quarta-feira, 4 de junho de 2014

AULA 15 - Texto de apoio




1. Técnicas de colheita e preservação de culturas agrícolas
(Capítulo 1 do Módulo 3 da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
 
Não basta apenas produzir os alimentos de forma natural e, consequentemente, de maneira mais saudável. Igualmente importante é atentar para as diversas técnicas e etapas de processamento para os mais variados produtos colhidos, seja para o consumo próprio ou para a futura comercialização por parte dos agricultores. Se os produtos agrícolas forem colhidos e armazenados sem a devida técnica e cuidados, principalmente de higienização e controle de qualidade, corre-se o risco de sofrerem deterioração acelerada de suas propriedades e características iniciais. Os prejuízos, nestes casos, vão desde a perda de importantes frações de nutrientes a até mesmo do valor comercial que esses mesmos produtos poderiam alcançar caso a preservação fosse feita de maneira adequada.
Por isso é muito importante o agricultor, na condição de um empreendedor agrícola que essencialmente é, ficar atento e empregar os esforços necessários para preservar adequadamente o resultado do seu trabalho. Os ganhos, caso isso seja feito, serão ainda maiores, tanto do ponto de vista nutricional como do ponto de vista comercial. Produtos bem higienizados e embalados adequadamente para aqueles casos onde o seu consumo não será imediato, tendem a agregar valor na cadeia de produção. O mesmo irá acontecer, como veremos mais adiante, no processamento de muitos desses produtos, que poderá conferir às famílias camponesas uma importante fonte de renda adicional. Porém, tudo irá começar pelo primeiro passo: a colheita.

Colhendo os produtos da machamba
Uma das primeiras coisas que precisamos ter em mente é que cada tipo de planta e, portanto, cultura agrícola, tem a sua forma adequada de ser retirada do campo. Por exemplo, as folhas como salsa, rúcula, coentro, cebolinha, nhangana1, mboa2, dledlele3 e outras precisam ser colhidas no mesmo dia em que forem ser comercializadas. Caso isso não seja possível, a colheita poderá acontecer no dia anterior mas, para isso, as folhas deverão ficar com as pontas de seus caules imersos em água limpa, como se fosse num vaso de flores. Outras culturas, como a batata-doce, batata-reno, cenouras e outros podem ficar até alguns dias antes de serem consumidos ou comercializados. As técnicas, portanto, vão sendo modificadas de acordo com a natureza de cada cultura e o tempo disponível para o seu armazenamento.

 
Colheita de produtos da machamba. Machamba-modelo da Agricultura Natural de Marracuene.

Toda colheita deve ser precedida do devido planejamento da atividade. Isso evitará os desperdícios e perdas de produtos, que muitas vezes consumiram grandes quantidades de preciosos recursos para serem produzidos como a água, por exemplo. Além disso, devemos considerar também o dispêndio de energia na própria atividade de colheita, muitas vezes sendo feita em horários diferentes daqueles normalmente usados para o restante das atividades do campo. Portanto, saber o que colher e em qual quantidade poderá ser a chave para o sucesso do empreendimento. E fica claro que o planejamento do que plantar, numa etapa bem anterior à colheita, foi um dos passos fundamentais para toda a rentabilização da atividade agrícola. Para continuarmos com nossa discussão, vamos partir do pressuposto, nesse módulo, que todo o plantio das culturas foi devidamente planificado e, portanto, as estimativas de produção foram feitas com todo o critério necessário.
Além da colheita em si, também é muito importante estarmos atentos para as diversas formas de transportar nossas colheitas de modo a minimizar eventuais perdas seja por derrames ou mesmo por danificarmos os produtos. Assim, o acondicionamento dos produtos colhidos é tão importante quanto a técnica usada para colhê-los.
Por fim, as técnicas de exposição dos produtos para uma maior valorização junto ao publico consumidor, fechará o ciclo produtivo. Para aqueles agricultores que estejam interessados no empreendedorismo através da Agricultura Natural, a venda final de seus produtos é quase uma espécie de certificação de todo o seu trabalho até ali. Por isso, é muito importante também estar atento na hora de valorizar todo o seu esforço e investimento. Aliado ao fato dos produtos da Agricultura Natural tenderem a ser isentos de contaminantes, ricos nutricionalmente e saborosos, é importante também que sua apresentação final seja condizente com a sua própria Natureza. Ele será, nesta etapa, uma espécie de cartão de visita da Agricultura Natural, ajudando a expandir ainda mais a sua filosofia de trabalho. 
 
Exposição e venda dos produtos da Agricultura Natural em Moçambique.

Colheita de folhas
Como mencionamos anteriormente, a colheita das folhas de nossas machambas deve ser precedida de alguns cuidados básicos para que, na hora de sua comercialização, elas possam atingir valores melhores aos agricultores e se convertam em excelentes opções de compra aos consumidores, tanto em termos de preços quanto em termos de qualidade. O ideal é que a colheita de folhas seja feita no mesmo dia em que forem comercializadas, preferencialmente nas primeiras horas da manhã. Mas nem sempre isso é possível, principalmente pela falta de logística de transporte que verificamos na maioria dos campos de agricultores familiares pelo interior do país. 
 
Colheita e acondicionamento inadequado de couves. Notar o grande número de folhas pequenas que dificilmente são aproveitadas pelos consumidores.

Existem alternativas para se procurar manter o frescor e a vitalidade das folhas colhidas das machambas. Uma dessas alternativas, e que consideramos a mais eficiente em termos de preservação natural, é aquela na qual as folhas recém colhidas são imediatamente imersas em água limpa, para serem resfriadas, e em seguida seus caules mantidos na água como se fossem flores num vaso. A idéia é retardar ao máximo o inicio da degradação do alimento, por ação natural de microrganismos, e a perda de água dos tecidos vegetais, o que ocasiona o murchamento das folhas. 
 
Lavagem das folhas recém colhidas.
 
Seleção das folhas lavadas.

Uma das nossas alternativas para envase das folhas lavadas e selecionadas.

Introduzimos aqui a expressão degradação do alimento. É preciso ter em conta que, a partir do momento em que qualquer alimento é retirado do campo, inicia-se imediatamente o processo de decomposição de seus tecidos, tal como acontece com qualquer animal morto. Evidentemente que o tempo para que essa decomposição ocorra será diferente para cada tipo de planta, como já dissemos, e muitas delas poderão ficar dias antes que se inicie o processo de putrefação. Mas isso não quer dizer que a qualidade do alimento, em sua totalidade, seja também preservada por todo esse tempo em que ele ficar, por exemplo, exposto para venda. Com as folhas isso é evidente, pois bastam algumas horas após a colheita para percebermos a sua deterioração, caso não sejam tomados os cuidados necessários para evitá-la.
O tempo em que uma folha colhida permanecerá vistosa e bem apresentada, mesmo com todos os cuidados acima mencionados, dependerá também do seu vigor hídrico. Isso tem a ver com a quantidade de água que a planta conseguiu reter ao longo do seu desenvolvimento e essa quantidade está diretamente relacionada à boa nutrição, equilibrada, que ela conseguiu a partir do solo. Em outras palavras, se o sistema de produção agrícola for bem conduzido e principalmente, ecologicamente equilibrado, a tendência é que as plantas colhidas durem muito mais tempo e isso pode ser uma excelente estratégia comercial por parte dos agricultores camponeses.
Um outro aspecto também muito importante na questão das colheitas de folhas diz respeito ao fato de que muitas plantas não precisam ser colhidas em sua totalidade. É muito comum encontrarmos pés inteiros de couve que foram colhidos até quase a raiz. Essas plantas, colhidas dessa maneira, não conseguem mais sobreviver e acabam morrendo, sendo necessário, pois, plantar uma nova muda daquele espécie ou até mesmo outro tipo de planta. Assim como as couves, as couve-chinesas, rúcula, salsa, etc. também costumam ser colhidas convencionalmente de forma que não resta nada no canteiro original, e dessa forma eles acabam precisando ser renovados continuamente.

Canteiros com couve-chinesa e rúcula, cujas folhas são colhidas semanalmente. Machamba-modelo da Agricultura Natural de Marracuene.

Por outro lado, em termos de estratégia de uso da água e da economia de tempo e energia, uma melhor opção é colher somente aquelas folhas que irão ser consumidas ou comercializadas. Isto porque, assim fazendo, não haverá a necessidade de replantar, por exemplo, aquele pé de couve que foi colhido inteiro. Retirando semanalmente somente aquelas folhas que forem adequadas para a venda ou consumo, ainda mantemos nossos pés de couve nos canteiros e economizamos muita água de irrigação e energia, inclusive de trabalho braçal, que de outra forma teriam de ser gastos com mudas pequenas daquela planta que só estarão prontas para a colheita depois de dois ou três meses. Assim, plantas como as couves (inclusive a couve-chinesa), acelgas, espinafres, salsas, cebolinhas e até mesmo as folhas da beterraba, cenoura, nabos, etc., podem ir sendo colhidos regularmente sem que tenhamos a necessidade de retirar a planta inteira. Com outras plantas isso já não é possível, como é o caso das alfaces. Estas, depois de um determinado tempo, começam a produzir naturalmente uma série de toxinas naturais que tornam suas folhas amargas e, portanto, impróprias para o consumo humano.

Colheita de tubérculos
Ao colhermos os tubérculos, como as batatas por exemplo, um dos principais cuidados a serem tomados diz respeito à forma correta de retirá-los do solo. O uso da enxada precisa ser feito com muito cuidado, pois do contrário corre-se o risco de danificar os produtos o que provocará imediatamente sua desvalorização comercial e também a diminuição do tempo de preservação natural desses produtos. No caso das batatas (batata-reno, batata-doce, etc.) o ideal é usar um pequeno implemento chamado arranca-batatas que pode ser puxado por burros, bois ou até mesmo uma pequena motocultivadora. O uso desse tipo de ferramenta além de facilitar enormemente o trabalho de colheita trás ainda a vantagem de aumentar a produtividade por hectare, já que muito poucas raízes ficam enterradas no solo sem serem colhidas. 
 
Arrancador de batatas acoplado a uma motocultivadora.

Na colheita de outras raízes como cenouras e beterrabas, embora existam equipamentos de grande porte para realizar esse tipo de trabalho, ao agricultor camponês resta a alternativa de colhê-las manualmente. No entanto, pela relativa facilidade com que conseguem ser retiradas do solo, comparativamente ao que acontece com as batatas, sua colheita acaba sendo feita sem grandes transtornos. O mesmo raciocínio pode ser feito para os nabos e rabanetes, cuja colheita também acaba sendo feita manualmente, principalmente no caso de pequenos agricultores.

Rabanetes recém-colhidos. Machamba-modelo da Agricultura Natural de Marracuene.

A mandioca tem um aspecto interessante. Dependendo da forma com que as manivas (pedaços do caule da planta) foram plantadas, a colheita pode ser facilitada ou dificultada. É muito comum encontrarmos campos de plantio de mandioca onde as manivas são enfiadas no solo em ângulo de mais ou menos 45o ou perpendicularmente a este. Na verdade, a maioria dos agricultores acabam optando por essa forma de plantio talvez pelo fato de conseguirem um maior percentual de pega das mudas. De fato, manivas plantadas enfiadas parcialmente no solo tendem a brotar muito mais rápido, o que não significa necessariamente que irão produzir raízes também mais rápido ou em grandes quantidades. A outra forma de plantar as manivas é enterrando-as totalmente no solo após terem sido colocadas na horizontal, ou seja, deitando as manivas no solo e depois cobrindo-as totalmente com terra. O tempo para que os rebentos da nova planta apareçam é de fato um pouco maior, mas a produtividade por pé de mandioca também será comparativamente maior. Além disso, as raízes de mandioca, quando as manivas são plantadas na horizontal, tendem a crescer bem rentes à superfície do solo, o que irá facilitar muito o futuro trabalho de colheita e, consequentemente, de produtividade por hectare.

Rama de mandioca ainda em desenvolvimento plantada segundo a técnica de enterrar completamente as manivas; notem a grande produção de raízes a partir das duas extremidades da maniva original. Pólo de Agricultura Natural da Moamba.

As batatas-doce também têm sua particularidade. Os tubérculos, depois de atingirem o grau adequado de maturação podem ser mantidos no próprio campo. Estudos mostram que as batatas-doce podem permanecer enterradas, sem serem colhidas, por até 6 meses. Por outro lado, isso não quer dizer que elas não estarão sujeitas ao ataque de insetos, principalmente formigas, e também de roedores como os ratos do campo ou mesmo os ratos-toupeira. Portanto, embora se conheça essa particularidade das batatas-doce, a decisão de mantê-las ou não nos campos vai depender bastante do equilíbrio ecológico atingido na propriedade. 
 
 
As batatas-doce podem permanecer meses debaixo da terra sem serem colhidas, mas isso requer planejamento. Pólo de Agricultura Natural da Moamba.

Colheita de frutas e legumes
Muitas vezes o tempo entre a colheita e a comercialização final dos produtos, como já dissemos, pode levar alguns dias. Por isso, alguns produtos da machamba devem ser colhidos ainda verdes, como é o caso das bananas. Isso além de possibilitar um tempo maior de exposição na prateleira, minimiza consideravelmente as perdas durante o transporte. O mesmo raciocínio é usado para os tomates, que normalmente são colhidos quando o processo de amadurecimento ainda está bem no inicio. Essas observações, contudo, dependerão da logística disponível pelo agricultor para conseguir distribuir e vender sua mercadoria. Poderá ser o caso, por exemplo, dele conseguir expor seus produtos frescos e já no ponto ótimo de maturação, caso tenha condições para isso.
Em outras situações, como no caso das berinjelas, os frutos deverão ser colhidos no ponto ótimo de maturação, já que esse legume tem ótima resistência mecânica e se mantém firme por vários dias após ter sido colhido.

Preservando os produtos da machamba
O ideal é que todo produto que for colhido da machamba e que não venha a ser imediatamente consumido ou comercializado, seja mantido sob refrigeração. Evidentemente que isso é impraticável por parte da maioria dos agricultores camponeses, já que o processo exigiria a aquisição de grandes frigoríficos, com considerável custo de energia, manutenção, etc. Uma alternativa é a que já descrevemos no item anterior, a de colher muitos desses produtos antes que atinjam sua maturação ideal e, com isso, possibilitar um tempo maior de conservação antes da venda final. Porém, existem casos em que essa colheita antecipada não é possível, como no caso dos morangos, que sob temperaturas ambientes mais altas (acima dos 27 oC, por exemplo) aceleram muito a sua deterioração, muitas vezes ficando impróprio para o consumo in natura em pouco mais de 10 ou 12 horas, sob estas condições.
Colheita de morangos na Machamba-modelo da Agricultura Natural de Marracuene. O morango é um fruto que precisa ser refrigerado logo que é colhido.

Outra alternativa, e que será mais profundamente discutida nos itens seguintes, é a produção de conservas, doces e geléias, que além de agregar bastante valor aos produtos, elevam consideravelmente o tempo de preservação dos alimentos. Geléias, por exemplo, se forem feitas de forma adequada, podem ser preservadas por 6 meses ou mais, sem necessitarem de cuidados especiais como a refrigeração. Evidentemente que o sucesso desse tipo de trabalho estará relacionado ao bom planejamento da produção agrícola, como vimos no Módulo 2, e também da variedade de produtos que o agricultor tiver à sua disposição na machamba. Por exemplo, se a opção for pela produção de doces e geléias, quanto maior a variedade desses doces maior será a aceitação dos produtos e mais facilmente o agricultor conseguirá criar e manter uma clientela fiel ao seu trabalho.


1 Folhas de feijão-nhemba, também conhecido por feijão-de-corda.
2 Folhas de abóbora.
3 Folhas de batata-doce.


Um comentário:

  1. Quer dizer que folhas de batata-doce, beterraba, cenoura e feijão de corda, podem ser consumidas in natura?
    E o talo do brócolis de cabeça?
    E as folhas (e seus talos) da mandioca e macaxeira?
    Nesse último caso, se forem desidratadas, trituradas e peneiradas, pode-se incluir na dieta humana?

    Grato!
    Enéas Aguiar

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