quarta-feira, 18 de junho de 2014

AULA 17: Texto de apoio


3. Processamento mínimo e embalagem
(Capítulo 3 do Módulo 3 da apostila do Curso de Agricultura Natural)

Após a etapa de higienização dos nossos produtos agrícolas vem o processamento e embalagem. O processamento pode se dar em vários níveis, dependendo do grau de investimento possível e desejado bem como da capacidade do próprio agricultor em elaborar produtos como geléias, doces, licores, etc.
Contudo, uma forma bem simples de iniciar nas atividades de processamento é o chamado processamento mínimo. Essa é uma operação comparativamente mais simples que aquela verificada na obtenção de produtos mais elaborados, mas também pode agregar imenso valor na produção agrícola.
Um exemplo de processamento mínimo é quando picamos as folhas de couve e as embalamos em bandejas adequadas. Dessa forma, oferecemos produtos prontos para uso e isso acaba por conferir um considerável aumento no valor de venda final, já que foram agregados os valores relativos ao trabalho de lavar, selecionar, picar e embalar as folhas de couve. Contudo, é evidente que para que tenhamos sucesso nesse tipo de produto, os cuidados com a higienização e manipulação deverão ser muito maiores e as operações deverão ser executadas em ambientes satisfatórios sob pena dos produtos não conseguirem se manter viáveis, mesmo dentro das embalagens.


Mix de verduras e legumes
Essa é uma alternativa muito interessante para melhor aproveitamento dos produtos. Ao selecionarmos, por exemplo, cenouras, rabanetes, etc., é comum deixarmos aquelas raízes tortas ou mesmo quebradas de lado. Esses produtos são igualmente nutritivos e saborosos, razão pela qual não devemos, em hipótese nenhuma, desperdiçá-los. Por outro lado, nosso mercado consumidor, de uma maneira geral, ainda é refém de uma cultura midiática e tende a desmerecer e desvalorizar produtos com esse tipo de apresentação. Portanto, uma maneira de conseguirmos aproveitar melhor nossos produtos da machamba ao mesmo tempo em que vamos reeducando o paladar de nosso público consumidor, é conseguindo apresentar melhor esses mesmos produtos.
Uma forma de fazê-lo é preparando misturas (ou mix) de diversas folhas e legumes, devidamente limpos e picados, e embalando em bandejas revestidas com filme plástico. Dessa forma, também promovemos uma maior preservação dos produtos e facilitamos seu transporte por parte dos consumidores. 
 






 
(Mix de verduras e legumes da Agricultura Natural prontos para serem comercializados)

O uso de embalagens plásticas, na medida do possível, devem ser evitadas. Claro que não faria sentido, a essa altura dos nossos estudos, fazer apologia ao uso de materiais não-biodegradáveis e que estimulam toda uma cadeia da indústria química. Mas por outro lado, temos por princípio o bom senso e o pragmatismo. Por vezes, a fim de chamar a atenção para o alto valor nutritivo de muitos de nossos alimentos, principalmente aqueles tradicionais e locais, temos de lançar mão de alguns caminhos e estratégias, ainda que por um tempo definido. Por outro lado, alguns produtos precisam ser adequadamente envasados sob pena de não suportarem nem mesmo o seu transporte da feira até o lar, como é o caso dos morangos que não conseguem se manter inteiros e frescos se forem colocados num saco de papel. O mesmo vai acontecer com os mix de verduras e legumes ou ainda no caso de sumos, doces e geléias. Contudo, a maioria dos materiais usados nesse tipo de embalagens podem ser reciclados e reutilizados. Claro que nosso "sonho de consumo" se realiza quando nossos clientes trazem de casa seus próprios vasilhames e estimulamos nossos agricultores parceiros que também fiquem atentos para esse tipo de prática ao formarem suas próprias redes de consumidores.
Contudo, pode ser o caso dos produtores conseguirem acordos comerciais interessantes junto a supermercados ou mesmo lojas especializadas em produtos biológicos, como muitas vezes são chamados os produtos da Agricultura Natural em vários países. De fato, temos postulado ao longo dos anos que o setor da agricultura familiar pode e deve ser inserido no mercado formal como uma alternativa interessante para levar alimentos verdadeiramente mais saudáveis à sociedade e também como uma das formas de buscar a dignidade do produtor camponês através do seu desenvolvimento econômico. No caso do fornecimento de produtos a redes de lojas ou supermercados, quando for o caso, serão necessários cuidados adicionais no que diz respeito à higienização e embalagem dos alimentos, razão pela qual introduzimos essa discussão no presente curso.

Valorização do alimento local e tradicional
Vamos adiantar um pouco uma discussão que será abordada futuramente no nosso curso, que são os produtos agrícolas tradicionais e locais. No Módulo 5, vamos aprofundar nesse tema, mas por hora gostaríamos de chamar a atenção paras as imagens seguintes:
















(Alguns alimentos tradicionais vendidos nas feiras de rua em Maputo. O mau acondicionamento e a falta de higiene de muitos desses locais pode prejudicar a qualidade do alimento, que naturalmente costuma ser muito nutritivo)

As imagens anteriores mostram um pouco da realidade da maioria dos mercados de rua na cidade de Maputo e esta cena se repete pelo interior do país e de praticamente todo o continente africano, com algumas exceções, claro.
Um fato que sempre nos chamou a atenção é a procura que determinados produtos agrícolas têm nesses mercados informais. Porém, quase sempre os preços praticados são baixos e quase não cobrem os custos nem do transporte do campo para o mercado, e talvez por isso os próprios agricultores acabam não valorizando devidamente suas respectivas lavouras, apesar da maioria desses alimentos, como veremos futuramente, possuírem valores nutricionais muito acima da média daqueles produtos agrícolas clássicos vendidos nos supermercados.
Também pelas imagens fica claro os potenciais problemas à saúde ocasionados pela falta de higiene bem como pela manipulação inadequada desses alimentos. Foi pensando nisso que, há alguns anos, introduzimos nos nossos cursos e treinamentos, esse módulo de estudo da higienização e embalagem dos produtos agrícolas. Para nossa surpresa, descobrimos que a maioria desses produtos tradicionais, quando devidamente apresentados ao publico consumidor, são os primeiros a se esgotarem em nossas bancas de feiras ou mesmo no sistema de encomendas, que também vamos discutir mais detalhadamente no futuro. 
 











(Folhas de tsec (caruru) embaladas e prontas para a venda)


Usamos a expressão tirar os produtos do chão como uma das formas de mostrar seu verdadeiro valor e muitos desses vegetais, inclusive, fazem parte de sofisticados e elaborados ingredientes culinários na Europa, Ásia e América, mais uma razão para os agricultores e consumidores moçambicanos ficarem ainda mais atentos às suas preciosidades locais. Exemplos disso são as plantas da família dos amarantos, que recebem vulgarmente o nome de tsec; a vinagreira, cujos frutos em conservas são exportados para o mundo todo a partir da Alemanha; a mexoeira, a partir da qual pode ser produzido um "leite vegetal" de excepcionais propriedades nutricionais, etc. Além desses a lista segue com a cacana, a nhangana, a dledlele, a mboa e muitos outros.



(As folhas de vinagreira podem ser consumidas cruas em saladas ou refogadas. As flores são usadas em chás e os frutos como conserva. Machamba-modelo da Agriultura Natural de Marracuene)

Acondicionar e apresentar melhor os nossos produtos da machamba
Um melhor acondicionamento dos nossos produtos agrícolas, como vimos, além de promover sua maior preservação também ajuda a valorizá-los. A exposição dos produtos no momento da venda bem como a simpatia e cortesia por parte do agricultor são fatores que irão contribuir ainda mais para o sucesso do empreendimento. Já tivemos a oportunidade de dizer, ao longo do nosso estudo até aqui, que a Agricultura Natural pode ser comparada a um estilo próprio de vida. De fato, o amor, a alegria e o carinho com que cuidamos da terra, preparamos nossas mudas e cultivamos nossas culturas também precisam estar presentes no momento em que esses alimentos irão ser entregues aos seus consumidores finais. O ciclo precisa ser fechado pois quanto mais os produtos da Agricultura Natural venham a ser distribuídos ou comercializados, maior será o numero de pessoas que irão se alimentar melhor e maior ainda será a procura por tais produtos, o que certamente estimulará ainda mais a sua produção e o número de agricultores que sejam defensores e praticantes dessa filosofia de vida e de trabalho.
Portanto, os próprios agricultores são responsáveis por realimentar a cadeia produtiva natural e quanto mais o fizerem, mais pessoas irão ter contato com os frutos desse trabalho. Nossa experiência tem mostrado que quanto mais ensinamos e compartilhamos nossos aprendizados, mais pessoas nos trazem novos e preciosos saberes e tudo entra numa espécie de turbilhão de forças positivas, com resultados benéficos para todos.
Em Maputo, nossa equipa da Africarte vem promovendo, desde junho de 2011, nossa feira semanal de produtos da Agricultura Natural como forma de divulgar os resultados dessa forma de trabalhar a terra. Desde o início dessa atividade estimulamos nossos colaboradores a procurarem realçar o máximo possível as qualidades superiores dos alimentos produzidos de forma natural, isentos de contaminantes químicos e com sabores originais. Ao longo desse tempo já promovemos diversas oficinas e cursos rápidos com dezenas de agricultores e também pessoas interessadas em promover a Agricultura Natural em suas machambas e até mesmo quintais, através das Hortas Caseiras.









(Feira de produtos da Agricultura Natural em Maputo)

Dessa forma, esperamos incentivar ainda mais um número cada vez maior de agricultores a praticarem o cultivo através da Agricultura Natural e terem um modelo de comercialização de seus produtos que leve à viabilização econômica de suas respectivas atividades agrícolas além, é claro, do oferecimento à sociedade de produtos verdadeiramente saudáveis, o objetivo maior de nosso trabalho.

(Produtos da Agricultura Natural oferecidos pela Africarte em Moçambique)

NOTA: Nosso mercado consumidor é refém daquilo que a mídia nos força a consumir. Nossos alimentos agrícolas, por exemplo, são forçadamente padronizados, introduzindo cada vez mais artificialização nos campos agrícolas, e nisso reside um dos maiores obstáculos no combate à fome em todo o mundo. Desde cedo somos educados a comprarmos alimentos com um mesmo tipo de formato e tamanho, mesmo que o sabor nem de longe lembre mais o daqueles produzidos de forma natural. Normalmente as pessoas ficam encantadas com frases do tipo "produto selecionado", "sumo produzido com frutas selecionadas", etc. Porém, em muitos lugares estima-se que cerca de 30% de tudo o que se produz no campo seja descartado por não estar dentro dos padrões de qualidade exigidos pelo mercado consumidor ao não possuir o aspecto ideal, muitas vezes independentemente da sua verdadeira qualidade nutricional. Ou seja, muitas vezes os consumidores ficam muito mais presos ao aspecto externo de um produto ao invés de se preocuparem realmente com eventuais presenças de resíduos de agrotóxicos ou ainda nas pressões que os métodos convencionais de agricultura, necessários para esse tipo de produção padronizada, venham a causar no meio ambiente. Produtos agroecológicos e naturalmente produzidos dificilmente apresentam forma padronizada e definida. Aliás, essa é justamente uma das características que muitos consumidores mais conscientes e conhecedores das formas naturais de produção de alimentos usam para reconhecê-los nos mercados especializados. No nosso trabalho com a Agricultura Natural estaremos sempre valorizando a diversidade de produtos bem como de suas formas e até cores, reconhecendo nisso a ação da própria Natureza.

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