quinta-feira, 27 de março de 2014

Roteiro de Aula - Aula no. 4: Movimento filosófico de Mokiti Okada sobre a Agricultura Natural, Saúde e Alimentação Natural

Roteiro de Aula: Movimento filosófico de Mokiti Okada  

1. Leitura do texto: Filosofia de Mokiti Okada e discussão.

2. Premissas básicas da Agricutura Natural

  • Produzir alimentos que incrementem cada vez mais a saúde do homem;
  • Ser econômica e espiritualmente vantajosa, tanto para o produtor quanto para o consumidor;
  • Poder ser praticada por qualquer pessoa e, além disso, ter caráter permanente;
  • Respeitar a natureza e conservá-la;
  • Garantor a alimentação para todo o mundo, independentemente do seu crescimento demográfico.
 3. Movimento da Agricultura Natural no mundo.


 *****

 
Filosofia de Mokiti Okada
 


“Ao longo de tres mil anos a humanidade veio se afastando cada vez mais da Lei da Natureza, que é a Lei do Universo, a Vontade de Deus, a Verdade.
Movido pelo materialismo, que o faz acreditar apenas naquilo que vê, e pelo egoísmo, que o leva a agir de acordo com sua própria conveniência, o homem tornou-se prisioneiro de uma ambição desmedida e inconsequente e vem destruindo o equilíbrio do planeta, criando para si e seu semelhante, desarmonia e infelicidade.
As graves consequencias do desrespeito às Leis Naturais podem ser verificadas na agricultura, na medicina, na saúde, na educação, na arte, no meio-ambiente, na política, na economia, e em todos os demais campos da atividade humana.
Essa situação já chegou ao seu limite. Se continuar agindo assim, é certo que o homem acabará destruindo o planeta e a si mesmo. O propósito da Filosofia de Mokiti Okada é despertar a humanidade, alertando-a para essa triste realidade.
Ela cultiva o espiritualismo e o altruísmo, faz o homem crer no invisível e ensina que existem espírito e sentimento não só no ser humano, mas também nos animais, nos vegetais e nos demais seres.
O Johrei, a Agricultura Natural e o Belo são práticas básicas dessa filosofia, capazes de transformar as pessoas materialistas em espiritualistas e as egoístas em altruístas, restituindo ao planeta seu equilíbrio original.
Seu objetivo final é reconduzir a humanidade a uma vida concorde com a Lei da Natureza e construir uma nova civilização, alicerçada na verdadeira saúde, na prosperidade e na paz.”

 

Tetsuo Watanabe

Para ajudar a compreender a Agricultura Natural, talvez seja interessante tentar ter uma visão geral sobre a filosofia de Mokiti Okada. Isso poderá ser útil na medida em que conseguirmos perceber a linha de raciocínio que norteou o desenvolvimento do método da Agricultura Natural, e talvez nada melhor nesse momento do que aprofundar um pouco mais em alguns pontos fundamentais do trabalho dele.
 

O desenvolvimento material que verificamos na nossa sociedade atual é fruto de muitos séculos de descobertas e invenções. Como já mencionamos na introdução desse módulo, a agricultura teve um papel decisivo no desenvolvimento da sociedade humana ao criar condições para as inúmeras tribos nômades começarem a se fixar em determinadas regiões. Daí nasceram as primeiras comunidades que mais tarde viriam a se transformar nas primeiras cidades e posteriormente nas primeiras metrópolis.
 

Nessa fase, parece que o ser hamano começou seu longo e arduo caminho de afastamento das leis naturais, pois com as grandes aglomerações de pessoas vieram também os grandes desafios, especialmente aqueles que se referiam ao abastecimento de grandes massas de populações e também os problemas de ordem ambiental. Segundo as descobertas mais recentes de historiadores, antropólogos e arqueólogos, nos últimos milênios diversas culturas e sociedades nasceram, properaram e entraram em declinio justamente pelo esgotamento das condições naturais dos solos em prover a demanda de nutrientes para a agricultura intensiva e também na perda da sua eficácia em depurar os resíduos oriundos das diveras atividades humanas.
 

Os maias são um exemplo interessante. Segundo algumas descobertas, o declínio do Império Maia parece ter relação com a perda da capacidade dos solos em suportar uma demanda cada vez maior de alimentos em função da explosão demográfica. Com sua magnífica arquitetura e sofisticado conhecimento de astronomia e matemática, os maias, no contimente americano, foram uma das grandes culturas do mundo antigo. A civilização maia atingiou seu ápice durante o chamado período clássico (250 a 950). No auge, em 750, a população talvez tenha ultrapassado 13 milhões de pessoas! Porém, pouco tempo depois, entre 750 e 950, houve um rápido declinío. Foram propostas as mais variadas hipóteses para explicar esse declínio: guerras internas, invasão estrangeira, surtos de doenças, dependência da monocultura (principalmente do milho), degradação ambiental e mudanças climáticas. Quer dizer, muito antes da Revolução Industrial da Eupora nos séculos XVIII e XIX, e de suas conhecidas consequencias em termos de degradação dos ambientes naturais, civilizações inteiras ao redor do mundo já sofriam com os resultados dos desrespeito às leis naturais.
 

A Revolução Industrial parece ter seguido no vácuo do pensamento cartesiano, cujo fundador foi o já mencionado filósofo, físico e matemático francês René Descartes. Esse pensamento cartesiano, também chamado mecanicista, materialista, é talvez o responsável direto pelo atual desenvolvimento material de nossa sociedade moderna e consequentemente das diversas distorções sociais que estamos vivenciando. Se por um lado ele contribuiu para o desenvolvimento de tecnologias que auxiliam a humanidade, tamém ele foi o responsável por afastar um número cada vez maior pessoas do caminho da natureza. O pensamento cartesiano consiste no ceticismo, onde Descartes instituiu a dúvida: “só se pode dizer que existe aquilo que puder ser provado”. Ou seja, pelo pensamento cartesiano, materialista, o homem crê apenas naquilo que ele consguir ver.  Essa foi a regra principal do desenvolvimento de nossa sociedade nos últimos 400 anos e o resultado é o que podemos constatar no nosso dia a dia: se por um lado, o desenvolvimento tecnológico levou o ser humano à Lua e a se comunicar uns com os outros em qualquer parte do mundo com um simples comando no computador ou telemóvel, por outro acabou condenando um bilhão de pessoas à fome nesse mesmo mundo. Para que poucas pessoas possam consumir excessiva e despreocupadamente, um número muito maior de pessoas são condenadas à perda de seus ecossistemas naturais e submetidas a condições degradantes de trabalho e moradia.
 

Toda essa situação decorre do fato de que as pessoas em nossa sociedade vêm sendo educadas a consumir cada vez mais, pensando primeiramente em si, numa ambição desmedida e inconsequente. O resultado não poderia ser outro senão a desigualdade social, cuja origem também está relacionada com os desequilíbrios ambientais e culturais. Como resultado, nossa sociedade está cada vez mais infeliz e isso já é há muitos anos motivo de estudos e pesquisas sociais em diversos países. Nossa infeliciade recai, por exemplo, na constatação de que quanto mais trabalhamos, quanto mais acumulamos, mais temos necessidade de fazê-lo, pois do contrário caimos em depressão por não mais conseguir fazer parte do sistema. Na ansia de garantir as condições mínimas de sobrevivência a suas populações, governos de vários países lançam-se em conflitos que por vezes culminam com guerras por recursos naturais tais como solos férteis e águas potáveis. Esse mecanismo acaba levando nossa sociedade global a uma espécie de ansiedade frente à desarmonia de nossos próprios meios de sobrevivência.
 

A agricultura convencional, a despeito de toda a tecnologia à sua disposição, vem demonstrando ser incapaz de livrar o ser humano do fantasma da fome. O emprego descontrolado e já quase desesperado de quantidades cada vez maiores de fertilizantes e mais recentemente de defensivos tóxicos, têm levado populações humanas inteiras à beira do abismo. Nas últimas décadas, a tecnologia dos organismos geneticamente modificados ganhou um grande impulso com a chegada dos chamados organismos transgênicos. Por essa tecnologia, os cientistas conseguiram introduzir na cadeia de ADN de diversas culturas agrícolas, parte do código genético de animais e bactérias. Um exemplo é o milho transgêncio Bt, que recebeu parte dos genes da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), que produz uma toxina (inseticida) específica para larvas de alguns insetos. A ideia era que o milho transgênico fosse capaz de produzir seu próprio inseticida e com isso combater o ataque de diversos insetos, em especial o ataque de diversas espécies de lagartas. 

Decorridos alguns anos após a introdução dessa variedade geneticamente modificada nos campos agrícolas de diversos países, o que se verifica é a iminência de uma verdadeira catástrofe de proporções épicas. Não só o milho Bt não está conseguindo combater o ataque e insetos, em especial de lagartas, como está favorecendo o aparecimento de superlagartas resistentes não só à toxina do milho Bt, mas também a quase todas as toxinas conhecidas pelo homem! Esse alerta já foi dado por diversos cientistas espelhados pelo mundo todo e vários grupos estão sendo formados para estudar alternativas realmente viáveis para o problema. A questão é que parece que ultrapassamos em muito uma espécie de ponto de retorno, a partir do qual já não será mais possível reverter a situação empregando meios tecnológicos convencionais. Isso porque segundo diversos outros estudos independentes, o milho Bt e diversas outras plantas transgênicas, por exemplo, estão contaminando o seu entorno com espólios geneticamente alterados e transferindo a transgenia para outras plantas, inclusive as nativas de diversos ecossistemas naturais. Além disso, o número de pragas que estão se tornando cada vez mais resistentes a todo o conjunto de defensivos químicos conhecidos e regularizados estão aumentando cada vez mais. Por sua vez, ao invés de reconhecer o erro quase absurdo do raciocício convencional, muitos países estão apelando para rever proibições de uso de produtos químicos que há décadas são conhecidos e condenados por provocar danos na saúde humana, como câncer e diversas outras doenças e mutações genéticas, como última alternativa para salvar safras inteiras de alimentos produzidos pela agricultura convencional.
 

Quando o homem contamina e condena a base da sua prórpia vida, que é o seu alimento, ele acaba por condenar também todo o desenvolvimento da medicina preventiva, da saúde, da ética na educação, da política, da economia e do seu meio-ambiente; degrada inclusive o nível artístico de sua produção cultural, ajudando a diminuir ainda mais a qualidade de vida global.        

“Essa situação já chegou ao seu limite.” Mokiti Okada já havia nos alertado para esse verdadeiro ponto de encruzilhada no desenolvimento da sociedade. Se ela continuar pelo caminho atual, poderá chegar finalmente o dia em que será praticamente impossível evitar o colapso global da aventura humana no planeta Terra, onde estaríamos condenando nossos descendentes à extinção. Porém, ele nos dá uma alternativa mais que viável, ao propor substituir o capital material pelo capital espiritual, onde podemos voltar a valorizar o sentimento, cultivando o espiritualismo no lugar do materialismo e valorizando a gratidão e o altruísmo.
 

Praticar a Agricultura Natural e valorizar seus princípios ecológicos e éticos é uma forma concreta de trabalhar em prol de um desenvolvimento plenamente sustentável não apenas do ponto de vista econômico mas principalmente do ponto de vista da felicidade plena da sociedade.

 

Premissas básicas da Agricultura Natural
 

O legado de Mokiti Okada sobre a Agricultura Natural está assentado em cinco premissas básicas: produzir alimentos que incrementem cada vez mais a saúde do homem; ser econômica e espiritualmente vantajosa, tanto para o produtor como para o consumidor; poder ser praticada por qualquer pessoa e, além disso, ter caráter permanente; respeitar a natureza e conservá-la; garantir a alimentação para toda a humanidade, independentemente de seu crescimento demográfico.

1. Produzir alimentos que incrementem cada vez mais a saúde do homem
 

A agricultura convencional moderna, tecnocrata e altamente dependente de insumos artificiais, tem  levado o ser humano a entrar num verdadeiro círculo vicioso. Sua visão antropocêntrica o leva a se colocar acima das demais criaturas do planeta, impondo à natureza suas próprias regras de produção e consumo cada vez mais voraz.
Sem tempo para analisar devidamente os efeitos do seu desrespeito às Leis Naturais, o homem moderno vem introduzindo o conceito, em todo o mundo, do desenvolvimento econômico ao invés de promover o desenvolvimento da qualidade de vida. Para alimentar esse sistema, consome-se enormes quantidades de energia e esforço na produção maciça de alimentos. A lógica que prevalece é a de produzir cada vez mais, num espaço cada vez menor por unidade produzida (produtividade) e no menor tempo possível, maximizando dessa maneira os lucros da grande indústria de transformação de alimentos. Por essa lógica, os próprios agricultores, principalmente do setor familiar, são os primeiros a tombarem de fadiga e falência, pois o sistema favorece positivamente somente as grandes coorporações industriais, detentoras de patentes e enormes reservas de mercado.
 

O problema de tentar produzir alimetos pela lógica do capital econômico é que isso leva a um gradual e pernicioso sistema no qual a qualidade do que se produz e a forma como é feito se tornou altamente questionável. O uso de fertilizantes químicos artificiais no cultivo das lavouras em todo o mundo leva a um estado de dependência cada vez maior destes e, num plano seguinte, de agrotóxicos cada vez mais perigosos à saúde do próprio ser humano. A maior parte dos alimentos produzidos atualmente está repleta de resíduos químicos que, com o passar do tempo, e sob um consumo regular, estão provocando uma verdadeira degeneração da saúde humana.
 

O cultivo convencional de alimentos que hora reina na maioria dos campos agrícolas em todo o mundo acaba seguindo, mais cedo ou mais tarde, um esquema representado pelo seguinte diagrama:






Este é um sistema que se retroalimenta, ou seja, um verdadeiro círculo vicioso. Atualmente já nem se sabe mais a origem desse círculo, uma vez que não conseguimos mais identificar qual o princípio gerador desse emaranhado de problemas.
 

Na contramão do pensamento convencional, encontramos a Agricultura Natural como um sistema dinâmico onde, como já dissemos, se procura reproduzir as leis que fundamentam a própria natureza. Ao evitar o uso de adubos químicos e manejando o solo corretamente (ecologicamente) consegue-se estabelecer um padrão virtuoso, ou seja, um ciclo que vitaliza o ambiente e o ser humano.





Dessa forma, estabelece-se um equilíbrio de forças, nas quais o ser humano consegue usufruir de todos os benefícios da natureza sem, contudo, comprometer as futuras gerações. Quanto mais saudável for o solo, mais saudáveis serão as plantas aí cultivadas e quanto mais saudáveis estas plantas mais saudável o homem/mulher/criança que delas se alimentarem. Por fim, quanto mais saudável o ser humano agricultor mais saudável será sua relação com o próprio solo e todo o ambiente que o rodeia. Da mesma forma que o ciclo anterior, este ciclo virtuoso também se retroalimenta. Contudo há uma diferença fundamental, poi neste último caso a energia é utilizada para gerar vida em todo o sistema e não apenas ao ser humano. Dessa forma, a vida se perpetua e os resultados para o homem/mulher/criança são cada vez mais satisfatórios.
  
 

2. Ser economica e espiritalmente vantajosa, tanto para o produtor como para o consumidor
 

Quando falamos em qualidade do alimento, o que relamente está em jogo não é apenas a saúde física e espiritual dos consumidores. Também o agricultor está em risco. Todos se comprometem com os resultados do próprio trabalho e esforço na medida em que eles influenciam, positiva ou negativamente, todas as pessoas que dele usufruir. O agricultor que deseja obter maiores lucros, lançando mão de tecnologias suicidas como o uso de agrotóxicos, por exemplo, estará impondo a todas as pessoas que futuramente consumirem os produtos agrícolas oriundos do seu trabalho, todos os malefícios provocados por essa forma muito pouco inteligente de produzir alimentos. Cultivar alimentos saudáveis e que incrementem cada vez mais a saúde humana e do meio ambiente que nos rodeia é talvez uma das formas mais inteligentes de criarmos a felicidade para a sociedade e para nós mesmos, enquanto agricultores.

Evidentemente que vivemos numa sociedade baseada na troca de valores, sejam eles na forma de mercadorias ou de serviços. Com a agricultura não é diferente. Porém, é preciso ter em mente que todo trabalho precisa ser recompensado adequadamente, pois, do contrário, também estaremos impondo sofrimento a alguém e, neste ponto, os consumidores das cidades têm uma grande responsabilidade para com os agricultores. 

É sabido no mundo inteiro que dentro da cadeia produtiva agrícola, os agricultores geralmente constituem o elo mais fraco do sistema. São eles os encarregados de lavrar a terra, cultivar o solo e colher os alimentos que alimentarão a sociedade nas cidades. Porém, geralmente são eles os que menos recebem pelo seu esforço. Nesta ultima safra de tomates em Maputo (2013), a caixa com 25 quilos chegou a ser negociada a US$0,30, pouco mais de 1 centavo de dólar o quilo, com os produtores no principal mercado atacadista da cidade. Porém, aquele mesmo tomate era vendido aos consumidores da cidade a pouco mais de US$0,60 o quilo, ou seja, um preço quase 60 vezes maior que o que era pago aos agricultores! Exemplos como este estão largamente espalhados por todo o mundo e demonstram que existe muito trabalho a ser feito no sentido de equilibrar um pouco mais as coisas.

Enquanto consumidores de produtos expostos nas prateleiras dos supermercados, geralmente não nos preocupamos com aqueles que trabalharam para que estes mesmos produtos pudessem chegar até o alcance de nossas mãos. Não nos damos conta do verdadeiro valor a ser pago por quem mais se esforçou para que nossa sociedade possa saciar sua fome. Talvez por isso, muitos agricultores acabam lançando mão de recursos menos inteligentes, como o uso intensivo de agroquímicos, a fim de tentar buscar o tal equilíbrio de forças. Por outro lado, nós, como consumidores, precisamos valorizar o trabalho do homem do campo, reconhecendo seu esforço e procurando incentivá-lo na medida em que valorizarmos a produção de alimentos cada vez mais saudáveis, pagando por eles o preço realmente justo.

Muitas vezes as pessoas questionam o porquê dos produtos orgânicos ou mesmo os produtos da Agricultura Natural terem um valor maior que os produtos chamados convencionais. Talvez a questão tenha de ser mais bem formulada, pois existem diversos fatores envolvidos, mas de forma simples podemos fazer outra pergunta: “e porque, afinal, os produtos da agricultura convencional são tão baratos?”. É preciso saber que para economizar na mão-de-obra, os agricultores com um pouco mais de condições financeiras acabam lançando mão, por exemplo, do uso de herbicidas para promover a capina de seus campos. Ou seja, ao invés de pagarem a mão-de-obra de um trabalhador rural chegam à conclusão que ao usar herbicidas o trabalho é feito num custo muitas vezes bem menor. Neste sistema altamente competitivo cada centavo conta e os agricultores, muitas vezes, não enxergam alternativa. Daí a nossa responsabilidade enquanto consumidores. Seria muito interessante valorizar o trabalho dos agricultores, principalmente aqueles que estão lutando para promover a saúde das pessoas. Dar preferência aos produtos cultivados sem agrotóxicos é uma atitude não só interessante mas nobre até. Igualmente interessante é frequentar feiras de produtos orgânicos ou naturais e incentivar o consumo de tais produtos a todos os amigos e conhecidos.  
 

Contudo, muitas vezes os preços que pagamos pelos produtos oriundos de uma agricultura alternativa são abusivos, pois a eles são incorporados todo o custo necessário para uma nova cadeia de mercado: a certificação. Entraremos em maiores detalhes sobre esse assunto posterirmente, mas por hora precisamos saber que quanto mais variáveis colocamos numa equação matemática mais a sua solução se torna complicada. Cultivar alimentos puros e saudáveis precisa ser uma atividade simples, economicamente viável e capaz de ser realizada por qualquer pessoa, como veremos mais adiante. Assim, quanto mais agricultores, profissionais e amadores, interessarem-se pelo cultivo natural de alimentos, mais teremos desses alimentos disponíveis nas nossas mesas. E será a nossa responsabilidade, enquanto consumidores, garantir que o trabalho desses agricultores seja devidamente valorizado, pois quanto mais simples e direta for a relação produtor-consumidor, mais vantagens econômicas cada um irá obter.

 

3. Poder ser praticada por qualquer pessoa e, além disso, ter caráter permanente
 

A Agricultura Natural nos impulsiona ao desenvolvimento de uma visão holística não só do manejo agrícola de nossos solos mas de todo o mundo natural ao nosso redor. Isso equivale dizer que para termos sucesso como agricultores naturais precisamos desenvolver a capacidade de ler as entrelinhas da Natureza, buscando desvendar seus segredos sem, contudo, querer sobrepujá-la. Ou ainda, que precisamos desenvolver o pensamento sistêmico, reconhecendo que tudo está conectado numa intrincável teia de relacionamentos. 

Todos os campos do conhecimento humano são úteis nesse caminho de descobertas. E não é por acaso que cada vez mais existam pessoas que, independentemente de sua formação profissional ou não, estão praticando a Agricultura Natural sem as amarras do conhecimento tradicional. Seja em hortas caseiras ou mesmo em pequenos espaços de produção agrícola, um grande número de médicos, advogados, professores, donas de casa, jovens e até crianças vêm praticando uma agricultura que concorre para o bem estar de nosso planeta, alcançando resultados realmente muito bons numa forma de cultivar em que o objetivo não é somente a produção de alimentos em quantidades que possam satisfazer as necessidades humanas, mas também que leva em conta a qualidade daquilo que se produz, na forma como se produz e no benefício que isso trará para quem consumir os produtos oriundos dessa atividade.

Com um pouco de boa vontade e disposição para o trabalho, qualquer pessoa poderá, ao seu tempo e espaço, conseguir ótimos resultados com suas hortas e pequenas lavras e machambas. Aos grandes projetos agrícolas também é possível que um número cada vez maior de profissionais de diversas áreas do conhecimento, com seu devido esforço e aplicação, consigam evoluir no estabelecimento de uma dinâmica produtiva que respeite as relações naturais existentes entre todos os seres vivos, incluindo o próprio ser humano.

Como já foi dito anteriormente, a produção de alimentos na modernidade segue uma lógica perversa, na qual se procura obter o lucro o mais rápido possível, cultivando de forma intensiva os solos sem se preocupar com o que poderá ocorrer às gerações futuras. Isto equivale dizer que o sistema de cultivo convencional não é sustentável na medida em que muito pouco se pensa nas futuras gerações em detrimento do abastecimento imediato das populações humanas. Os críticos certamente dirão que o importante é garantir a alimentação para a sociedade humana hoje, pois do contrário não haverá o amanhã. Mas, por outro lado, talvez se o sistema de produção de alimentos da atualidade não sofrer um verdadeiro choque de gestão, é possível que estejamos condenando nossas futuras gerações ao exílio planetário amanhã.

Pela lógica da produção convencional, nossos campos de alimentos se tornaram verdadeiros laboratórios tecnocratas, com profissionais cada vez mais especializados mas igualmente isolados em suas áreas de saber. Num primeiro momento, o aparecimento de uma praga numa determinada lavoura, por exemplo, é encarada como um problema fitossanitário e os profissionais dessa área do conhecimento são acionados para combater aquele mal a todo custo. Aquela praga é vista como o sintoma de uma doença perversa e os esforços acabam se concentrando no uso de fórmulas químicas que visam mitigar os efeitos daquela manifestação da Natureza sem, contudo, buscar as origens daquele sintoma.
Porém, no nosso trabalho com a Agricultura Natural temos incontáveis exemplos de que aquilo que as pessoas se habituaram a chamar de pragas nada mais é do que a resposta natural a um fator de desequilíbrio - seja ele de ordem nutricional na relação solo-planta ou mesmo do nível de sentimento do agricultor. A maioria dos agricultores se esqueceu de sua vocação original que era a de promover a saúde das pessoas que irão consumir os produtos por eles cultivados. Os agricultores bem poderiam ser reconhecidos como os guardiões da terra, pois o seu trabalho deveria semear a vida e a felicidade de toda a raça humana. Porém, o que se observa atualmente é uma total inversão de valores, onde o lucro está no topo da pirâmide e é o objetivo a ser alcançado a todo custo.
 

Na Agricultura Natural temos a oportunidade de realinhar o pensamento-sentimento-ação do ser humano, levando-o a uma vida concorde com as leis naturais e, logicamente, ao bem-estar de todo o planeta. Dessa forma, o agricultor natural pode se tornar um sustentáculo da cultura de uma nova era da civilização do homo sapiens na medida em que lavrar a terra não somente com sua razão e conhecimento, mas também com seu amor e gratidão. Essa certamente será uma maneira eficiente de garantir não só a sobrevivência das futuras gerações do planeta mas também a sua alta qualidade de vida.

 

4. Respeitar a natureza e conservá-la
 

O ser humano é Terra. Vivemos em comunhão constante com a Natureza e dela nunca deveríamos ter-nos afastado. Desde os primórdios da aventura humana neste nosso pequeno planeta, aprendemos a ouvir e entender dos sussurros do vento até o cintilar das estrelas no céu. O jardim do éden foi e sempre deveria ser o nosso próprio quintal, repleto de vida que pulsa e se propaga continuamente. Cada planta, cada inseto, cada pequeno vertebrado, cada pedregulho, tudo está mergulhado num gigantesco caldeirão cósmico de energia pura e fluida, continuamente se deslocando daqui para ali, gerando vida por onde passa.

O sentido de buscarmos uma força maior interior está relacionado diretamente com a necessidade de nos religarmos à nossa própria origem, refazendo caminhos ancestrais e nos conectando com todo o meio ambiente circundante. Nosso pequeno planeta, orbitando uma estrela de quinta grandeza navegando na periferia de uma galáxia mediana do universo, constitui um milagre da vida, porém frágil e longe de ser único. Mas esse pequenino planeta, que comparado à imensidão cósmica que nos rodeia, assemelha-se mais a uma arca, metaforicamente referenciada a Nóe, na qual a aventura humana tem lugar juntamente com a aventura da própria Terra. Somos parte da Terra, viva que é, e respeitá-la é respeitar a nós mesmos.

 

5. Garantir alimentação para toda a humanidade, independentemente de seu crescimento demográfico
 
Este certamente é um dos pontos que mais atrai discussões e debates entre os defensores da agricultura convencional e aqueles que defendem uma forma mais humanizada e ecologicamente equilibrada na produção de alimentos. Afinal de contas, como será possível abastecer a sociedade moderna, com seu crescimento assustador, verificado principalmente nas últimas décadas, sem também elevar a capacidade de produção de alimentos em quantidades cada vez maiores? Os defensores do sistema convencional argumentam que é preciso usar toda a tecnologia disponível para transformar os campos agrícolas em verdadeiras fábricas de alimentos, sempre no menor tempo possível, usando a máxima capacidade de produção por área possível, etc. De fato, se observarmos mais atentamente os índices de crescimento demográfico e do consumo de alimentos em todo o mundo, chegaremos rapidamente a conclusão de que passadas mais algumas décadas o sistema todo entrará em colapso.


Sabidamente, a produção ecológica de alimentos vem na contramão do pensamento imediatista e exclusivamente econômico de explorar a terra e os seus findáveis recursos naturais. Esta forma de pensar e praticar a relação Natureza-homem leva em consideração que todos precisam ganhar, humanos e não humanos, e sendo assim, devemos respeitar certos limites no que diz respeito à capacidade produtiva dos vegetais e dos solos nas diversas regiões do planeta. Seria muito mais inteligente se usássemos a capacidade natural das diversas plantas, oriunda de milhões de anos de evolução, de se desenvolverem adequadamente em suas respectivas regiões de origem. Um bom exemplo disso sãs as plantas da família dos amarantos (Amaranthus sp.). Essas plantas são cosmopolitas e muitas variedades crescem quase que sem nenhum tipo de intervenção humana. Talvez justamente por isso seja uma planta tão menosprezada na maior parte do mundo.
 

O leitor provavelmente já deve ter estado próximo a um amaranto nos últimos dias pois estas plantas crescem inclusive nas frestas de muros, sarjetas de rua ou num terreno onde o mato tenha crescido. Talvez se usar os nomes comuns que ela recebe nas várias regiões do mundo, como por exemplo caruru ou cariru no Brasil, tsec em Moçambique, gimboa em Angola, etc. muitas pessoas certamente irão fazer referência à planta. Mas o que poucas pessoas da atualidade sabem é que esta plantinha é uma excelente fonte de diversos nutrientes como vitamina C, beta-caroteno, um precursor de vitamina A, ferro e outros, além de ser muito saborosa. E como normalmente não é muito exigente, ou melhor, como normalmente está muito bem adaptada ao ambiente onde cresce, demanda muito pouco recurso, como água e trabalho. 

Assim como os amarantos, existe um número quase infindável de espécies de plantas que poderiam tranquilamente garantir não só a sobrevivência humana em quase todo o planeta como também tornar a vida muito mais saudável e prazerosa. Contudo, a sociedade moderna globalizada criou seus próprios padrões de consumo, e é justamente isso que a faz refém de um sistema destrutivo e totalmente insustentável de produção de alimentos. Hoje já se sabe que se todos os seres humanos existentes no mundo quiserem fazer parte do padrão de consumo dos países mais ricos, serão necessários pelo menos mais 3 planetas Terra! Por esse padrão, em muitos lugares praticamente podemos encontrar de tudo nos supermercados e em qualquer época do ano. Está cada vez mais difícil tentar explicar às nossas crianças o conceito de frutas da época. Nossos alimentos da atualidade viajam milhares de quilômetros entre os campos de produção até nossas mesas e o custo ambiental e social desse nosso modelo é gigantesco.
 

Mas vamos voltar ao ponto central da presente discussão de como é possível que a Agricultura Natural, mesmo sem usar de toda a artificialidade tecnológica da atualidade na produção de alimentos, seja capaz de garantir a alimentação para toda a humanidade. Pelo que podemos perceber da discussão até aqui será necessário que as pessoas percebam, de uma vez por todas, que passou da hora de repensarmos nossa própria maneira de viver e dos relacionarmos com o nosso entorno. Isso certamente irá requerer um grande esforço de todos, pois não é fácil nos separarmos das conquistas que tivemos ao longo das nossas vidas. Temos que lembrar de que nosso sistema atual de sociedade não é altruísta e nem um pouco solidário. Pelo contrário, para que uma parcela relativamente pequena da humanidade possa usufruir de benefícios materiais, a maior parte dessa mesma humanidade perece sem qualquer perspectiva de uma vida digna e minimamente saudável.
 

A Agricultura Natural não pode ser pensada simplismente em termos de produção convencional de alimentos. Não basta apenas retirar do sistema o uso de adubos e agrotóxicos, mas continuar com o mesmo tipo de pensamento comercial, explorador e mecanicista. É preciso que o agricultor natural valorize o que existe perto dele, isto é, as plantas e alimentos que levaram milhões de anos de evolução para chegarem onde estão, sem se importar com os modismos consumistas da sociedade. O cidadão consumidor, por sua parte, precisa entender e conhecer o valor e sabor de alimentos que estão muito mais ao seu alcance do que pode imaginar. Seria muito interessante resgatar nossas origens antepassadas, com a visão de futuro que temos hoje. Esta certamente será uma experiência única na história da humanidade e ainda temos a chance de fazê-lo de forma relativamente tranquila e gradual em muitos lugares, ainda sem grandes traumas e distúrbios sociais. Temos tempo de rever muito do que estamos fazendo à natureza e irmos ao seu encontro, considerando-a nossa parceira e não nossa escrava ou inimiga.
 

Precisamos valorizar mais nossos conhecimentos ancestrais e nossa forma primordial de alimentação. Nada contra a uma deliciosa torta de morangos, desde que ela possa ser feita com as frutas frescas da época. Se desejarmos apreciar uma deliciosa manga madura, que tenhamos a paciência necessária para esperar a época certa do ano. E finalmente, precisamos nos desprender das amarras do mercado consumidor globalizado, buscando no nosso próprio meio aquelas fontes de alimentos que possam ser mais saudáveis e cultivados de maneira mais sustentável.

 

O desenvolvimento da Agricultura Natural no mundo
 
Inicialmente a Agricultura Natural proposta por Mokiti Okada desenvolvu-se quase exclusivamente no Japão. Contudo, já na década de 50 do século passado, muitos dos adeptos do novo método agrícola começaram a difundi-lo por outros países.
Seria exaustivo num curso como o nosso, descrever toda a história desse processo de internacionalização da Agricultura Natural. Por outro lado, vale a pena mencionar o estágio atual, pelo menos em parte, do trabalho agrícola baseado nos ensinamentos de Mokiti Okada. Consultas mais pormenorizadas podem ser facilmente encontradas na internet e qualquer pessoa pode ter acesso imediato a essas informações.   
 

Mas é preciso mencionar que, desde o início do trabalho de expansão do método da Agricultura Natural, seja pelo interior do Japão seja pelos países mundo afora, esse trabalho acabou sendo desenvolvido muitas vezes por pessoas e instituições independentes umas das outras. Dessa forma, por vezes poderão ser encontradas referencias ao método de agricultura de Mokiti Okada com nomes diferentes, porém com o mesmo sentido. Nomes como Agricultura Natural, Agricultura da Grande Natureza, Agricultura de Mokiti Okada, por exemplo, recheiam os mais diversos sites de compartilhamento de informações sobre o assunto.
 

Existem diversos centros de pesquisa e desenvolvimento da Agricultura Natural espalhados pelo mundo afora. Por exemplo, os trabalhos da Fundação Mokiti Okada no Brasil, foram iniciados no final dos anos 70 e hoje conta com a colaboração de dezenas de pesquisadores, muitos deles ainda ligados a várias universidades brasileiras. Além do Brasil, a Tailândia é outro grande centro de desenvolvimento técnico da Agricultura Natural e não podemos deixar de mencionar os trabalhos do agrônomo Paulo Oyama na França e mais recentemente em Portugal. Na França a Agricultura Natural já vem sendo praticada por sua equipe há cerca de 20 anos e o seu esforço ja conta com o reconhecimento oficial do governo francês.
 

Em África os primeiros passos da Agricultura Natural aconteceram em Angola, no ano de 2001, no município de Bom Jesus, na província do Bengo. Num terreno de aproximadamente 10 hectatres foi instalado o primeior Pólo de Agricultura Natural daquele país. Posteriormente os trabalhos em Angola cresceram e nos últimos anos ganharam ainda mais força com a inaquguração, em outubro de 2012, do Centro de Formação Profissional Mokiti Okada, em Cacuaco, Luanda. Hoje já são dezenas de terrenos espalhados por praticamente todas as provincias angolanas onde diversos agricultores praticam a Agricultura Natural.


Recentemente foi instalado o Pólo de Agricultura Natural de Norokie, na África do Sul. Naquele local, também existe o projeto para a instalação, além do próprio pólo agrícola, de uma escola de Agricultura Natural. Em Moçambique, os trabalhos com a Agricultura Natural começaram em 2006 e hoje contamos com três Pólos de Agricultura Natural, mais uma área que chamamos Centro Modelo de Agricutura Natural, em Michafutene. Dois dos nossos Pólos de Agricultura Natural em Moçambique encontram-seno distrito de Marracuene, nas comunidades de Agostinho Neto (quatro hectares) e Santa Isabel (1,5 hectare). O terceiro pólo está localizado no distrito da Moamba, numa parceria com a Associação de Agricultores do Sector Familiar do Bloco II da Moamba, numa área de sete hectares. 






Além do trabalho com os pólos de Agricultura Natural, também são fomentados os trabalhos com a agricultura urbana e hortas caseiras. Hoje, o movimento das Hortas Caseiras da Agricultura Natural ganhou contornos internacionais e vem sendo estimulado nos mais diversos setores da sociedade. Em áfrica, dezenas de milhares de famílias já estão praticando as Hortas Caseiras em mais de 20 países, com destaque para Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, República Democrática do Congo, África do Sul e outros. Outra linha de trabalho refere-e às hortas em instituições públicas e privadas, como hospitais, centros de saúde e reabilitação e escolas. 
 

Em Moçambique, como veremos mais adiante no nosso curso, diversos agricultores estão praticando a Agricultura Natural em suas machambas e muitos deles já estão comercializando seus produtos de forma diferenciada, criando suas próprias redes de distribuição agrícola, onde conseguem obter resultados financeiros muito mais atrativos ao mesmo tempo em que conseguem oferecer, ao seu público consumidor, preços mais acessiveis de produtos orgânicos/naturais que aqueles normalmente praticados pelas redes locais de supermercados. Essa estratégia também será abordada no nosso curso e por hora podemos adiantar que esses ganhos só estão sendo possíveis graças à otimização das relações entre produtor agrícola e consumidor, obtida através das redes domésticas de comercialização.



Nenhum comentário:

Postar um comentário