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Técnicas de colheita e preservação de culturas agrícolas
(Capítulo 1 do Módulo 3 da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
Não basta apenas produzir os
alimentos de forma natural e, consequentemente, de maneira mais
saudável. Igualmente importante é atentar para as diversas técnicas
e etapas de processamento para os mais variados produtos colhidos,
seja para o consumo próprio ou para a futura comercialização por
parte dos agricultores. Se os produtos agrícolas forem colhidos e
armazenados sem a devida técnica e cuidados, principalmente de
higienização e controle de qualidade, corre-se o risco de sofrerem
deterioração acelerada de suas propriedades e características
iniciais. Os prejuízos, nestes casos, vão desde a perda de
importantes frações de nutrientes a até mesmo do valor comercial
que esses mesmos produtos poderiam alcançar caso a preservação
fosse feita de maneira adequada.
Por isso é muito importante o
agricultor, na condição de um empreendedor agrícola que
essencialmente é, ficar atento e empregar os esforços necessários
para preservar adequadamente o resultado do seu trabalho. Os ganhos,
caso isso seja feito, serão ainda maiores, tanto do ponto de vista
nutricional como do ponto de vista comercial. Produtos bem
higienizados e embalados adequadamente para aqueles casos onde o seu
consumo não será imediato, tendem a agregar valor na cadeia de
produção. O mesmo irá acontecer, como veremos mais adiante, no
processamento de muitos desses produtos, que poderá conferir às
famílias camponesas uma importante fonte de renda adicional. Porém,
tudo irá começar pelo primeiro passo: a colheita.
Colhendo os produtos da
machamba
Uma das primeiras coisas que
precisamos ter em mente é que cada tipo de planta e, portanto,
cultura agrícola, tem a sua forma adequada de ser retirada do campo.
Por exemplo, as folhas como salsa, rúcula, coentro, cebolinha,
nhangana1,
mboa2,
dledlele3
e outras precisam ser colhidas no mesmo dia em que forem ser
comercializadas. Caso isso não seja possível, a colheita poderá
acontecer no dia anterior mas, para isso, as folhas deverão ficar
com as pontas de seus caules imersos em água limpa, como se fosse
num vaso de flores. Outras culturas, como a batata-doce, batata-reno,
cenouras e outros podem ficar até alguns dias antes de serem
consumidos ou comercializados. As técnicas, portanto, vão sendo
modificadas de acordo com a natureza de cada cultura e o tempo
disponível para o seu armazenamento.
Colheita de produtos da
machamba. Machamba-modelo da Agricultura Natural de Marracuene.
Toda colheita deve ser
precedida do devido planejamento
da atividade.
Isso evitará os desperdícios e perdas de produtos, que muitas vezes
consumiram grandes quantidades de preciosos recursos para serem
produzidos como a água, por exemplo. Além disso, devemos considerar
também o dispêndio de energia na própria atividade de colheita,
muitas vezes sendo feita em horários diferentes daqueles normalmente
usados para o restante das atividades do campo. Portanto, saber o que
colher e em qual quantidade poderá ser a chave para o sucesso do
empreendimento. E fica claro que o planejamento do que plantar, numa
etapa bem anterior à colheita, foi um dos passos fundamentais para
toda a rentabilização da atividade agrícola. Para continuarmos com
nossa discussão, vamos partir do pressuposto, nesse módulo, que
todo o plantio das culturas foi devidamente planificado e, portanto,
as estimativas de produção foram feitas com todo o critério
necessário.
Além da colheita em si,
também é muito importante estarmos atentos para as diversas formas
de transportar nossas colheitas de modo a
minimizar eventuais perdas seja por derrames ou mesmo por
danificarmos os produtos. Assim, o acondicionamento dos produtos
colhidos é tão importante quanto a técnica usada para colhê-los.
Por fim, as técnicas
de exposição
dos produtos para uma maior valorização junto ao publico
consumidor, fechará o ciclo produtivo. Para aqueles agricultores que
estejam interessados no empreendedorismo através da Agricultura
Natural, a venda final de seus produtos é quase uma espécie de
certificação de todo o seu trabalho até ali. Por isso, é muito
importante também estar atento na hora de valorizar todo o seu
esforço e investimento. Aliado ao fato dos produtos da Agricultura
Natural tenderem a ser isentos de contaminantes, ricos
nutricionalmente e saborosos, é importante também que sua
apresentação final seja condizente com a sua própria Natureza. Ele
será, nesta etapa, uma espécie de cartão de visita da Agricultura
Natural, ajudando a expandir ainda mais a sua filosofia de trabalho.
Exposição e venda dos
produtos da Agricultura Natural em Moçambique.
Colheita de folhas
Como mencionamos
anteriormente, a colheita das folhas de nossas machambas deve ser
precedida de alguns cuidados básicos para que, na hora de sua
comercialização, elas possam atingir valores melhores aos
agricultores e se convertam em excelentes opções de compra aos
consumidores, tanto em termos de preços quanto em termos de
qualidade. O ideal é que a colheita de folhas seja feita no mesmo
dia em que forem comercializadas, preferencialmente
nas primeiras horas da manhã.
Mas nem sempre isso é possível, principalmente pela falta de
logística de transporte que verificamos na maioria dos campos de
agricultores familiares pelo interior do país.
Existem alternativas para se
procurar manter o frescor e a vitalidade das folhas colhidas das
machambas. Uma dessas alternativas, e que consideramos a mais
eficiente em termos de preservação natural, é aquela na qual as
folhas recém colhidas são imediatamente imersas em água limpa,
para serem resfriadas, e em seguida seus caules mantidos na água
como se fossem flores num vaso. A idéia é retardar ao máximo o
inicio da degradação
do alimento,
por ação natural de microrganismos, e a perda de água dos tecidos
vegetais, o que ocasiona o murchamento das folhas.
Seleção das folhas lavadas.
Introduzimos aqui a expressão
degradação do alimento. É preciso ter em conta que, a partir do
momento em que qualquer alimento é retirado do campo, inicia-se
imediatamente o processo de decomposição de seus tecidos, tal como
acontece com qualquer animal morto. Evidentemente que o tempo para
que essa decomposição ocorra será diferente para cada tipo de
planta, como já dissemos, e muitas delas poderão ficar dias antes
que se inicie o processo de putrefação. Mas isso não quer dizer
que a qualidade do alimento, em sua totalidade, seja também
preservada por todo esse tempo em que ele ficar, por exemplo, exposto
para venda. Com as folhas isso é evidente, pois bastam algumas horas
após a colheita para percebermos a sua deterioração, caso não
sejam tomados os cuidados necessários para evitá-la.
O tempo em que uma folha
colhida permanecerá vistosa e bem apresentada, mesmo com todos os
cuidados acima mencionados, dependerá também do seu vigor
hídrico.
Isso tem a ver com a quantidade de água que a planta conseguiu reter
ao longo do seu desenvolvimento e essa quantidade está diretamente
relacionada à boa nutrição, equilibrada, que ela conseguiu a
partir do solo. Em outras palavras, se o sistema de produção
agrícola for bem conduzido e principalmente, ecologicamente
equilibrado, a tendência é que as plantas colhidas durem muito mais
tempo e isso pode ser uma excelente estratégia comercial por parte
dos agricultores camponeses.
Um outro aspecto também muito
importante na questão das colheitas de folhas diz respeito ao fato
de que muitas plantas não precisam ser colhidas em sua totalidade. É
muito comum encontrarmos pés inteiros de couve que foram colhidos
até quase a raiz. Essas plantas, colhidas dessa maneira, não
conseguem mais sobreviver e acabam morrendo, sendo necessário, pois,
plantar uma nova muda daquele espécie ou até mesmo outro tipo de
planta. Assim como as couves, as couve-chinesas, rúcula, salsa, etc.
também costumam ser colhidas convencionalmente de forma que não
resta nada no canteiro original, e dessa forma eles acabam precisando
ser renovados continuamente.
Por outro lado, em termos de
estratégia de uso da água e da economia de tempo e energia, uma
melhor opção é colher somente aquelas folhas que irão ser
consumidas ou comercializadas. Isto porque, assim fazendo, não
haverá a necessidade de replantar, por exemplo, aquele pé de couve
que foi colhido inteiro. Retirando semanalmente somente aquelas
folhas que forem adequadas para a venda ou consumo, ainda mantemos
nossos pés de couve nos canteiros e economizamos muita água de
irrigação e energia, inclusive de trabalho braçal, que de outra
forma teriam de ser gastos com mudas pequenas daquela planta que só
estarão prontas para a colheita depois de dois ou três meses.
Assim, plantas como as couves (inclusive a couve-chinesa), acelgas,
espinafres, salsas, cebolinhas e até mesmo as folhas da beterraba,
cenoura, nabos, etc., podem ir sendo colhidos regularmente sem que
tenhamos a necessidade de retirar a planta inteira. Com outras
plantas isso já não é possível, como é o caso das alfaces.
Estas, depois de um determinado tempo, começam a produzir
naturalmente uma série de toxinas naturais que tornam suas folhas
amargas e, portanto, impróprias para o consumo humano.
Colheita de tubérculos
Ao colhermos os tubérculos,
como as batatas por exemplo, um dos principais cuidados a serem
tomados diz respeito à forma correta de retirá-los do solo. O uso
da enxada precisa ser feito com muito cuidado, pois do contrário
corre-se o risco de danificar os produtos o que provocará
imediatamente sua desvalorização comercial e também a diminuição
do tempo de preservação natural desses produtos. No caso das
batatas (batata-reno, batata-doce, etc.) o ideal é usar um pequeno
implemento chamado arranca-batatas que pode ser puxado por burros,
bois ou até mesmo uma pequena motocultivadora. O uso desse tipo de
ferramenta além de facilitar enormemente o trabalho de colheita trás
ainda a vantagem de aumentar a produtividade por hectare, já que
muito poucas raízes ficam enterradas no solo sem serem colhidas.
Na colheita de outras raízes
como cenouras e beterrabas, embora existam equipamentos de grande
porte para realizar esse tipo de trabalho, ao agricultor camponês
resta a alternativa de colhê-las manualmente. No entanto, pela
relativa facilidade com que conseguem ser retiradas do solo,
comparativamente ao que acontece com as batatas, sua colheita acaba
sendo feita sem grandes transtornos. O mesmo raciocínio pode ser
feito para os nabos e rabanetes, cuja colheita também acaba sendo
feita manualmente, principalmente no caso de pequenos agricultores.
Rabanetes recém-colhidos.
Machamba-modelo da Agricultura Natural de Marracuene.
A mandioca tem um aspecto
interessante. Dependendo da forma com que as manivas
(pedaços do caule da planta) foram plantadas, a colheita pode ser
facilitada ou dificultada. É muito comum encontrarmos campos de
plantio de mandioca onde as manivas são enfiadas no solo em ângulo
de mais ou menos 45o
ou perpendicularmente a este. Na verdade, a maioria dos agricultores
acabam optando por essa forma de plantio talvez pelo fato de
conseguirem um maior percentual de pega das mudas. De fato, manivas
plantadas enfiadas parcialmente no solo tendem a brotar muito mais
rápido, o que não significa necessariamente que irão produzir
raízes também mais rápido ou em grandes quantidades. A outra forma
de plantar as manivas é enterrando-as totalmente no solo após terem
sido colocadas na horizontal, ou seja, deitando as manivas no solo e
depois cobrindo-as totalmente com terra. O tempo para que os rebentos
da nova planta apareçam é de fato um pouco maior, mas a
produtividade por pé de mandioca também será comparativamente
maior. Além disso, as raízes de mandioca, quando as manivas são
plantadas na horizontal, tendem a crescer bem rentes à superfície
do solo, o que irá facilitar muito o futuro trabalho de colheita e,
consequentemente, de produtividade por hectare.
As batatas-doce também têm
sua particularidade. Os tubérculos, depois de atingirem o grau
adequado de maturação podem ser mantidos no próprio campo. Estudos
mostram que as batatas-doce podem permanecer enterradas, sem serem
colhidas, por até 6 meses. Por outro lado, isso não quer dizer que
elas não estarão sujeitas ao ataque de insetos, principalmente
formigas, e também de roedores como os ratos do campo ou mesmo os
ratos-toupeira. Portanto, embora se conheça essa particularidade das
batatas-doce, a decisão de mantê-las ou não nos campos vai
depender bastante do equilíbrio ecológico atingido na propriedade.
As batatas-doce podem
permanecer meses debaixo da terra sem serem colhidas, mas isso requer
planejamento. Pólo de Agricultura Natural da Moamba.
Colheita de frutas e
legumes
Muitas vezes o tempo entre a
colheita e a comercialização final dos produtos, como já dissemos,
pode levar alguns dias. Por isso, alguns produtos da machamba devem
ser colhidos ainda verdes, como é o caso das bananas. Isso além de
possibilitar um tempo maior de exposição na prateleira, minimiza
consideravelmente as perdas durante o transporte. O mesmo raciocínio
é usado para os tomates, que normalmente são colhidos quando o
processo de amadurecimento ainda está bem no inicio. Essas
observações, contudo, dependerão da logística disponível pelo
agricultor para conseguir distribuir e vender sua mercadoria. Poderá
ser o caso, por exemplo, dele conseguir expor seus produtos frescos e
já no ponto ótimo de maturação, caso tenha condições para isso.
Em outras situações, como no
caso das berinjelas, os frutos deverão ser colhidos no ponto ótimo
de maturação, já que esse legume tem ótima resistência mecânica
e se mantém firme por vários dias após ter sido colhido.
Preservando os produtos da
machamba
O ideal é que todo produto
que for colhido da machamba e que não venha a ser imediatamente
consumido ou comercializado, seja mantido sob refrigeração.
Evidentemente que isso é impraticável por parte da maioria dos
agricultores camponeses, já que o processo exigiria a aquisição de
grandes frigoríficos, com considerável custo de energia,
manutenção, etc. Uma alternativa é a que já descrevemos no item
anterior, a de colher muitos desses produtos antes que atinjam sua
maturação ideal e, com isso, possibilitar um tempo maior de
conservação antes da venda final. Porém, existem casos em que essa
colheita antecipada não é possível, como no caso dos morangos, que
sob temperaturas ambientes mais altas (acima dos 27 oC,
por exemplo) aceleram
muito a sua deterioração, muitas vezes ficando impróprio para o
consumo in
natura em
pouco mais de 10 ou 12 horas, sob estas condições.
Colheita de morangos na
Machamba-modelo da Agricultura Natural de Marracuene. O morango é um
fruto que precisa ser refrigerado logo que é colhido.
Outra alternativa, e que será
mais profundamente discutida nos itens seguintes, é a produção de
conservas, doces e geléias, que além de agregar bastante valor aos
produtos, elevam consideravelmente o tempo de preservação dos
alimentos. Geléias, por exemplo, se forem feitas de forma adequada,
podem ser preservadas por 6 meses ou mais, sem necessitarem de
cuidados especiais como a refrigeração. Evidentemente que o sucesso
desse tipo de trabalho estará relacionado ao bom planejamento da
produção agrícola, como vimos no Módulo 2, e também da variedade
de produtos que o agricultor tiver à sua disposição na machamba.
Por exemplo, se a opção for pela produção de doces e geléias,
quanto maior a variedade desses doces maior será a aceitação dos
produtos e mais facilmente o agricultor conseguirá criar e manter
uma clientela fiel ao seu trabalho.
1 Folhas
de feijão-nhemba, também conhecido por feijão-de-corda.
2 Folhas
de abóbora.
3 Folhas
de batata-doce.
Quer dizer que folhas de batata-doce, beterraba, cenoura e feijão de corda, podem ser consumidas in natura?
ResponderExcluirE o talo do brócolis de cabeça?
E as folhas (e seus talos) da mandioca e macaxeira?
Nesse último caso, se forem desidratadas, trituradas e peneiradas, pode-se incluir na dieta humana?
Grato!
Enéas Aguiar