INTRODUÇÃO À MICROBIOLOGIA AMBIENTAL
O QUE SÃO E ONDE ESTÃO OS MICRORGANISMOS NATURAIS
Os microrganismos
habitam o planeta Terra há pelo menos 2,5 bilhões de anos. Quando os primeiros
organismos pluricelulares, que deram origem a todos os animais e plantas do
nosso planeta, surgiram há mais ou menos 1 bilhão de anos, os microrganismos
unicelulares, como as bactérias, já habitavam nosso mundo 1,5 bilhões de anos
antes. Com esses números em mente dá para ter a noção de como os microrganismos
são antigos e o quão especializados e diversificados são depois de tanto tempo
disponível para evoluírem na Natureza. De fato, de acordo com alguns
pesquisadores, se considerarmos toda a produção científica feita pela
humanidade na área de microbiologia, desde que Louis Pasteur
identificou os primeiros microrganismos até os dias de hoje, talvez não
tenhamos conseguido conhecer 0,3% dos microrganismos que se acredita existirem
no nosso planeta. E talvez ainda, para muitos, esse número percentual pode até
ser superestimado, ou seja, existirem na Terra muito mais microrganismos diferentes
do que se imagina.
O mundo natural
possui, como vimos anteriormente, sua própria complexidade microbiológica. Cada
local ou região, com suas características de clima e regime de chuvas, por
exemplo, possui sua própria matriz microbiológica do solo. Isto quer dizer que
cada local possui, natural e originalmente, vida suficiente para manter seu
ecossistema em equilíbrio dinâmico. Nos módulos anteriores dos nossos
livros do Curso de Agricultura Natural já tivemos a oportunidade de discutir os
fundamentos da prática agrícola que respeita os ciclos naturais. O leitor
poderá encontrar naqueles módulos descrições desses fundamentos e mesmo para
aqueles que já leram recomendamos uma rápida revisão desses tópicos.
Quando nos deparamos
com um ecossistema dinamicamente equilibrado, com a vida pulsando forte em
todos os seus níveis tróficos, temos à nossa disposição uma incalculável
riqueza microbiológica pronta para nos oferecer inúmeros benefícios. O solo de
uma machamba ou mesmo de uma horta caseira onde se pratica a
Agricultura Natural de forma correta e plenamente sustentável e ainda
observando todos os seus fundamentos como biodiversidade, proteção do solo,
presença de grande quantidade de matéria orgânica, presença de arvores
diversificadas, água de boa qualidade, etc., é o que podemos chamar de fantástica
fábrica de microrganismos eficientes. Uma frase famosa de Louis Pasteur diz
que “a importância dos infinitamente pequenos é infinitamente grande”. A parte
viva e mais ativa da matéria orgânica do solo é constituída em sua maioria
pelos microrganismos e são eles os responsáveis pelo funcionamento do solo. Sem
a presença dessa parte viva, o solo seria simplesmente uma mistura de areia,
silte e argila. O que faz o solo ser o solo propriamente dito é a vida que há
nele. E é possível, com alguma técnica, coletar grupos de microrganismos
naturais e eficientes a partir das nossas próprias machambas ou hortas caseiras
para produzir suspensões microbianas que poderão nos ser úteis em diversas
aplicações, como veremos mais adiante nesse capítulo.
Outra fonte muito
interessante desses microrganismos eficientes são as matas e capoeiras
relativamente preservadas. A camada superficial do solo desses locais,
comumente chamada de serapilheira, contém inúmeras espécies de microrganismos
benéficos que poderão fazer parte de nossas suspensões microbianas. Contudo,
por razões éticas e ambientais, tenha em mente que a retirada de qualquer
fração que seja dessas áreas sem a devida autorização legal ou mesmo de algum
estudo prévio de impacto ambiental, poderá por em causa todo o nosso trabalho.
A existência de áreas que não sofreram nenhum tipo de degradação pelo homem é
cada vez menor, principalmente no interior de muitos países africanos. Não terá
nenhum sentido querer recuperar a natureza de um determinado local em
detrimento de algum outro. A coleta de microrganismos de solos de matas e áreas
protegidas precisa ser feita com muito critério e preferencialmente com a
supervisão de algum profissional qualificado da área ambiental.
Também por esse
motivo, o ideal é que nas nossas áreas agrícolas deixemos sempre um percentual
de área onde a vegetação nativa, incluindo árvores e arbustos, possa se
desenvolver plenamente, ou ainda, caso essas áreas já existam num determinado
local, preservá-las a todo custo. Essas áreas de reserva são como uma espécie
de banco de seguros, onde o agricultor poderá ter à sua disposição inúmeras
vantagens, dentre as quais os próprios microrganismos eficientes do local.
QUAIS OS TIPOS DE MICRORGANISMOS EFICIENTES?
Como dissemos
anteriormente, os microrganismos constituem a forma de vida mais antiga do
nosso planeta. E como tal, são extremamente eficientes para as funções que a
Mãe Natureza os programou durante centenas de milhões de anos de evolução.
Vamos dar alguns exemplos.
Se um animal qualquer
morre na savana, e considerando que nenhum outro animal se alimente dos seus
restos, um verdadeiro batalhão de microrganismos entra em cena com a missão de
decompor aquela carcaça da forma mais eficiente possível, do ponto de vista
termodinâmico. Dadas estas condições, a via normalmente escolhida pelos
microrganismos é a chamada putrefação, onde os restos de carne e eventualmente
ossos, serão decompostos em estruturas químicas menores, devolvendo ao sistema
a energia acumulada ao longo da vida daquele animal. O mesmo acontece com uma
árvore caída, uma casca de banana jogada ao chão, nossas fezes, etc. A energia
que os seres vivos acumulam ao longo de suas existências e que fica concentrada
em seus corpos e resíduos precisa ser devolvida ao sistema natural e os
microrganismos possuem a tarefa de levar esse processo adiante. Contudo,
principalmente para nós, seres humanos, nem sempre a rota metabólica escolhida
pelos microrganismos nos são úteis, ou melhor, nos são favoráveis. Substâncias
como as mercaptanas, os sulfetos e inúmeros outros compostos sulfurados
oriundos da putrefação de resíduos orgânicos podem até ser prejudiciais à nossa
saúde. Isso além do incômodo dos odores putrefados, que tanto nos aborrecem.
Além disso, esses compostos ainda atraem moscas e diversos outros animais como
baratas e ratos que, por sua vez, funcionam como vetores de inúmeras doenças
aos seres humanos, principalmente nos grandes centros urbanos do mundo. Na
verdade, todo o processo se desencadeia de forma a distribuir a energia,
que antes existia acumulada na carcaça animal ou vegetal, o mais rápido
possível. Por essa razão muitos animais são atraídos pelo cheiro podre a fim de
facilitar a dissipação daquela energia, como é o caso das moscas. Mas, como
dissemos, nem sempre isso se passa de forma agradável aos sentidos humanos,
razão pela qual devemos tentar controlar o processo, ou pelo menos parte
dele.
Contudo, não é pelo
fato desses microrganismos produzirem compostos indesejados aos seres humanos
que eles não sejam considerados naturais e mesmo eficientes. Afinal, como já
dissemos, a Natureza os programou há muito tempo para desenvolverem
exatamente esses papéis. Por outro lado, temos também diversas outras vias metabólicas
desenvolvidas por determinados grupos de microrganismos que podem nos ser muito
úteis. Por exemplo, pela via fermentativa, diversos microrganismos podem
decompor a matéria orgânica até certo ponto e os seus produtos metabólicos
poderão ter diversas aplicações no nosso dia a dia. A fermentação láctica, que
produz o ácido láctico, dentre outras substâncias, pode ser conduzida com
relativa facilidade e os subprodutos desse trabalho microbiológico poderão
encontrar algumas aplicações práticas muito interessantes, como veremos nos
capítulos seguintes desse nosso livro.
Contudo, nosso
interesse, no contexto do nosso trabalho com a Agricultura Natural e na gestão
do meio ambiente, é naquele grupo de microrganismos do solo que nos ajude nas
diversas atividades que fazem parte desse trabalho. Sendo assim, estaremos
interessados em quatro grandes grupos em particular de microrganismos
relacionados a seguir:
As leveduras (Sacharomyces)
(1) são fungos que utilizam substâncias liberadas pelas raízes das plantas,
sintetizam vitaminas e que ajudam a ativar outros microrganismos eficientes do
solo. As substâncias bioativas, tais como hormônios e enzimas produzidas pelas
leveduras, provocam atividade celular até nas raízes das plantas. Os actinomicetos
(2) produzem antibióticos naturais e assim ajudam a controlar fungos e
bactérias patogênicas (que causam doenças), além de ajudarem a aumentar a
resistência das plantas. Já mencionamos as bactérias produtoras do ácido
láctico (Lactobacillus e Pediococcus) (3) que produzem o
ácido láctico que controla alguns microrganismos nocivos como o Fusarium.
Pela fermentação da matéria orgânica não curtida (verde) liberam muitos
nutrientes às plantas e esse processo é a base da tecnologia social de gestão
dos resíduos orgânicos que apresentaremos ao final desse livro. Por fim, temos
de mencionar as bactérias fotossintéticas (4) que utilizam a energia
solar em forma de luz e calor. Estamos acostumados a relacionar a fotossíntese
somente à energia luminosa e isso é verdade quando lidamos com os vegetais. No
entanto, as bactérias fotossintéticas desenvolveram um mecanismo especial
através do qual absorvem “luz” na região espectral do infravermelho, a qual
pode se originar do calor. De outra maneira não faria muito sentido depender
apenas da luz solar direta pois bastariam alguns poucos centímetros abaixo da
superfície do solo, não iluminado, para o metabolismo desses microrganismos
deixar de funcionar. Esse grupo de microrganismos também utiliza substâncias
excretadas pelas raízes das plantas na síntese de vitaminas e nutrientes,
aminoácidos, substâncias bioativas e açúcares que favorecem o crescimento das
plantas. Além disso, ajudam a aumentar as populações de outros microrganismos,
como os fixadores de nitrogênio, os actinomicetos e os fungos micorrízicos.
Os fungos
micorrízicos fazem parte de um grupo de microrganismos (Zigomicetos) que
formam associações simbióticas mutualísticas com as raízes da maioria das
plantas superiores. Estas associações são visíveis a olho nu e assemelham-se a
um entrelaçado de fios de algodão finíssimos que nada mais são que as hifas dos
fungos mencionados. Essas hifas se entrelaçam com as raízes das plantas
aumentando consideravelmente seu volume, ou seja, sua rizosfera. Dessa forma, a
planta é capaz de absorver mais nutrientes, tem maior acesso à água do solo e
também a diversas substâncias que melhoram consideravelmente seu metabolismo.
Como sempre dizemos, tudo
está conectado e no caso da microbiota do solo não é diferente. Não parece
ser razoável pensar apenas nesse ou naquele grupo de microrganismos, seja para
avaliarmos a qualidade de um solo do ponto de vista da sua fertilidade
ecológica, ou até mesmo para encontrarmos as condições mais adequadas para a
degradação de um poluente, no solo ou até mesmo na água. De fato, os
microrganismos trabalham em conjunto com cada grupo sendo responsável por uma
parte do trabalho.
Quando nos propomos a
praticar a Agricultura Natural, ecológica em sua essência, temos de levar em
consideração não apenas as plantas, o tipo de solo e os animais presentes. A
microfauna do solo terá um papel importantíssimo na própria capacidade
produtiva do nosso campo natural. De fato, a matéria orgânica que introduzimos
no nosso solo tem muito mais a ver com a alimentação dos microrganismos do que
com a nutrição das plantas. Por exemplo, a maior parte do nitrogênio que as
plantas acumulam em seus tecidos não é oriundo do nitrogênio contido nos restos
vegetais e sim da fixação do nitrogênio atmosférico. Porém, isso só será
possível pela ação de grupos específicos de microrganismos, os chamados
fixadores de nitrogênio. Por essa razão é que temos de manter nosso solo
protegido, bem drenado e nutrido, para que esses e diversos outros
microrganismos consigam metabolizar as substâncias necessárias para o pleno
desenvolvimento das nossas culturas agrícolas naturais.
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