmo lojas especializadas em produtos biológicos,
como muitas vezes são chamados os produtos da Agricultura Natural em
vários países. De fato, temos postulado ao longo dos anos que o
setor da agricultura familiar pode e deve ser inserido no mercado
formal como uma alternativa interessante para levar alimentos
verdadeiramente mais saudáveis à sociedade e também como uma das
formas de buscar a dignidade do produtor camponês através do seu
desenvolvimento econômico. No caso do fornecimento de produtos a
redes de lojas ou supermercados, quando for o caso, serão
necessários cuidados adicionais no que diz respeito à higienização
e embalagem dos alimentos, razão pela qual introduzimos essa
discussão no presente curso.
Valorização do alimento
local e tradicional
Vamos adiantar um pouco uma
discussão que será abordada futuramente no nosso curso, que são os
produtos agrícolas tradicionais e locais. No Módulo 5, vamos
aprofundar nesse tema, mas por hora gostaríamos de chamar a atenção
paras as imagens seguintes:
(Alguns alimentos tradicionais
vendidos nas feiras de rua em Maputo. O mau acondicionamento e a
falta de higiene de muitos desses locais pode prejudicar a qualidade
do alimento, que naturalmente costuma ser muito nutritivo)
As imagens anteriores mostram
um pouco da realidade da maioria dos mercados de rua na cidade de
Maputo e esta cena se repete pelo interior do país e de praticamente
todo o continente africano, com algumas exceções, claro.
Um fato que sempre nos chamou
a atenção é a procura que determinados produtos agrícolas têm
nesses mercados informais. Porém, quase sempre os preços praticados
são baixos e quase não cobrem os custos nem do transporte do campo
para o mercado, e talvez por isso os próprios agricultores acabam
não valorizando devidamente suas respectivas lavouras, apesar da
maioria desses alimentos, como veremos futuramente, possuírem
valores nutricionais muito acima da média daqueles produtos
agrícolas clássicos vendidos nos supermercados.
Também pelas imagens fica
claro os potenciais problemas à saúde ocasionados pela falta de
higiene bem como pela manipulação inadequada desses alimentos. Foi
pensando nisso que, há alguns anos, introduzimos nos nossos cursos e
treinamentos, esse módulo de estudo da higienização e embalagem
dos produtos agrícolas. Para nossa surpresa, descobrimos que a
maioria desses produtos tradicionais, quando devidamente apresentados
ao publico consumidor, são os primeiros a se esgotarem em nossas
bancas de feiras ou mesmo no sistema de encomendas, que também vamos
discutir mais detalhadamente no futuro.
Usamos a expressão tirar
os produtos do chão
como uma das formas de mostrar seu verdadeiro valor e muitos desses
vegetais, inclusive, fazem parte de sofisticados e elaborados
ingredientes culinários na Europa, Ásia e América, mais uma razão
para os agricultores e consumidores moçambicanos ficarem ainda mais
atentos às suas preciosidades locais. Exemplos disso são as plantas
da família dos amarantos, que recebem vulgarmente o nome de tsec; a
vinagreira, cujos frutos em conservas são exportados para o mundo
todo a partir da Alemanha; a mexoeira, a partir da qual pode ser
produzido um "leite vegetal" de excepcionais propriedades
nutricionais, etc. Além desses a lista segue com a cacana, a
nhangana, a dledlele, a mboa e muitos outros.
(As folhas de vinagreira podem
ser consumidas cruas em saladas ou refogadas. As flores são usadas
em chás e os frutos como conserva. Machamba-modelo da Agriultura
Natural de Marracuene)
Acondicionar e apresentar
melhor os nossos produtos da machamba
Um melhor acondicionamento dos
nossos produtos agrícolas, como vimos, além de promover sua maior
preservação também ajuda a valorizá-los. A exposição dos
produtos no momento da venda bem como a simpatia e cortesia por parte
do agricultor são fatores que irão contribuir ainda mais para o
sucesso do empreendimento. Já tivemos a oportunidade de dizer, ao
longo do nosso estudo até aqui, que a Agricultura Natural pode ser
comparada a um estilo próprio de vida. De fato, o amor, a alegria e
o carinho com que cuidamos da terra, preparamos nossas mudas e
cultivamos nossas culturas também precisam estar presentes no
momento em que esses alimentos irão ser entregues aos seus
consumidores finais. O ciclo precisa ser fechado pois quanto mais os
produtos da Agricultura Natural venham a ser distribuídos ou
comercializados, maior será o numero de pessoas que irão se
alimentar melhor e maior ainda será a procura por tais produtos, o
que certamente estimulará ainda mais a sua produção e o número de
agricultores que sejam defensores e praticantes dessa filosofia de
vida e de trabalho.
Portanto, os próprios
agricultores são responsáveis por realimentar a cadeia produtiva
natural e quanto mais o fizerem, mais pessoas irão ter contato com
os frutos desse trabalho. Nossa experiência tem mostrado que quanto
mais ensinamos e compartilhamos nossos aprendizados, mais pessoas nos
trazem novos e preciosos saberes e tudo entra numa espécie de
turbilhão de forças positivas, com resultados benéficos para
todos.
Em Maputo, nossa equipa da
Africarte vem promovendo, desde junho de 2011, nossa feira semanal de
produtos da Agricultura Natural como forma de divulgar os resultados
dessa forma de trabalhar a terra. Desde o início dessa atividade
estimulamos nossos colaboradores a procurarem realçar o máximo
possível as qualidades superiores dos alimentos produzidos de forma
natural, isentos de contaminantes químicos e com sabores originais.
Ao longo desse tempo já promovemos diversas oficinas e cursos
rápidos com dezenas de agricultores e também pessoas interessadas
em promover a Agricultura Natural em suas machambas e até mesmo
quintais, através das Hortas Caseiras.
(Feira de produtos da
Agricultura Natural em Maputo)
Dessa forma, esperamos
incentivar ainda mais um número cada vez maior de agricultores a
praticarem o cultivo através da Agricultura Natural e terem um
modelo de comercialização de seus produtos que leve à viabilização
econômica de suas respectivas atividades agrícolas além, é claro,
do oferecimento à sociedade de produtos verdadeiramente saudáveis,
o objetivo maior de nosso trabalho.
(Produtos da Agricultura
Natural oferecidos pela Africarte em Moçambique)
NOTA: Nosso mercado consumidor
é refém daquilo que a mídia nos força a consumir. Nossos
alimentos agrícolas, por exemplo, são forçadamente padronizados,
introduzindo cada vez mais artificialização nos campos agrícolas,
e nisso reside um dos maiores obstáculos no combate à fome em todo
o mundo. Desde cedo somos educados a comprarmos alimentos com um
mesmo tipo de formato e tamanho, mesmo que o sabor nem de longe
lembre mais o daqueles produzidos de forma natural. Normalmente as
pessoas ficam encantadas com frases do tipo "produto
selecionado", "sumo produzido com frutas selecionadas",
etc. Porém, em muitos lugares estima-se que cerca de 30% de tudo o
que se produz no campo seja descartado por não estar dentro dos
padrões de qualidade exigidos pelo mercado consumidor ao não
possuir o aspecto ideal, muitas vezes independentemente da sua
verdadeira qualidade nutricional. Ou seja, muitas vezes os
consumidores ficam muito mais presos ao aspecto externo de um produto
ao invés de se preocuparem realmente com eventuais presenças de
resíduos de agrotóxicos ou ainda nas pressões que os métodos
convencionais de agricultura, necessários para esse tipo de produção
padronizada, venham a causar no meio ambiente. Produtos agroecológicos e
naturalmente produzidos dificilmente apresentam forma padronizada e
definida. Aliás, essa é justamente uma das características que
muitos consumidores mais conscientes e conhecedores das formas
naturais de produção de alimentos usam para reconhecê-los nos
mercados especializados. No nosso trabalho com a Agricultura Natural
estaremos sempre valorizando a diversidade de produtos bem como de
suas formas e até cores, reconhecendo nisso a ação da própria
Natureza.
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