Agricultora
Chamo-me
Angelica Mariano Chissano, tenho 56 anos de idade e sou agricultora. O que me
levou a frequentar o Curso de Agricultura Natural foi o desejo constante que
senti de melhorar a minha atividade agrícola, compreendendo mais sobre ela e
poder ver a sua evolução além de um rendimento real no trabalho que faço.
Devo
explicar que pertenço a uma família de agricultores. Meus avós praticavam
agricultura de sustento onde produziam arroz, trigo e algumas hortícolas para o
sustento diário da família. Meu pai, no nosso quintal, sempre incentivou a
horta e dela tínhamos produtos suficientes para o consumo de casa e até
ofereciamos a vizinhos e amigos. Eu não praticava, mas via como as coisas
aconteciam.
Envolvida
num projecto de reflorestamento e inserida num grupo associativo, cheguei no Distrito
da Moamba há alguns anos onde fui apreciando o trabalho agrícola que as
famílias desenvolviam no regadio daquele distrito, especificamente no Bloco II.
Fui criando amizades e mostrei o desejo de ter uma pequena parcela de terra
para cultivar. Numa primeira fase alguns agricultores cederam-me algum espaço
dentro das suas parcelas e comecei a trabalhar. Pelos relatos que ouvia dos
agricultores percebi que a agricultura é tudo para todos nós. É dela de onde
tiramos o alimento, a renda para o sustento das nossas famílias e todo o necessário
para o desenvolvimento: agronegócios, comercialização, processamento,
industrialização e muito mais.
Dos poucos
rendimentos que conseguia inicialmente, olhando e acompanhando a atividade de
outros agricultores percebia ainda mais que é possível, com a agricultura,
termos tudo o que nós queremos. Entretanto, eu não sabia como fazer, como
evoluir e, em suma, não sabia muita coisa básica sobre a atividade agrícola.
Eis então que em 2011 conheci a Igreja Messiânica e na reflexão que fui fazendo
com os responsáveis, dentre várias preocupações que coloquei falei das
dificuldades que tinha de fazer a evolução na minha atividade agrícola. Fui
então encaminhada ao sector de Agricultura Natural, onde fui recebida pelo
responsável e recebi a orientação. Esta orientação que cumpri e estou a cumprir
de tal forma que me sinto satisfeita com os resultados que vou tendo.
Ainda
falta muito por fazer, mas o trabalho está a correr bem. Já é visível o que eu não
conseguia ver e ter, pois a meio do cumprimento das orientações básicas ganhei
a permissão de transformar a minha horta de cultivo convencional para o cultivo
nos métodos da Agricultura Natural. O que fez que no bairro onde resido
atraísse, por curiosidade, pessoas em geral e até crianças, muitas das quais
ajudei a montar suas próprias hortas caseiras da Agricultura Natural nos seus
quintais e cuida-las. O grupo chegou a 20 crianças e durante o transcurso dos
trabalhos algumas ganharam preguiça e outras, por influencias dos adultos e
diferenças religiosas, não cuidaram da mesma maneira que começaram suas
respectivas hortas. Outros mudaram de residência, mas dentre eles dois
recomeçaram seus trabalhos e há poucos dias pediram sementes para refazer seus
viveiros. Dos que continuam, um miúdo de 10 anos de idade está a colher
berinjelas e rúcula e chegou a oferecer alguns de seus produtos a vizinhos,
dizendo que vai passar a vende-los, porque “já
são muitas berinjelas”. Eu perguntei-lhe como iria fazer a venda ao que
respondeu: “Tia, eu avisei a minha mãe
que nós aqui em casa não conseguimos acabar essa berinjela; já ofereci alguma e
a quer for nascendo a partir de agora vou vender”. Disse também que já
tinha conversado com a tia que trabalha em casa e esta já comprou duas
berinjelas no valor de 10 meticais. Ele estava muito feliz e não parava de
repetir: “Não vou parar mais. As pessoas
deitam água dos pratos na minha horta, mas não vou parar. Até vou aumentar os
canteiros e quero ter mais produtos na horta!”
Em relação
aos agricultores convencionais da Moamba, não é fácil a mudança mas ganhei a
permissão de a partir de um grupo de senhoras incentivar as hortas dos seus quintais.
Tomando o exemplo da Sra. Ester, funcionária da Africarte e que neste ano de
2014 teve a oportunidade de comercializar sua produção de abóboras nas feiras
promovidas pela Africarte, ganhei força para fazer com que aquele grupo de
agricultoras aceitasse melhor a ideia da prática da Agricultura Natural. Embora
o trabalho ainda não esteja totalmente sistematizado, já uma das agricultoras
conseguiu vender rúcula e couve-chinesa do seu quintal da Agricultura Natural
no comércio local da Moamba. Há alguns dias, outra senhora me telefonou a dizer
que apesar das dificuldades já tem couve para a sopa oriunda do seu quintal.
Orientação a agricultoras do Distrito da Moamba.
A meio da
dedicação nessa coluna da Agricultura Natural também ajudei a montar uma horta
numa creche da cidade de Maputo. A alegria dos donos da creche é muito grande
pois eles já utilizam os produtos na alimentação das crianças que atendem.
Desta maneira, os donos da creche convidaram-me a ajuda-los a montar a horta
nas suas machambas em Chindenguele, província de Gaza, pelo método da
Agricultura Natural. Essa atividade deverá ser iniciada ainda neste mês de
outubro.
Uma senhora
que é membro da Igreja Messiânica, Filomena Munguambi, e teve conhecimento dessas atividades com a
Agricultura Natural me pediu ajuda na sua machamba na Macia, também província
de Gaza. Da primeira vez que para lá me dirigi fui sozinha e logo iniciamos a
montagem dos canteiros. Da segunda vez fui com duas das colega de curso, quando
terminamos de demarcar os canteiros no formato de mandalas e fizemos a
sementeira. Tenho falado constantemente com aquela senhora que diz estar muito
feliz e continua a semear seus viveiros. Contou-me que teve conhecimento de uma
amiga que estava doente e então colheu alguns dos seus produtos da horta,
inclusive flores, e foi visita-la. Durante a visita, explicou a importância de
alimentar-se de produtos da Agricultura Natural e a importância da flor. A
amiga ficou feliz e disse que logo que ficasse boa irá fazer a Horta Caseira no
seu quintal para poder resolver o problema da alimentação da sua família.
Trabalho de assistência técnica na machamba da Sra. Filomena Munguambi, na Macia.
Agradecida
por todos esses acontecimentos, estou com muita força de continuar a expandir a
prática da Agricultura Natural para muitas pessoas. Neste ano ganhei a
permissão de fazer a montagem e acompanhamento da nossa machamba familiar em
Changalane, de onde estamos neste momento a colher e vender produtos da
Agricultura Natural como tomates, repolhos, cebolas e couves. Estou muito feliz
por este trabalho, não só por conta do rendimento material mas também pelo fato
de muitas pessoas estarem agradecidas e felizes por facilmente terem caril em
casa a partir dos produtos que vendemos, conforme cometam em toda a comunidade
de Changalane.
Minha
alegria e felicidade de estar a perceber que é possível e fácil cada um de nós
praticar a Agricultura Natural duma forma simples e sem grandes despesas. E
perceber ainda que as comunidades só precisam de orientação e acompanhamento
para ultrapassarem muitos dos problemas que parecerem, para muitas, o “fim do
mundo”. É muito importante que cada um de nós tenha o coração aberto, saiba
receber orientação e aplica-la. Estou muito agradecida a todos que me orientam
e acompanham toda a atividade que faço, muitas vezes sem olhar horários e medir
esforços. Especial obrigado à direção e coordenação da Africarte e a todos os
colegas do Curso de Agricultura Natural.
Exposição dos produtos da Sra. Angélica na Feira Mensal de Produtos da Agricultura Natural promovida pela Africarte em Marracuene.
Que a
expansão da Agricultura Natural seja uma missão de cada um de nós para o
benefício de toda a nossa sociedade. Sugiro que o Curso de Agricultura Natural
continue e que a sua divulgação para maior adesão seja constante por todos os
meios que a Africarte tem para isso. Que todo aluno deste curso seja um pólo de
divulgação do método da Agricultura Natural e não fique com a informação e conhecimento
somente para si, mas que ganhe força de praticar para que os resultados
apareçam e sejam compartilhados com muitas pessoas. A partilha é muito
importante, praticando no seu local de residência, no seu emprego, na sua
família.
Aprendi
neste curso a entender melhor a Natureza e reconhecer que ela nos dá tudo o que
precisamos para mudar nossos hábitos e postura em relação a ela própria.
Fazemos queimadas, deitamos e enterramos lixo de qualquer maneira. Utilizamos
muitas coisas sem respeitar o mínimo que nos faz manter saudáveis e ter boa
vida. Embora soubesse alguma coisa sobre
o ambiente, alimentação e ecologia sinto que este curso me deu mais visão.
Ainda preciso aprender muito para viver sempre bem. Muito obrigado pela
permissão que tive de ser aluna deste curso. Muito obrigado a todos os
intervenientes na programação, execução e monitoria deste curso.
Muito
obrigada!