quinta-feira, 28 de agosto de 2014

AULA 27: BENEFÍCIOS DA ALIMENTAÇÃO NATURAL

2. Benefícios da Alimentação Natural
(Capítulo 2 do Módulo 5 da Apostila do Curso de Agricultura Natural)

O que é Alimentação Natural

Antes de iniciarmos essa discussão, precisamos tentar definir o que, afinal, vem a ser alimentação natural. De fato, o termo em si carrega enormes ambigüidades e por vezes, na nossa opinião, acaba por ser usado de forma inadequada ou até inapropriada.

Há quem considere que se alimentar de forma natural seja simplesmente ingerir alimentos que não tenham sido processados em algum tipo de fábrica. Já outros, consideram a alimentação natural aquela feita exclusivamente com alimentos locais, naturalmente encontrados numa determinada região. Também existe a vertente que considera a alimentação natural sinônimo de alimentação vegetariana e ainda outra que valoriza o consumo de alimentos crus. Enfim, como podemos perceber o assunto é complexo e dependendo da ótica utilizada podemos até mesmo cometer injustiças com determinados alimentos, preparados ou não, desperdiçando preciosos recursos nutricionais ou ainda estratégias mais apropriadas para o desenvolvimento sustentável de certas regiões do planeta.

A abordagem de Mokiti Okada sobre esse assunto é bem distinta e como nosso trabalho vem sendo pautado pelo seu legado, também nessa questão tomaremos por base os seus Ensinamentos. Vejamos alguns trechos do seu trabalho:

"O que sustenta o espírito do homem é a energia espiritual dos alimentos; analogamente, a parte material destes é o que lhe sustenta o corpo. Portanto, a fonte de vitalidade humana está no provimento da energia espiritual. Consequentemente, a força ou a fraqueza do corpo estão relacionados ao maior ou menor provimento dessa energia. O fundamento da saúde é ingerir alimentos que contenham grande quantidade de espírito. Dessa forma, aumenta a vitalidade do espírito, o que promove o fortalecimento do corpo. Os inúmeros fortificantes refinados que existem estão com a sua energia espiritual muito escassa e, por conseguinte, quase não têm mais força para sustentar o espírito. Por isso, mesmo que a pessoa tome uma grande quantidade deles, a sua força vital não aumentará. Seria muito mais inteligente ingerir alimentos como verduras frescas."

"A propósito: quantas pessoas conhecem realmente o sabor dos vegetais? Diríamos que pouquíssimas. Isso porque não há vegetais em que não tenham sido utilizados adubos químicos e esterco. Absorvendo esses elementos, os produtos acabam por perder o sabor atribuído pelos Céus. Se, ao invés disso, fizermos com que absorvam os nutrientes da própria terra, eles irão manter o seu sabor natural e, portanto, serão muito mais saborosos."

Acreditamos que deve ter ficado claro qual o caminho a ser seguido quando tentarmos definir o que vem a ser uma alimentação natural. O principio básico ensinado por Mokiti Okada é o de que alimento natural é todo aquele rico em energia vital. Uma discussão mais aprofundada do termo energia vital foge do âmbito dessa apostila, mas podemos fazer algumas reflexões a respeito.

O fundamento do nosso trabalho com a Agricultura Natural é o respeito às Leis da Natureza. Isso nos já sabemos e já discutimos bastante vários aspectos relacionados ao manejo ecológico do solo e a busca pela sustentabilidade dos nossos campos através do sistema de cultivo proposto. Na mesma linha de raciocínio usada para tentar explicar quais os mecanismos naturais de cultivo do solo, também  podemos dizer que uma das formas de definir alimento natural é tentar buscar valorizar sua própria natureza original. Ou seja, quanto mais puro for determinado alimento maior será o seu nível de energia vital. Fica muito claro perceber isso nos Ensinamentos de Mokiti Okada quando ele se refere ao método pelo qual esses alimentos foram produzidos.

Por outro lado, não queremos dizer que alimentos naturais seriam somente aqueles consumidos frescos. Temos de considerar também os alimentos ditos processados. O que estará em causa então será a forma com que esse processamento será feito, quais os ingredientes extras os alimentos sujeitos a esse processamento receberão e ainda quais os níveis de impacto que essa atividade exercerá no seu próprio meio-ambiente.

Quando Mokiti Okada nos ensina que assim como o ser humano os alimentos têm uma parte material e uma parte espiritual, iremos inevitavelmente precisar considerar que nossos alimentos possuem muito mais do que os comumente chamados nutrientes. De fato, o próprio conceito de nutriente, tal como o define Mokiti Okada, assume toda uma nova concepção. Assim, o pensamento-sentimento-ação com o qual obtemos nossos alimentos e deles fazemos uso, de certa forma também influenciará o seu grau nutricional.

Vamos dar um exemplo para tentar tornar as coisas um pouco mais claras. Imaginemos que num determinado local alguém resolva cultivar mandiocas pelo método da Agricultura Natural. Essa pessoa então prepara o solo, distribui diversas culturas agrícolas de apoio de modo a favorecer a biodiversidade e promover o manejo ecológico de sua propriedade, implementa boas praticas de higiene prevendo a manipulação da mandioca num futuro processamento, etc. Vamos imaginar também que na região onde esse nosso amigo(a) vive, a farinha de bombô (uma espécie de fécula fermentada de mandioca) tem grande aceitação no mercado local. Sendo assim, o objetivo será a produção dessa farinha obtida a partir de mandiocas cultivadas pela Agricultura Natural, o que sem dúvida poderá ser um negócio muito interessante e rentável. Para tanto, é construída uma estrutura para fermentar as raízes descascadas de mandioca como uma parte importante de uma pequena agroindústria familiar. A farinha de bombô é então produzida e rotulada como "Farinha de Bombô Natural". Será mesmo? Esquecemos de mencionar um pequeno detalhe: no agroprocessamento das raízes, as água oriundas da fermentação, ricas em matéria orgânica e facilmente putrecíveis são despejadas, nesse nosso exemplo, diretamente no rio mais próximo...

Evidentemente que já não faz sentido, a essa altura das nossas discussões, desenvolver qualquer atividade que seja que não tenha por base a sustentabilidade de todo o nosso sistema agrícola. Isso inclui, portanto, não apenas o cultivo do alimento em si mas também toda a cadeia de eventos futuros decorrentes, por exemplo, do processamento desse mesmo alimento. No nosso exemplo, as águas residuais do processo de fermentação da mandioca para a obtenção do bombô precisam ser tratadas adequadamente e dispostas no meio ambiente de modo a não comprometer todo o ecossistema envolto.

Demos, com o exemplo acima, um passo fundamental para complementar a definição de alimento natural. Do ponto de vista de uma ética ambiental global, não teria nenhum sentido tentarmos promover nossa saúde com alimentos que, num momento ou outro, estariam provocando danos muitas vezes de difícil remediação no ambiente e na saúde de todas as pessoas diretamente e indiretamente envolvidas com as várias etapas de sua produção e industrialização. Lembremos que uma das distinções feitas pela maioria daqueles que praticam a Agricultura Natural é que esse método, ou sistema agrícola, não agride a Natureza. Portanto, é lógico concluir que alimento natural também é aquele que não prejudica o seu, o meu e o nosso meio ambiente.

Finalmente, podemos então, de posse desses últimos conhecimentos, tentar definir alimentação natural como aquela através da qual as pessoas conseguem obter sua própria saúde verdadeira, garantir o bem estar do seu meio ambiente e ainda a sua preservação para as gerações futuras.

Nos dias de hoje, talvez ainda seja difícil conseguirmos nos alimentar de forma 100% natural. Não apenas pela reduzida oferta de produtos cultivados segundo os fundamentos da Agricultura Natural mas também pelo tipo de impacto negativo ao meio ambiente que nossa forma tecnocrata de viver acaba por impor no nosso mundo. Porém, acreditamos que o esforço para se conseguir alimentar as pessoas de forma plenamente natural, com todas as dimensões já discutidas aqui, deve fazer parte do dia a dia de todos aqueles envolvidos com o trabalho da Agricultura Natural.


Alimentação simples: uma forma de promover a verdadeira saúde do ser humano

Vamos a mais um trecho dos Ensinamentos de Mokiti Okada:

"(...) Os órgãos do corpo humano produzem os nutrientes necessários à manutenção da vida. Intensificar a sua actividade deve ser a condição principal na questão da saúde. A infância e a juventude são as épocas em que a produção de nutrientes é mais intensa e, por isso, nós nos desenvolvemos. Assim, para adquirirmos vida longa, precisamos rejuvenescer os nossos órgãos.

E qual é o método a ser empregue? É ter uma alimentação bem simples. Através desta, os órgãos precisarão de desenvolver uma intensa actividade, caso contrário, não conseguirão produzir os nutrientes necessários. Portanto, a primeira coisa a ser feita por quem deseja uma vida longa, é rejuvenescer os órgãos, pois, se eles rejuvenescerem, é lógico que todo o corpo rejuvenescerá. (...)"

São incontáveis os exemplos que encontramos na literatura e traduções de comunidades espalhadas pelo mundo que, baseada em um tipo mais simples de alimentação, são possuidoras de uma saúde invejável por muitos. Mesmo no caso de nossos parentes mais velhos, ainda é possível ouvir de sua própria boca histórias que dão conta de como eles conseguiam se nutrir plenamente com alimentos bastante simples.

Não está ao alcance dessa apostila um aprofundamento no funcionamento de nossos órgão internos, nem tão pouco os processos metabólicos pelos quais passam os alimentos ingeridos. Vamos considerar apenas que, de fato, a ingestão de alimentos mais simples nos ajuda a alcançar um estado de saúde muito mais interessante, como afirma Mokiti Okada.

Também vamos aqui fazer referência ao que já foi discutido anteriormente quando falamos da importância de prestarmos mais atenção aos alimentos locais e tradicionais. Se pensarmos bem, não seriam justamente essas plantas exemplos concretos de uma alimentação mais simples? Mas vejam bem, não estamos aqui querendo dizer que a alimentação do ser humano deva ser sem sabor ou ainda sem beleza. Pelo contrário, pois como também nos ensina Mokiti Okada "o ser humano deve se alimentar daquilo que lhe for saboroso e aprazível". Ou seja, nosso alimento precisa ser saboroso e também belo, tanto no seu aspecto quanto na beleza de sua tradição cultural. Assim sendo, os alimentos tradicionais, preparados a partir de ingredientes mais simples e/ou locais e ainda que representam muitas vezes parte da expressão cultural de um povo, também podem ser enquadrados nessa categoria de alimentação frugal. Claro que excessões sempre vão existir e é bom estamos atentos para isso.


Descobrindo os Alimentos Naturais

Acreditamos que já deu para o leitor perceber que alimento natural também passa a ser um conceito e não meramente uma definição restrita a um determinado ponto de vista ou outro. Quer dizer, existem muitos aspectos que precisam ser considerados quando quisermos reconhecer um alimento como sendo natural. Evidentemente que a produção agrícola sem o uso de adubos artificiais ou defensivos químicos é uma das condições básicas para o alimento começar a ser considerado natural. Mas assim como a própria Agricultura Natural, os alimentos naturais talvez também tenham de ser considerados em sua totalidade, ou seja, em sua amplitude original. Talvez o alimento natural venha a existir no nível em que uma pessoa ou comunidade se encontrar. Dentro de cada realidade um alimento natural poderá assumir diferentes graus de pureza porém sem fugir ao seu conceito original.


No alto, flor da vinagreira, usada na produção de chás e como complemento em saladas. Em baixo, uma variedade de tsec (amaranto) cujas folhas são muito nutritivas e saborosas.


Por exemplo, numa comunidade tipicamente rural o alimento natural pode se assumir como todo aquele que além de conseguir ser cultivado pela Agricultura Natural, também consiga representar tradições culturais que elevem o estado de espírito de seus membros. Já numa sociedade mais tecnocrata e ancorada na industrialização, o alimento natural pode se apresentar como aquele oriundo de processos que levem em conta os níveis de impacto ambiental para a sua produção, processamento e comercialização.

De qualquer forma, talvez mais importante do que tentar definirmos o que vem a ser afinal alimento natural seja compreendermos a importância de buscarmos a verdadeira saúde e nesse ponto, o ser humano passa a ter uma enorme responsabilidade com o que ele consome. Como Mokiti Okada deixou bem claro, os alimentos que o ser humano ingere tem a função de nutrir não somente o corpo físico mas também seu espírito. Então, como já dissemos anteriormente, o alimento natural precisa ser rico em energia vital. Isso passará também por termos a consciência de que ele foi produzido da maneira correta e chegou às nossas mãos tendo respeitado tudo e todos.

Por último, caberá talvez a cada pessoa reconhecer o seu próprio "alimento natural" a partir do momento em que for capaz de reconhecer também toda a sua gênesis e toda a sua "pegada ambiental".

Nenhum comentário:

Postar um comentário