7.
Produção
de mudas
(Capítulo 7 do Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
Agora que já conhecemos um
pouco mais sobre a natureza do solo, já estudamos como organizar
nosso terreno, reconhecemos as características de nossa área e
região, preparamos nossos canteiros e fizemos nossas composteiras,
chegou o momento de começarmos a aprender um pouco mais sobre como
produzir adequandamente nossas mudas.
Muitas espécies de plantas,
em especial as hortícolas,
possuem
sementes muito pequenas e suas plântulas
são muito delicadas. Além disso, nessa fase do desenvolvimento
vegetal, as raízes também são extremamente finas e qualquer
descuido por parte do agricultor pode danificá-las, com considerável
prejuízo no desenvolvimento final das plantas, além da necessidade
que terá de consumir mais água de irrigação quando essas mudas
forem transplantadas, como veremos um pouco mais a frente. Além
disso, temos que levar em consideração também as questões
econômicas, pois nem sempre as sementes que temos à disposição no
mercado são baratas, principalmente levando em consideração a
realidade sócio-econômica das comunidades de agricultores
camponeses do interior da África.
Por outro lado, temos tentado
também produzir e distribuir nossas próprias sementes oriundas da
Agricultura Natural, principalmente para aquelas espécies vegetais
de mais fácil propagação. Também temos incentivado um grande
número de pequenos agricultores que o façam e distribuam parte de
sua produção àqueles que queiram iniciar esse tipo de trabalho.
Como já tinha ficado evidente anos atrás, a produção de sementes
na ótica da Agricultura Natural também segue numa lógica um pouco
diferente do sistema convencional. Por isso, as quantidades de
sementes muitas vezes obtidas em nossos campos naturais
não são as
mesmas verificadas nos campos repletos de tecnocracia. Dessa forma, a
produção adequada de mudas a partir de sementes naturais
ganha, no nosso contexto africano, contornos que merecem um pouco
mais de atenção.
Normalmente, os camponeses do
interior moçambicano estão habituados a produzir suas mudas
lançando as sementes adquiridas diretamente em canteiros, no que são
chamados de sementeiras. Inicialmente, esse tipo de trabalho traz sim
considerável economia de tempo, mas a longo prazo estarão imbutidas
nessa equação variáveis que podem deitar por terra a
sustentabilidade
do sistema. Isto por vários fatores como veremos a seguir.
O primeiro ponto que
precisamos considerar é o fato de que as sementeiras consomem grande
quantidade de sementes sem que todas elas cheguem a ser
transplantadas. Num levantamento que realizamos há alguns anos
verificamos que, numa sementeira típica, o percentual de perda de
mudas, que ou não eram transplantadas ou ainda não conseguiam
sobreviver, era de mais de 50%. O agricultor precisa entender que
quem mais ganha com esse tipo de prática é a indústria produtora e
revendedora de sementes! Mas os danos não são somente esses.
No sistema de sementeiras, as
plântulas nascem muito próximas umas das outras e assim seus
delicados sistemas radiculares ficam entrelaçados. Ao serem
separadas as mudas, por ocasião do transplantio, é impossível não
danificar suas delicadas raízes. O resultado é o stress
que a muda sofre ao ser colocada no seu local definitivo no canteiro.
A maioria das mudas de
hortícolas plantadas
dessa maneira levam dias para recuperar seu vigor, quando o
conseguem. E para tentar atenuar esse stress,
acaba-se consumindo quantidades maiores de água na irrigação dos
canteiros nessa fase. Além disso, existe a perda de tempo útil em
que a planta já teria de estar dando continuidade ao seu
desenvolvimento, mas que agora ela passa por um processo de quase
ressuscitação no campo.
Quando começamos a discutir
essas questões com nossa equipe de campo há alguns anos e também
com agricultores familiares de nossa região, descobrimos que muitos
deles simplesmente não acreditavam que uma única sementinha era
capaz de se transformar numa planta vigorosa e produtiva. Acabamos
por adotar o lema de que “uma
semente, uma planta”
na tentativa de convencê-los até mesmo do poder da natureza. Apesar
das resistências normais a qualquer ideia nova por parte de um grupo
de pessoas ou comunidade, começamos a preparar nossas primeiras
bandejas de mudas, algo impensável para muito dos nossos
colaboradores de até então.
Construindo o viveiro de
mudas
Para a produção adequada de
mudas é necessário termos um espaço devidamente protegido dos
ventos fortes, da insolação direta e da ação predatória de
alguns animais como galinhas e pássaros. Na fase de desenvolvimento
inicial, as plântulas são uma verdadeira iguaria e por isso muitos
animais as apreciam.
A construção do viveiro
poderá ser feita usando-se materiais que muitas vezes são
encontrados no próprio terreno ou nas suas vizinhanças. Também
podem ser usados materiais comprados em lojas especializadas, mas no
caso desse curso, vamos dar prioridade, sempre que possível, às
formas mais simples de fazê-lo, levando em conta, mais uma vez, a
realidade de nossas comunidades agrícolas.
O primeiro passo é
determinar a quantidade de mudas que serão necessárias para manter
o campo em
produção permanente.
Isto é, a quantidade de mudas que precisam ser produzidas ao longo
dos meses para garantir que quando um pé de repolho, por exemplo,
seja colhido, exista uma muda daquela mesma planta pronta para ser
plantada no mesmo lugar da que foi retirada. Esse aspecto é de vital
importância, pois dependendo da cultura desejada temos janelas
de cultivo bem estreitas no decorrer do ano e nesses casos, cada dia
conta. Além disso, terra parada inutilmente não produz comida e
precisamos aproveitar ao máximo as atividades microbiológicas do
solo, os compostos incorporados e a água de irrigação para
otimizar
nossa produção agrícola. Assim, dentro das condições normais,
quanto menos tempo nossos canteiros permanecerem vazios entre uma
colheita e o replantio, melhor.
Uma forma simples de
construir um pequeno viveiro de mudas, usando estritamente materiais
locais, pode ser visto na figura abaixo. Esse viveiro foi construído
com estacas de madeira e no lugar do tradicional sombrite
usaram-se folhas de coqueiro entrelaçadas.
Viveiro
de mudas construído com estacas de madeira e folhas de coqueiro na
comunidade do Chitondo, interior da província de Inhambane.
Mas para o caso de se desejar
uma produção maior de mudas, podem ser construídos viveiros
maiores. Um de nossos viveiros foi construído com as dimensões de 5
x 10 metros, usando basicamente toras e estacas de madeira para as
estruturas, caniço para os revestimentos laterais e sombrite
para a cobertura. A sequência de fotos a seguir mostra algumas
etapas da construção desse nosso viveiro, instalado em Marracuene.
Implantação
do viveiro de mudas na Machamba Modelo de Agricultura Natural de
Marracuene.
Devemos tomar cuidado para
não construirmos o viveiro em áreas muito sombreadas. Muitas das
espécies de culturas necessitam de uma certa insolação para que
suas sementes germinem bem e se desenvolvam adequadamente. Dentro do
possível, procuramos instalar nossos viveiros em alguma área que
permita um sombreamento somente parcial. Isto porque, em alguns
casos, há plantas que já não suportam o forte calor africano e as
sombras acabam ajudando a atenuar as temperaturas no interior dos
viveiros.
A
produção de mudas de
hortícolas, bem como
frutíferas, florestais e/ou nativas requer cuidados diários, uma
vez que problemas adversos podem ocorrer durante o período de
desenvolvimento da muda, podendo, assim prejudicar todo seu
planejamento de produção. Devemos observar a porcentagem de
germinação das sementes, acompanhar o seu desenvolvimento e
verificar como se comporta em situações de calor intenso, falta de
luz solar no viveiro, falta ou excesso de água, etc. O resultado
deste comportamento poderá definir a melhor época de cultivo das
mesmas. É muito importante o agricultor ter o hábito de anotar
todas as informações pertinentes, bem como as observações que for
fazendo ao longo do tempo para que, no futuro, essas mesmas
informações possa ajudá-lo a otimizar cada vez mais a sua produção
agrícola.
Preparando as bandejas de
mudas
Para preparar mudas de forma
adequada precisamos de algum investimento. Agora é que a economia de
recursos financeiros que a Agricultura Natural nos proporciona começa
a mostrar seus resultados. Parte do dinheiro economizado quando
evitamos comprar adubos e defensivos, poderá ser utilizado em
investimentos mais duradouros na propriedade como por exemplo
bandejas de mudas e eventuais sistemas simplificados de rega.
Evidentemente que em escalas
domésticas ou mesmo em pequenas hortas escolares, podemos utilizar
materiais alternativos e recicláveis tais como bandejas de ovos,
garrafas plásticas e outros. Mas já para uma produção mais
sistemática, bandejas próprias para mudas acabam sendo muito mais
interessantes a médio e longo prazos.
Basicamente, em Moçambique,
existem dois tipos de bandejas para mudas. A mais comum e barata é
feita de plástico e possui modelos com as células de vários
tamanhos. Outro tipo de bandeja são aquelas feitas com esferovite
(isopor), de preço um pouco mais elevado. Nossa experiência tem
mostrado que tendo os cuidados necessários, essas bandejas podem
durar anos e sua aquisição pode ser feita por sistemas de cotas
entre grupos de agricultores, com redução considerável dos custos
individuais iniciais.
Tipos
diferentes de bandejas de mudas. A esquerda vemos as bandejas de
esferovite e a direita as de plástico.
Uma vez escolhida a bandeja
passamos para a produção do substrato.
A produção
de mudas requer alguns cuiados especiais e um deles diz respeito ao
material sobre o qual iremos lançar nossas sementes.
Convencionalmente, esses substratos são oferecidos já
“enriquecidos” com fertilizantes químicos e muitas vezes já com
algum tipo de defensivo (agrotóxico). No nosso caso, porém, temos
na produção das mudas a primeira oportunidade de reeducar
nossas sementes, principalmente aquelas ainda adquiridas
comercialmente, ao tipo de manejo que a planta irá receber ao longo
do seu desenvolvimento. Nossos substratos não recebem nenhum tipo de
adição de substâncias sintéticas e tentamos mantê-los o mais
próximo possível, em termos de composição, ao tipo de solo que as
futuras plantas terão à sua disposição.
Preparo do substrato
O
substrato que devemos colocar nas bandejas de produção de mudas
(plástica, esferovite) deverá ser preparado com 50% de terra
(arenosa) e 50% de composto cortado em partículas bem reduzidas. Em
seguida, devemos molhar o substrato até atingir umidade de 30%, de
forma que possamos preencher as bandejas sem que o solo seja perdido
nas aberturas do fundo. Uma forma prática de saber se a umidade está
adequada é pegar uma porção de substrato na mão e apertá-la. Se,
ao abrir a mão, não se formar um torrão significa que ainda
precisa de mais água. Se ao apertar o substrato escorrer água entre
os dedos, significa que a umidade está excessiva. O ideal é que se
forme um torrão que se desfaça com o apertar dos dedos da outra
mão.
Nesta etapa podemos usar
misturas de terra e areia, acrescida de composto de folhas secas bem
trituradas. Uma alternativa que verificamos com o passar dos anos é
usar a terra escurecida que fica no fundo de nossas composterias ou
mesmo a camada superficial de solos que encontramos em áreas de
cultivo de
composto, ou
seja, naquelas áreas onde deixamos o mato crescer com o acúmulo de
restos de folhas das árvores. Uma outra proporção interessante a
ser usada na formulação do substrato é ter 50% de areia, 30 a 40%
de composto natural e 10 a 20% do solo dos canteiros que receberão
as mudas. Porém, para cada região, os próprios agricultores
poderão desenvolver seus substratos de forma mais adequada às suas
necessidades e condições locais. O conceito
que precisa ficar claro é que esse material precisa ser leve para
que as plântulas possam desenvolver suas raízes de forma adequada,
sem adensamentos e estagnação de água.
Semeadura
Antes
de terminar o preenchimento do substrato nas bandejas, deve-se deixar
uma pequena parte não preenchida de cerca de 3 mm e iniciar a
semeadura das culturas. Vale ressaltar que a profundidade de plantio
poderá variar de acordo com cada cultura. Após semear as sementes,
cobrir as bandejas com a mesmo substrato preparado e regar com
pulverizador.
O tempo de
permanência das mudas no viveiro varia de acordo com a cultura,
podendo estar entre os limites de 20 a 30 dias. De forma técnica, as
plantas devem ser transferidas para o canteiro quando estiverem com 3
a 4 folhas definitivas.
Irrigação das bandejas
Por fim, devemos também ter
muito cuidado com a irrigação das bandejas contendo as sementes e
plântulas. Nessa fase, se não houver a atenção necessária, jatos
fortes de água podem até mesmo deslocar as sementes de seus
receptáculos e no caso das plântulas danificá-las severamente. O
ideal é que essa operação seja feita com o auxílio de
pulverizadores, desde que nunca tenham sido usado, anteriormente, com
venenos e agrotóxicos. Sistemas adaptados de microaspersão também
podem ser usados.
Uma alternativa muito
interessante, e de custo quase zero, é construir os nossos próprios
regadores de viveiros. Para isso, basta tomar uma garrafa PET de
água, por exemplo, e com o auxílio de uma agulha de costura com a
ponta aquecida ao rubro, perfurar a parte lateral superior. Dessa
forma, será possível obter um fluxo muito suave de água e assim
evitamos maiores problemas.
Regador
para mudas fabricado com garrafa PET reciclada.
Viveiro
de espécies florestais e frutíferas
Para
a produção de mudas de espécies frutíferas, florestais e/ou
nativas devemos preparar bem o solo que serão colocados nas bolsas
plásticas, pois o tempo de permanência das diferentes espécies de
plantas no viveiro podem variar de meses a até dois anos, dependendo
da espécie. O substrato poderá ser feito da mesma forma proposta
para o viveiro de hortaliças e em seguida, semeadas as culturas.
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