domingo, 26 de abril de 2015

CURSO DE AGRICULTURA NATURAL E GESTÃO AMBIENTAL - 2015: AULA 7

Agricultura Urbana
(Capítulo 1 do Módulo 5 do Livro do Curso de Agricultura Natural)

A agricultura urbana, como sugere seu próprio nome, é aquela praticada em pequenos espaços dentro das cidades e em seu entorno, nesse caso chamada agricultura periurbana.

Precisamos lembrar que a agricultura sempre esteve ligada diretamente às cidades. Já vimos no Módulo 1 desse nosso Curso de Agricultura Natural que a possibilidade da fixação do homem, ou seja, a passagem do modo nômade de vida para o modo sedentário, e a formação de pequenos grupos familiares, que formaram futuramente as urbes e cidades, é diretamente atribuído ao advento da descoberta e prática da Agricultura.

Assim, falar em agricultura urbana é retornar a origem da agricultura que com a modernização, crescimento e verticalização das cidades foi sendo afastada para os campos agrícolas e deixando de fazer  parte do dia-a dia das populações urbanas.
Claro que, como em todas as regras, existem exceções e com este tema não é diferente. A agricultura continua a ser praticada em muitas cidades ao redor do mundo. Em algumas cidades, esse processo deixou de existir em algum momento mas em muitas delas está a ser recuperado, em outras urbes essa recuperação da agricultura urbana é recente mas em todo o mundo é um processo atual que vem a cada dia aumentando em número e formas diferentes de ser implantado.

Pelas próprias características das propriedades e seus tamanhos, a agricultura urbana baseia-se na agricultura familiar ou nas pequenas propriedades agrícolas.
Em muitos locais esse tipo de agricultura é feito quase como um hobby ou, como já ouvimos algumas vezes, é praticada como se fosse uma espécie de agricultura psicológica. Mas os objetivos da agricultura urbana tem mudado e passaram na última década a ser a produção de alimentos em quantidades suficientes para alimentação humana e uma forma de obtermos alimentos mais frescos e de melhor qualidade perto de nossas casas.
Por ter um caráter familiar, de subsistência, sem muitas vezes uma preocupação com a comercialização dos produtos, a agricultura urbana geralmente não faz uso de agrotóxicos, ou quando a faz estes são usados em pequenas quantidades. Desta forma, os produtos produzidos neste sistema podem ser considerados mais saudáveis.





Além disso, são produtos produzidos próximo ao consumidor, portanto são geralmente mais frescos, já que não precisaram ser descolados a longas distâncias. Como não precisam ficar durante um longo período em deslocamento, é reduzido também o uso de produtos conservantes nos alimentos, garantindo produtos de melhor qualidade. Além do mais, reduzimos também a quantidade de combustíveis utilizados para o deslocamento da produção, contribuindo também para a redução da pegada de carbono desse tipo de produção agrícola.

Além das hortas ou espaços agrícolas familiares ou comerciais, encontraremos nas cidades e seus entornos outros tipo de espaços que vêem crescendo nos últimos anos, as chamadas hortas comunitárias ou institucionais. Esses espaços geralmente são geridos de forma comunitária e atendem comunidades, geralmente carentes, escolas e outras instituições reduzindo assim os custos destas com a aquisição de alimentos, e garantindo melhor nutrição, principalmente aos grupos mais vulneráveis, como crianças, idosos, gestantes e pessoas carentes. A coletividade é responsável pela produção de alimentos e se beneficia diretamente com uma alimentação mas saudável e mais diversificada.



Precisamos ressaltar que muitas das vezes o desenvolvimento das cidades é feito sem nenhum planejamento e zoneamento das áreas, assim muitas das áreas consideradas produtivas para a agricultura acabam por transformarem-se em zonas habitacionais. Desse modo, a prática agrícola nessas áreas é mais do que justificável.

Consideremos também que o exodo rural tem se acentuado cada vez mais e um número cada vez maior de pessoas habitam nas  zonas urbanas. Considerando essa maior quantidade e uma maior importação de alimentos pelas cidades podemos verificar que todo esse processo causa grandes danos ambientais e sociais que podem ser minimizados pela implantação das hortas urbanas.

Essa minimização pode ocorrer devido ao melhor aproveitamento dos espaços urbanos, como praças, terrenos vazios, canteiros de vias públicas, garantindo uma proteção ambiental de seu solo, bem como a melhoria da segurança do local, evitando a ocupação destes terrenos por atividades indesejadas.

A redução da pressão ambiental pode-se refletir não somente na cidade, mas também, no campo com a redução dos espaços utilizados para a produção de alimentos para a cidade.
Portanto, dessa forma vemos cada vez mais iniciativas para a ocupação de espaços urbanos para a produção de alimentos saudáveis, sejam apoiados por instituições governamentais, não governamentais, religiosas, comunitárias, sociais, desportivas, educacionais, etc.


Movimento da Agricultura Urbana no Mundo
(Capítulo 2 do Módulo 5 do Livro do Curso de Agricultura Natural)

O movimento da Agricultura Urbana não é novo no mundo.  Em muitas cidades ao redor do mundo ela é praticada e vemos em alguns países um incentivo forte para sua prática, enquanto em sentido contrário vemos alguns países a tentarem dificultar esta prática.
Estima-se que 15% de todos os alimentos consumidos nas áreas urbanas sejam  cultivados por agricultores urbanos e que essa porcentagem duplique em vinte anos. Cerca de 800 milhões de pessoas estão envolvidas na produção agrícola urbana no mundo.
Em países, como Cuba e Rússia, por exemplo, a agricultura urbana é responsável por grande parte da alimentação da população, e são retiradas toneladas de alimentos das cidades anualmente.

Aproximadamente 72% de todas as famílias urbanas na Federação Russa cultivam alimentos. Berlim, por sua vez, tem mais de 80 mil agricultores urbanos. (Fonte: UNCHS, 2001a e 2001b)

Em Cuba a pós a queda do comunismo na Rússia e a intensificação do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos, o país viu-se numa grande crise alimentar , pois a maior parte do que produzia na época era direcionado a exportação enquanto sua alimentação era importada dos países comunistas/socialistas.

Desta forma uma grande iniciativa governamental iniciou um grande projeto para a produção de alimentos nas áreas urbanas de todo o país sendo esta atualmente é responsável por cerca de 80% de tudo o que é consumido no país.
Em África, apesar de nem sempre haverem estudos sobre o assunto ou incentivo governamental, é claro que existem as excessões, vemos a agricultura urbana sendo praticada em muitas cidades e vilas.

Isso deve-se em parte pelas condições nem sempre adequadas que as famílias africanas, principalmente aquelas que vivem nos perímetros das cidades e nas vilas interioranas, tem em adquirir seus alimentos. A agricultura urbana em muitos desses casos é a única fonte de alimentos que boa parte dessas famílias encontra.

Em contrapartida encontramos também em muitas dessas áreas, espaços enormes, com água disponível e nada plantado, quintais limpos, vazios e bem varridos, enquanto os moradores passam fome, ou mesmo desequilíbrios nutricionais advindos de uma dieta deficiente.

Alguns desses casos são explicados pelo distanciamento da terra, geralmente das gerações mais novas, que foram afastadas de suas localidades devido aos grandes períodos de guerra, e com isso não tiveram a oportunidade de aprender a cultivar a terra. Mas em outros casos isso se explica por questões sociais, já que a agricultura em muitos desses países é considerada profissão menor, profissão de quem não teve outra oportunidade na vida, e em muitos casos as pessoas que conseguiram chegar a viver nas cidades, e ter uma profissão diferente, não admitem que elas ou seus filhos retornem a enxada.

Mas geralmente em África a produção urbana, ou periurbana de alimentos é muito presente. Em alguns países esse cultivo é mais presente coo por exemplo no Quênia e na Tanzânia 66% das famílias urbanas cultivam alimentos utilizando todos os espaços disponíveis nas cidades.

Observamos essas características também em Moçambique, quando durante o período chuvoso, as áreas desocupadas e até as bernas das estradas, se transformam em campos de cultivo, onde principalmente as senhoras cuidam do plantio de milho, amendoim, feijão-nhemba e abóbora, culturas que necessitam de poucos cuidados para produzirem.



Técnicas de Cultivo em Pequenos Espaços
(Capítulo 3 do Módulo 5 do Livro do Curso de Agricultura Natural)

Em pequenos espaços precisamos trabalhar para aproveita-los ao máximo. Para as pessoas que tem pequenos quintais é importante escolher variedades agrícolas que se adaptem bem a essa questão bem como organiza-lo para que plantas companheiras possas ficar próximas e as antagônicas possam ficar separadas, podemos também plantar plantas que sejam suporte para outras, assim como podemos plantar plantas trepadeiras, ou que precisem de suporte perto de árvores frutíferas ou de sombra. Como exemplo podemos plantar tomateiros próximos ao caule de árvores frutíferas, assim eles usarão o tronco das árvores como suporte.



Neste caso podemos também utilizar os muros ou cercas como suporte para vasos ou outras estruturas de plantio como caixotes e sacos. O uso de prateleiras, escadotes e outras estruturas que aumentem nossa área de cultivo também é importante.

É importante também levarmos em conta a possibilidade de plantio de variedades agrícolas perenes, ou seja, aquelas que não morrem ao final do ciclo de cultivo, ou que produzem durante todo o ano, assim, mantemos o quintal sempre plantado dando maior motivação para o cuidado com as plantas.

Neste caso precisamos levar em conta o adensamento da produção, plantando um número maior de plantas por metro quadrado. O que nem sempre é possível de ser feito em espaços maiores devido ao cuidado que exige, e que neste caso pode e deve ser feito. Como o espaço é menor os cuidados com as plantas podem ser maiores. A utilização de composto orgânico pode ser mais frequente, os cuidados com a rega também. As sachas ou capinas demorarão menos tempo para serem realizadas e os caminhos podem ser reduzidos, tendo-se o cuidado ao caminhar entre as culturas para o plantio em uma maior área e consequentemente uma maior produtividade do seu pequeno espaço.

Para aqueles que não possuem quintais e utilizarão varandas, lages, ou outros espaços, podemos também aumentar a produtividade no momento da escolha dos recipientes que utilizaremos para o plantio, bem como na escolha dos alimentos que plantaremos e como o os organizaremos dentro da nossa “pequena propriedade”.






Por exemplo, podemos em vasos maiores plantarmos algumas trepadeiras, ou árvores de fruta de pequeno porte, como amoreiras, goiabeiras, limoeiros, e no entorno do vaso utilizar para plantarmos temperos e hortícolas.

Assim também o plantio de espécies trepadeiras, como abóboras, pepinos, carás, ora-pro-nobis, pode aumentar nossa produtividade por metro quadrado, pois estaremos aumentando a nossa área produtiva.

Na verdade, dentro destes espaços precisamos entender que na agricultura urbana trabalhamos com 3 dimensões e não somente com duas como faz a agricultura convencional. Desta forma, deixamos de trabalhar com área cultivada e passamos a trabalhar com volume cultivado. Assim aproveitando todos os espaços que possuímos teremos cada vez mais alimentos com melhor qualidade.


segunda-feira, 20 de abril de 2015

CURSO DE AGRICULTURA NATURAL E GESTÃO AMBIENTAL - 2015: AULAS 5 e 6

Produção de mudas
(Capítulo 7 do Módulo 2 do Livro do Curso de Agricultura Natural)
Agora que já conhecemos um pouco mais sobre a natureza do solo, já estudamos como organizar nosso terreno, reconhecemos as características de nossa área e região, preparamos nossos canteiros e fizemos nossas composteiras, chegou o momento de começarmos a aprender um pouco mais sobre como produzir adequandamente nossas mudas.
Muitas espécies de plantas, em especial as hortícolas, possuem sementes muito pequenas e suas plântulas são muito delicadas. Além disso, nessa fase do desenvolvimento vegetal, as raízes também são extremamente finas e qualquer descuido por parte do agricultor pode danificá-las, com considerável prejuízo no desenvolvimento final das plantas, além da necessidade que terá de consumir mais água de irrigação quando essas mudas forem transplantadas, como veremos um pouco mais a frente. Além disso, temos que levar em consideração também as questões econômicas, pois nem sempre as sementes que temos à disposição no mercado são baratas, principalmente levando em consideração a realidade sócio-econômica das comunidades de agricultores camponeses do interior da África.
Por outro lado, temos tentado também produzir e distribuir nossas próprias sementes oriundas da Agricultura Natural, principalmente para aquelas espécies vegetais de mais fácil propagação. Também temos incentivado um grande número de pequenos agricultores que o façam e distribuam parte de sua produção àqueles que queiram iniciar esse tipo de trabalho. Como já tinha ficado evidente anos atrás, a produção de sementes na ótica da Agricultura Natural também segue numa lógica um pouco diferente do sistema convencional. Por isso, as quantidades de sementes muitas vezes obtidas em nossos campos naturais não são as mesmas verificadas nos campos repletos de tecnocracia. Dessa forma, a produção adequada de mudas a partir de sementes naturais ganha, no nosso contexto africano, contornos que merecem um pouco mais de atenção.

Algumas sementes da Agricultura Natural produzidas em Moçambique.

Normalmente, os camponeses do interior moçambicano estão habituados a produzir suas mudas lançando as sementes adquiridas diretamente em canteiros, no que são chamados de sementeiras. Inicialmente, esse tipo de trabalho traz sim considerável economia de tempo, mas a longo prazo estarão imbutidas nessa equação variáveis que podem deitar por terra a sustentabilidade do sistema. Isto por vários fatores como veremos a seguir.
O primeiro ponto que precisamos considerar é o fato de que as sementeiras consomem grande quantidade de sementes sem que todas elas cheguem a ser transplantadas. Num levantamento que realizamos há alguns anos verificamos que, numa sementeira típica, o percentual de perda de mudas, que ou não eram transplantadas ou ainda não conseguiam sobreviver, era de mais de 50%. O agricultor precisa entender que quem mais ganha com esse tipo de prática é a indústria produtora e revendedora de sementes! Mas os danos não são somente esses.
No sistema de sementeiras, as plântulas nascem muito próximas umas das outras e assim seus delicados sistemas radiculares ficam entrelaçados. Ao serem separadas as mudas, por ocasião do transplantio, é impossível não danificar suas delicadas raízes. O resultado é o stress que a muda sofre ao ser colocada no seu local definitivo no canteiro. A maioria das mudas de hortícolas plantadas dessa maneira levam dias para recuperar seu vigor, quando o conseguem. E para tentar atenuar esse stress, acaba-se consumindo quantidades maiores de água na irrigação dos canteiros nessa fase. Além disso, existe a perda de tempo útil em que a planta já teria de estar dando continuidade ao seu desenvolvimento, mas que agora ela passa por um processo de quase ressuscitação no campo.
Quando começamos a discutir essas questões com nossa equipe de campo há alguns anos e também com agricultores familiares de nossa região, descobrimos que muitos deles simplesmente não acreditavam que uma única sementinha era capaz de se transformar numa planta vigorosa e produtiva. Acabamos por adotar o lema de que “uma semente, uma planta” na tentativa de convencê-los até mesmo do poder da natureza. Apesar das resistências normais a qualquer ideia nova por parte de um grupo de pessoas ou comunidade, começamos a preparar nossas primeiras bandejas de mudas, algo impensável para muito dos nossos colaboradores de até então.

Construindo o viveiro de mudas
Para a produção adequada de mudas é necessário termos um espaço devidamente protegido dos ventos fortes, da insolação direta e da ação predatória de alguns animais como galinhas e pássaros. Na fase de desenvolvimento inicial, as plântulas são uma verdadeira iguaria e por isso muitos animais as apreciam.
A construção do viveiro poderá ser feita usando-se materiais que muitas vezes são encontrados no próprio terreno ou nas suas vizinhanças. Também podem ser usados materiais comprados em lojas especializadas, mas no caso desse curso, vamos dar prioridade, sempre que possível, às formas mais simples de fazê-lo, levando em conta, mais uma vez, a realidade de nossas comunidades agrícolas.
O primeiro passo é determinar a quantidade de mudas que serão necessárias para manter o campo em produção permanente. Isto é, a quantidade de mudas que precisam ser produzidas ao longo dos meses para garantir que quando um pé de repolho, por exemplo, seja colhido, exista uma muda daquela mesma planta pronta para ser plantada no mesmo lugar da que foi retirada. Esse aspecto é de vital importância, pois dependendo da cultura desejada temos janelas de cultivo bem estreitas no decorrer do ano e nesses casos, cada dia conta. Além disso, terra parada inutilmente não produz comida e precisamos aproveitar ao máximo as atividades microbiológicas do solo, os compostos incorporados e a água de irrigação para otimizar nossa produção agrícola. Assim, dentro das condições normais, quanto menos tempo nossos canteiros permanecerem vazios entre uma colheita e o replantio, melhor.
Uma forma simples de construir um pequeno viveiro de mudas, usando estritamente materiais locais, pode ser visto na figura abaixo. Esse viveiro foi construído com estacas de madeira e no lugar do tradicional sombrite usaram-se folhas de coqueiro entrelaçadas.

Viveiro de mudas construído com estacas de madeira e folhas de coqueiro na comunidade do Chitondo, interior da província de Inhambane.

Mas para o caso de se desejar uma produção maior de mudas, podem ser construídos viveiros maiores. Um de nossos viveiros foi construído com as dimensões de 5 x 10 metros, usando basicamente toras e estacas de madeira para as estruturas, caniço para os revestimentos laterais e sombrite para a cobertura. A sequência de fotos a seguir mostra algumas etapas da construção desse nosso viveiro, instalado em Marracuene.

Implantação do viveiro de mudas na Machamba Modelo de Agricultura Natural de Marracuene.

Devemos tomar cuidado para não construirmos o viveiro em áreas muito sombreadas. Muitas das espécies de culturas necessitam de uma certa insolação para que suas sementes germinem bem e se desenvolvam adequadamente. Dentro do possível, procuramos instalar nossos viveiros em alguma área que permita um sombreamento somente parcial. Isto porque, em alguns casos, há plantas que já não suportam o forte calor africano e as sombras acabam ajudando a atenuar as temperaturas no interior dos viveiros.
A produção de mudas de hortícolas, bem como frutíferas, florestais e/ou nativas requer cuidados diários, uma vez que problemas adversos podem ocorrer durante o período de desenvolvimento da muda, podendo, assim prejudicar todo seu planejamento de produção. Devemos observar a porcentagem de germinação das sementes, acompanhar o seu desenvolvimento e verificar como se comporta em situações de calor intenso, falta de luz solar no viveiro, falta ou excesso de água, etc. O resultado deste comportamento poderá definir a melhor época de cultivo das mesmas. É muito importante o agricultor ter o hábito de anotar todas as informações pertinentes, bem como as observações que for fazendo ao longo do tempo para que, no futuro, essas mesmas informações possa ajudá-lo a otimizar cada vez mais a sua produção agrícola.

Preparando as bandejas de mudas
Para preparar mudas de forma adequada precisamos de algum investimento. Agora é que a economia de recursos financeiros que a Agricultura Natural nos proporciona começa a mostrar seus resultados. Parte do dinheiro economizado quando evitamos comprar adubos e defensivos, poderá ser utilizado em investimentos mais duradouros na propriedade como por exemplo bandejas de mudas e eventuais sistemas simplificados de rega.
Evidentemente que em escalas domésticas ou mesmo em pequenas hortas escolares, podemos utilizar materiais alternativos e recicláveis tais como bandejas de ovos, garrafas plásticas e outros. Mas já para uma produção mais sistemática, bandejas próprias para mudas acabam sendo muito mais interessantes a médio e longo prazos.
Basicamente, em Moçambique, existem dois tipos de bandejas para mudas. A mais comum e barata é feita de plástico e possui modelos com as células de vários tamanhos. Outro tipo de bandeja são aquelas feitas com esferovite (isopor), de preço um pouco mais elevado. Nossa experiência tem mostrado que tendo os cuidados necessários, essas bandejas podem durar anos e sua aquisição pode ser feita por sistemas de cotas entre grupos de agricultores, com redução considerável dos custos individuais iniciais. 

Tipos diferentes de bandejas de mudas. A esquerda vemos as bandejas de esferovite e a direita as de plástico.

Uma vez escolhida a bandeja passamos para a produção do substrato. A produção de mudas requer alguns cuidados especiais e um deles diz respeito ao material sobre o qual iremos lançar nossas sementes. Convencionalmente, esses substratos são oferecidos já “enriquecidos” com fertilizantes químicos e muitas vezes já com algum tipo de defensivo (agrotóxico). No nosso caso, porém, temos na produção das mudas a primeira oportunidade de reeducar nossas sementes, principalmente aquelas ainda adquiridas comercialmente, ao tipo de manejo que a planta irá receber ao longo do seu desenvolvimento. Nossos substratos não recebem nenhum tipo de adição de substâncias sintéticas e tentamos mantê-los o mais próximo possível, em termos de composição, ao tipo de solo que as futuras plantas terão à sua disposição.

Preparo do substrato
O substrato que devemos colocar nas bandejas de produção de mudas (plástica, esferovite) deverá ser preparado com 50% de terra (arenosa) e 50% de composto cortado em partículas bem reduzidas. Em seguida, devemos molhar o substrato até atingir umidade de 30%, de forma que possamos preencher as bandejas sem que o solo seja perdido nas aberturas do fundo. Uma forma prática de saber se a umidade está adequada é pegar uma porção de substrato na mão e apertá-la. Se, ao abrir a mão, não se formar um torrão significa que ainda precisa de mais água. Se ao apertar o substrato escorrer água entre os dedos, significa que a umidade está excessiva. O ideal é que se forme um torrão que se desfaça com o apertar dos dedos da outra mão.

Preenchimento das bandejas de mudas com substrato.

Nesta etapa podemos usar misturas de terra e areia, acrescida de composto de folhas secas bem trituradas. Uma alternativa que verificamos com o passar dos anos é usar a terra escurecida que fica no fundo de nossas composteiras ou mesmo a camada superficial de solos que encontramos em áreas de cultivo de composto, ou seja, naquelas áreas onde deixamos o mato crescer com o acúmulo de restos de folhas das árvores. Uma outra  proporção interessante a ser usada na formulação do substrato é ter 50% de areia, 30 a 40% de composto natural e 10 a 20% do solo dos canteiros que receberão as mudas. Porém, para cada região, os próprios agricultores poderão desenvolver seus substratos de forma mais adequada às suas necessidades e condições locais. O conceito que precisa ficar claro é que esse material precisa ser leve para que as plântulas possam desenvolver suas raízes de forma adequada, sem adensamentos e estagnação de água.

Semeadura
Antes de terminar o preenchimento do substrato nas bandejas, deve-se deixar uma pequena parte não preenchida de cerca de 3 mm e iniciar a semeadura das culturas. Vale ressaltar que a profundidade de plantio poderá variar de acordo com cada cultura. Após semear as sementes, cobrir as bandejas com a mesmo substrato preparado e regar com pulverizador.


Semeadura nas bandejas de mudas.

O tempo de permanência das mudas no viveiro varia de acordo com a cultura, podendo estar entre os limites de 20 a 30 dias. De forma técnica, as plantas devem ser transferidas para o canteiro quando estiverem com 3 a 4 folhas definitivas.       

Irrigação das bandejas
Por fim, devemos também ter muito cuidado com a irrigação das bandejas contendo as sementes e plântulas. Nessa fase, se não houver a atenção necessária, jatos fortes de água podem até mesmo deslocar as sementes de seus receptáculos e no caso das plântulas danificá-las severamente. O ideal é que essa operação seja feita com o auxílio de pulverizadores, desde que nunca tenham sido usado, anteriormente, com venenos e agrotóxicos. Sistemas adaptados de microaspersão também podem ser usados.


Irrigação de mudas com o uso de pulverizador.

Uma alternativa muito interessante, e de custo quase zero, é construir os nossos próprios regadores de viveiros. Para isso, basta tomar uma garrafa PET de água, por exemplo, e com o auxílio de uma agulha de costura com a ponta aquecida ao rubro, perfurar a parte lateral superior. Dessa forma, será possível obter um fluxo muito suave de água e assim evitamos maiores problemas. 

Regador para mudas fabricado com garrafa PET reciclada.

Viveiro de espécies florestais e frutíferas
Para a produção de mudas de espécies frutíferas, florestais e/ou nativas devemos preparar bem o solo que serão colocados nas bolsas plásticas, pois o tempo de permanência das diferentes espécies de plantas no viveiro podem variar de meses a até dois anos, dependendo da espécie. O substrato poderá ser feito da mesma forma proposta para o viveiro de hortaliças e em seguida, semeadas as culturas.


Produção de mudas de espécies florestais frutíferas no viveiro da Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene.


Plantio e transplantio
(Capítulo 8 do Módulo 2 do Livro do Curso de Agricultura Natural)
No capítulo anterior discutimos a importância da produçào adequada de mudas, especialmente daquelas plantas que possuem sementes muito pequenas. No entanto, por vezes é recomendado proceder à semadura direta de muitas culturas agrícolas, mesmo que estas tenham sementes pequenas, como é o caso, por exemplo, das cenouras.
Após atingir o período adequado de preparo do solo podemos iniciar o plantio/transplantio das culturas, respeitando-se, como já dissemos, a melhor época de produção, o tipo de solo mais adequado, bem como o espaçamento correto para cada caso.
A profundidade de semeadura das sementes varia com cada cultura, mas de forma geral, devemos semear a cultura a uma profundidade de 3 vezes o tamanho da semente. Sementes muito pequenas colocadas em profundidades muito elevadas podem não ter força suficiente para se desenvolver.

Plantio
Após o período de preparo da terra, retira-se o capim seco e revolve-se a terra novamente, pois durante o período de preparo podem ter se formado camadas duras na superfície do solo. Em seguida são abertas linhas de plantio e semeia-se a cultura desejada, respeitando-se o compasso. Por fim, cobre-se com uma fina camada de capim seco ou ainda o caniço, nesse último caso nos intervalos entre as linhas. 

Plantio direto de rabanetas com caniço nas entrelinhas. Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene.

Transplantio
As culturas que necessitam de transplantio devem ser retiradas cuidadosamente do viveiro de mudas com o uso de uma pá de transplante, após atingirem 3 a 4 folhas definitivas. Abre-se uma cova no canteiro definitivo e planta-se a muda, nivelando-a com a superfície do solo. Em seguida, cobre-se com terra, preenchendo os espaços vazios  e dando uma leve pressão para evitar bolsões de ar. Após o transplantio, deve proceder a rega e por fim cobre-se com capim seco para proteger a planta contra a radiação solar intensa e manter a umidade do solo por mais tempo.
O transplantio das culturas que estão em viveiro deverá ser realizado preferencialmente no período mais fresco do dia, ou seja, a partir das 16 horas, de forma que as plantas não sofram após sua transferência para o campo. 


Transplante de mudas.
                  
Determinadas culturas necessitam de equipamentos adicionais para promover a semeadura dos campos. É o caso das cenouras, cebolas e rabanetes por exemplo. Essas culturas podem e devem ser plantadas com um certo adensamento, afim de garantir uma boa produção por hectare. Porém, o número de plantas por metro quadrado acaba sendo muito alto e se formos colocar as sementes no solo manualmente, certamente teremos muita dificuldade em obter os rendimentos agrícolas adequados. A alternativa, portanto, é usar semeadores e plantadeiras. No caso de cereais como o milho, por exemplo, a semeadura poderá ser feita manualmente caso a área a ser cultivada seja relativamente pequena. Porém, se a intenção é cultivar em grandes espaços, o uso de equipamentos é quase inevitável.
Existem no comércio diversos tipos de semeadeiras e plantadeiras. A escolha poderá ser feita, principalmente em relação ao capital disponível para ser investido. Mais uma vez, levando em consideração a realidade econômica de nossas comunidades agrícolas, vamos nos atentar aos equipamentos mais simples e baratos.


Uso de plantadeira tipo matraca no plantio de feijão no Pólo de Agricultura Natural da Moamba.


Plantadeira alternativa para sementes miúdas como cenouras, rabanetes e outros. Uma vídeo-aula mostrando a construcão desse equipamento pode ser visualizada no endereço https://www.youtube.com/watch?v=cqLOt4TMt0c.


Tratos culturais
(Capítulo 9 do Módulo 2 do Livro do Curso de Agricultura Natural)
Tratos culturais são operações agrícolas que devem ser realizadas durante o período de desenvolvimento das culturas, de forma que a planta possa expressar o máximo de seu potencial de produção. Dentre estas práticas podemos citar: adubação de manutenção, capina, escarificação, desbaste, tutoramento, controle de insetos, cuidados com rega, cuidados no transplantio e amontoa.


Adubação de manutenção
Antes de iniciarmos o plantio ou transplantio das culturas no campo, preparamos o solo de forma a garantir os nutrientes para o seu desenvolvimento através da ativação de sua microbiota, principalmente. No entanto, por vezes estes nutrientes incorporados ao solo durante seu período de preparo não são suficientes para garantir o bom funcionamento do sistema até que as culturas atinjam seus respectivos pontos de colheita, bem como suas produções desejadas. Sendo assim, é importante fazermos a adubação de manutenção das culturas, lembrando sempre que a matéria orgânica incorporada ao solo servirá para manter ativa sua biologia.
Esta operação consiste em colocar compostos orgânicos previamente decompostos ao redor de cada planta, tomando-se o cuidado para não colocá-los sobre a planta, pois isso poderia ocasionar queimaduras devido ao processo de decomposição da matéria orgânica parcialmente decomposta. Essa prática deverá ser realizada quando observarmos que as culturas estão apresentando alguma deficiência e/ou paralisação no seu desenvolvimento.


Capina (sacha)
A capina (sacha) deve ser praticada periodicamente, à medida que observarmos que a vegetação espontânea está se desenvolvendo mais que as culturas principais. O capim retirado do local, poderá ser incorporado novamente ao solo ou mesmo servir como composto para o próximo cultivo.

Escarificação
Com as regas diárias dos cultivos, o solo, quando for de textura média ou argilosa, tende naturalmente a ficar parcialmente compactado em sua superfície, trazendo como consequência a redução da infiltração da água, o impedindo o desenvolvimento adequado das raízes das plantas, bem como absorção de nutrientes. Sendo assim, ao observarmos uma redução no desenvolvimento das culturas, devemos fazer uma leve escarificação, ou seja, revolver a terra com um ancinho ou sacho manual ao redor de cada planta ou linha de plantio, de modo que o solo fique mais fofo e permeável. Durante esta prática, devemos tomar o cuidado para não ocasionar a quebra ou danos às raízes. O uso constante de cobertura morta pode ajudar a evitar a necessidade desse tipo de trato cultural.

Desbaste
O desbaste de plantas, é uma operação agrícola que consiste em arrancar as mudas excedentes que se desenvolvem nos canteiros das hortícolas que foram plantadas diretamente. Um exemplo prático é o caso do plantio de cenoura e beterraba. Durante a semeadura, normalmente colocamos mais de uma semente em um único sítio dentro da linha de plantio com objetivo de garantir a germinação. Com isso, ao germinar, nasce mais de um planta em um único local e assim, faz-se necessário a retirada das mudas excedentes e deixar apenas uma única planta, de forma que a raiz possa se desenvolver adequadamente e a produção seja garantida.

Tutoramento
Algumas hortícolas crescem muito, mas têm os caules finos e que se quebram ou dobram com facilidade, principalmente quando estão produzindo. Caindo, ficam encostados ao solo úmido e suas folhas apodrecem, prejudicando a planta e a sua produção. Além disso, nessa condição dificultam muito a colheita dos frutos, como por exemplo os tomateiros. Para evitar que isso aconteça, devemos fazer o tutoramento ou estaqueamento das plantas, principalmente com bambus ou estacas de caniço, por exemplo. Estas estacas, poderão servir como suportes de sustentação da planta, como é o caso do tomate e feijão verde.
Outra forma de fazer o tutoramento, é colocar nos limites do canteiro um tronco de madeira de aproximadamente 1 metro de altura, esticar um arame por cima e em seguida, colocar em cada planta uma linha de algodão que possa servir como tutor, sendo a linha amarrada ao pé da planta até o arame que está esticado acima, de forma que a planta permaneça sustentada.


Tutoramento usando estacas e arames.


Controle de insetos
Na agricultura natural, o controle do ataque de insetos deve ser feito através do estabelecimento do equilíbrio ecológico em todo o sistema. Neste sentido, devemos trabalhar com os conceitos de manejo ecológico do solo, que permitem estabelecer uma produção agrícola, onde a biodiversidade, as interações do solo com as culturas e o clima sejam levadas em consideração para o sucesso da produção natural e assim, as plantas atingirem seu máximo potencial de desenvolvimento.
O inseto não deve ser encarado como um agente prejudicial ao sistema, mas sim como parte integrante de todo o sistema produtivo. Se um ataque de insetos está ocorrendo em sua produção agrícola é para mostrar que algo na sua forma de manejar o solo não está de acordo com às Leis da Natureza.
Ao desbravar uma área para o plantio de culturas, sem querer, acabamos por gerar desequilíbrios ao sistema, acarretando em destruição dos abrigos dos inimigos naturais e exposição do solo a condições adversas, gerando, consequentemente, a predominância de uma determinada população de inseto que acaba tornando-se “praga”.
Neste sentido, o estabelecimento de aceiros e faixas de vegetação nativa entre os canteiros produtivos, o respeito à melhor época de cultivo e a aptidão do solo com a cultura,  torna-se fundamental para a manutenção do equilíbrio natural entre os cultivos e com isso, manter o sucesso da produção agrícola.

Cuidados com a rega
A necessidade de água das culturas varia de espécie para espécie, existindo culturas que sobrevivem em condições de sequeiro e outras que necessitam de áreas inundadas para se desenvolverem adequadamente. As condições de sequeiro são estabelecidas após o pegamento da cultura no campo e um exemplo prático são as culturas de manga, caju, massala, maphilwa, canhueiro e mafureira, que após estabelecidas no campo, praticamente sobrevivem com a absorção da água subterrânea.
Já o arroz e agrião, são exemplos de culturas que se desenvolvem em locais inundados, sendo portanto, mais proprícios para serem produzidos em solos argilosos, que conseguem reter maiores quantidades de água.
Sendo assim, respeitando-se as condições inerentes de cada cultura, podemos definir alguns cuidados com a rega. Ela deve ser feita preferencialmente, no período da manhã até no máximo 8 horas e no final do dia a partir das 16 horas. Devemos tomar cuidado para não jogar jatos fortes da água sobre o solo, bem como sobre as plantas, pois do contrário podemos criar camadas duras na superfície do solo e ainda quebrar as plantas. Isto geralmente acontece quando é utilizado mangueiras ou baldes para realizar a rega. Portanto, uma prática simples para quem utiliza mangueiras, é colocar o dedo na ponta da mangueira, de forma a reduzir o impacto da água e regar a sua horta como se fosse uma chuva fina.

Amontoa

Essa prática agrícola deve ser realizada em algumas culturas, principalmente aquelas que objetivamos colher os bulbos e/ou raízes, como é o caso do amendoim, a batata-doce, batata-rena, beterraba, cebola, cenoura, rabanete, entre outros. Muitas destas culturas, antes mesmo de atingir sua produção, começam a sair para fora do solo e com isso, sofrem com ressecamento e reduzem seu desenvolvimento. Portanto, faz-se necessário a operação de amontoa, que se refere a junção de mais terra ao redor da base do caule da planta, de forma que a terra cubra a parte da raiz que está saindo para fora e garanta melhor produção.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Curso de Agricultura Natural e Gestão Ambiental - 2015: AULA 4

Planejando a produção e preparando o solo
(Capítulo 5 do Livro do Curso de Agricultura Natural de Moçambique)
A essa altura, o leitor/estudante certamente já deve ter percebido que nesse nosso curso de Agricultura Natural estamos evitando ao máximo indicar receitas ou fórmulas para desenvolver o trabalho natural da terra. De fato, temos por hábito informar às pessoas que se interessam em aprender um pouco mais sobre a Agricultura Natural que ensiná-la, na verdade, é algo quase impossível, pelo menos num período de tempo inferior, digamos, a uns 20 ou 30 anos. Por outro lado, nosso esforço vem sendo em tentar compartilhar com as pessoas uma nova forma de enxergar o mundo ao seu próprio redor. Ao invés de ensinarmos receitas, procuramos compartilhar conceitos.
Talvez isso possa ser um pouco frustrante para aquele agricultor iniciante que deseja obter seus resultados de maneira quase instantânea. Porém, costumamos dizer que a natureza tem o seu próprio tempo e o cultivo segundo seus fundamentos precisa levar isso em conta. Por outro lado, também temos a consciência de que nem sempre é possível esperar meses, ou até anos, para que um campo agrícola se torne uma espécie de modelo da Agricultura Natural para, só a partir daí, começarem a vir os rendimentos para o agricultor e sua família.
Dessa forma, precisamos encontrar uma espécie de caminho do meio, através do qual seja possível garantir a subsistência e desenvolvimento da família agricultora, à medida que o equilíbrio ecológico vá, gradualmente, sendo estabelecido na propriedade.
Quando falamos em planejamento agrícola a partir do trabalho com a Agricultura Natural, estamos nos referindo a uma forma bem diferente daquela conhecida pelos agrônomos e técnicos especializados no agronegócio convencional. Aqui não cabem as mesmas planilhas de cálculos em que se entram, por exemplo, com os resultados das análises de fertilidade de solos e imediatamente conseguem-se os receituários com as formulações e quantidades de fertilizantes necessários para se garantir uma colheita, pré-definida, de uma determinada cultura agrícola. Até porque tentar fazer isso numa propriedade agroecológica em que se cultivam dezenas de espécies de plantas diferentes na mesma machamba, dividindo muitas vezes os mesmos espaços, esse tipo de cálculo pode ser muito difícil senão quase impossível.
Na lógica do trabalho natural, precisamos levar em conta que a ordem dos fatores pode sim mudar os resultados finais. Por exemplo, na nossa experiência com as machambas, observamos que, até certo ponto, quem determinada a quantidade de uma certa cultura a ser plantada é o próprio campo. Quando é o agricultor quem determina a quantidade que ele quer colher, o que parece ser o mais lógico pelo senso comum, pressionado pela demanda do mercado consumidor, raramente ele irá prestar a devida atenção na capacidade natural do seu campo em atender às demandas externas. O resultado dessa forma de agir é um aumento considerável da artificialidade do sistema. Em outras palavras, provavelmente irá ser necessário alterar, e muito, as condições naturais de um campo para ele conseguir atender às expectativas de produção.       
Por esse motivo é que na estratégia de produção natural ou orgânica de alimentos, a biodiversidade é de suma importância. A lógica é consideravelmente diferente daquela lógica convencional de cultivo, onde se preferem grandes campos de monocultivo no lugar de diversificar a produção agrícola com dezenas de plantas diferentes. Evidentemente que isso também leva à necessidade de desenvolver novas formas de comércio dos produtos agrícolas, e vamos estudar um pouco mais sobre isso ao final do curso.
Quando falamos em planejamento agrícola, nossa visão vai muito além da simples relação área a ser cultivada e produtividade alcançada. Nosso objetivo na Agricultura Natural é garantir que a produção de alimentos respeite o seu meio-ambiente de forma a garantir permanentemente a produção agrícola ao longo dos anos e gerações. Nesse sentido, alguns passos iniciais são fundamentais para o sucesso do nosso trabalho.

Observação e interação
Consideramos fundamental observar atentamente as condições naturais do solo de uma determinada propriedade antes de tentar estabelecer as metas de produção agrícola. Isso está de acordo com o princípio de minimizar a artificialização do meio através de técnicas exageradas de correção de solo, aração e outros. Além disso, é preciso ter em conta o balanço hídrico necessário para o pleno desenvolvimento das culturas plantadas. Por exemplo, se na propriedade a água é um fator limitante, escolher culturas que demandam grande quantidade dela como bananeiras, inhames e outros, não será, de forma alguma, uma estratégia interessante.
Importante estar alerta para todos os elementos do sistema como ventos predominantes, existência de barreiras naturais como árvores, depressões no solo, zonas úmidas, etc. Conhecer cada metro quadrado da área onde será implantada sua lavoura ou machamba será muito útil e poderá trazer, a médio e longo prazo, informações valiosas a respeito dos resultados parciais alcançados.
Também é importante conhecer quais as espécies de animais que habitam a área tais como pássaros, lagartos, cobras, roedores, etc. As abelhas são fundamentais para garantir a polinização das futuras culturas e sendo assim, tentar identificar o local das colmeias, assim como os ninhos dos pássaros também será interessante. Nas nossas machambas, esses locais são considerados verdadeiros santuários e todos os esforços são empregados para preservar todas as espécies de animais ali presentes.
As plantas nativas, com suas floradas periódicas, também são responsáveis por manter todo um universo de insetos e pequenos animais. Sendo assim, um levantamento das espécies existentes, com a devida interpretação da sua presença no campo conforme discutimos anteriormente (plantas indicadoras), será valioso para definirmos os futuros locais de cultivo.

Captação e armazenamento de energia
Na ânsia de logo obter os resultados agrícolas, a maioria dos agricultores, quando inicia o seu trabalho numa determinada área, logo promove a chamada limpeza do terreno. Porém, o que ele de fato acaba por fazer é desperdiçar enormes quantidades de energia acumulada, muitas vezes ao longo de anos, na forma de biomassa, resultado direto da absorção da luz solar e de complexos sistemas metabólicos. Toda a vegetação inicialmente presente numa determinada área representa um incomensurável esforço da natureza em abastecer o solo com a energia vital para que possamos, no seu devido tempo, cultiva-lo e obter nossos alimentos verdadeiramente saudáveis.
Dessa forma, uma etapa muito importante do planejamento agrícola, no nosso contexto de trabalho, refere-se ao reconhecimento da necessidade de não apenas tentar aproveitar integralmente a energia natural de um terreno como também em promover as ações necessárias para manter e, até certo ponto, aumentar a sua capacidade em acumular essa mesma energia.
Já discutimos a importância das árvores e sendo assim, uma forma de preservar e aumentar a energia de um campo é preservar todas as árvores que forem possíveis. Se eventualmente houver mesmo a necessidade de retirar algumas delas, é extremamente recomendável plantar outras nas proximidades daquelas que foram retiradas.
Muitas vezes os agricultores “abrem” o solo com máquinas agrícolas pesadas, como por exemplo o trator acoplado ao arado ou grade niveladora, e o deixam exposto ao sol e chuva sem nada a ser cultivado. De fato, muitas vezes para que possamos cultivar o nosso solo será necessário promover algumas operações com a ajuda de maquinaria. No entanto, só devemos realmente preparar áreas que irão ser imediatamente cultivadas. Do contrário, é preferível que as deixemos mantidas com sua vegetação, preferencialmente nativa. Mas também podem ser plantadas diversas espécies de plantas que promovam um condicionamento melhor do solo como girassóis e diversas outras culturas como as leguminosas, que são excelentes fixadoras de nitrogênio. Dessa forma, promovemos o cultivo do sol, uma forma diferente e elegante de dizer que iremos produzir matérias-primas para a obtenção de nosso adubo natural.
No período chuvoso e de altas temperaturas, é interessante tentar fazer com que o nosso campo absorva e acumule o máximo de energia possível. O plantio de espécies fixadoras de nitrogênio, de espécies que produzem muita biomassa e de outras que promovam a biodiversidade, é uma estratégia muito interessante para enriquecer nossos solos.
Vivemos em um mundo de riquezas sem precedentes resultantes da coleta de enormes estoques de combustíveis fósseis criados pela Terra ao longo de bilhões de anos. Temos utilizado parte dessas riquezas para aumentar nossa colheita dos recursos renováveis em proporções insustentáveis. A maior parte dos impactos adversos dessa excessiva colheita ficará mais evidente na medida em que a disponibilidade de combustíveis fósseis for diminuindo. Em linguagem financeira, estamos consumindo o capital principal de forma irresponsável, o que levaria qualquer empresa à falência.
Precisamos aprender como economizar energia e reinvestir a maior parte da riqueza que estamos consumindo ou desperdiçando atualmente, de modo que nossos filhos e descendentes possam ter uma vida igual ou melhor que a nossa.
Conceitos inapropriados de riqueza nos levaram a ignorar oportunidades para capturar fluxos locais de formas renováveis e não-renováveis de energia. Identificar e atuar nessas oportunidades pode suprir a energia com a qual poderemos reconstruir o capital principal, bem como proporcionar renda para nossas necessidades imediatas.
O sol, o vento e os fluxos de escoamento superficial de água, quando bem manejados, são algumas das fontes de energia que podem ser utilizadas para o bem comum não só da propriedade, mas também de toda a comunidade do seu entorno.
Segundo alguns estudiosos, os estoques mais importantes com valor futuro, ou seja, uma espécie de  poupança para o futuro, incluem:
·       Solo fértil com alto teor de matéria orgânica;
·       Sistema de vegetação perene, especialmente árvores, produção de alimentos e outros recursos úteis;
·       Corpos e tanques de água;
·       Edificações com utilização de energia solar.

Obtenção e otimização dos rendimentos
Você não pode trabalhar de estômago vazio. Como vimos até aqui, devemos planejar qualquer sistema agrícola para que ele nos proporcione autossuficiência em todos os níveis, utilizando energia capturada e armazenada eficientemente para manter o próprio sistema e capturar mais energia.
Contudo, sem uma produção útil imediata e verdadeira, qualquer coisa que projetarmos e desenvolvermos tenderá a enfraquecer até a morte, enquanto elementos que geram uma produção imediata proliferarão, ao menos nos primeiros anos.
Produção, lucro ou renda funcionam como uma recompensa que encoraja, mantém e/ou reproduz o sistema que gerou o rendimento. Desse modo, sistemas bem sucedidos se disseminam. Em linguagem de sistemas, essas recompensas são chamadas de circuitos de retroalimentação positiva.
Aqui começa a aparecer um importante aspecto do trabalho com a Agricultura Natural quando privilegiamos a biodiversidade de nossos campos. Uma das características de sistemas dessa natureza é que eles permitem ao agricultor um fluxo constante de produtos sendo colhidos e consequentemente comercializados. Por exemplo, um agricultor que cultiva 20 ou 30 espécies diferentes de plantas, com ciclos produtivos razoavelmente distribuídos ao longo do ano, terão muito mais condições de manter suas feiras, digamos, semanais, bem abastecidas ao longo do tempo. Do contrário, se forem cultivadas poucas espécies vegetais de cada vez, como infelizmente acontece com grande parte dos agricultores, os rendimentos tenderão a se concentrar em algumas poucas épocas ao longo do ano. Além disso, é preciso levar em consideração que na maioria das vezes em que os agricultores estão colhendo, por exemplo, o tomate, a maioria de seus vizinhos também o estarão fazendo. A consequência imediata é uma acentuada queda dos preços e com isso, os agricultores poderão ficar em sérios apuros.
Por outro lado, a diversificação das culturas também abre a chance de agregação de valores com as colheitas. A presença de frutas nativas, aliada à colheita de outras como morangueiros, physalias (golden berry), etc., podem ser fontes muito interessantes de renda a partir de doces e geleias produzidas pelas famílias camponesas em instalações relativamente simples e de baixo custo de implantação.

Plantar de acordo com a época certa do ano
Muitas vezes, por pressões do mercado, ocorre dos agricultores tentarem a todo custo forçar a natureza de muitas plantas cultivadas. Um exemplo clássico é o caso das alfaces que, sendo plantas originárias de climas mais amenos e que necessitam de condições mais favoráveis de chuvas, hoje são cultivadas em praticamente qualquer parte do planeta. Evidentemente que isso trouxe consequências sérias como a crescente fragilização das inúmeras variedades de alface melhoradas geneticamente ao longo das últimas décadas. Além disso, em muitos lugares onde a água é escassa, com pouca precipitação pluviométrica ou ainda onde as chuvas não são regulares ao longo de todo o ano, apela-se para sistemas de irrigação que muitas vezes acaba por consumir quantidades muito grandes de água, podendo até ocasionar sérios danos às populações locais no futuro. Esse é mais um exemplo de artificialização excessiva dos sistemas agrícolas e, segundo os fundamentos da Agricultura Natural, mais cedo ou mais tarde a natureza irá cobrar o seu preço.
Portanto, saber escolher que espécie plantar e qual a melhor época do ano é fundamental para o agricultor obter sucesso no seu trabalho. Existem muitas variedades de plantas que foram, ao longo do tempo, sendo adaptadas para esta ou aquela condição climática, especialmente em relação à temperatura ambiente e à quantidade de luz solar disponível ao longo dos dias. Não é difícil encontrar sementes de plantas no mercado que são “indicadas”, por exemplo, para serem cultivadas no verão, embora sejam plantas originalmente de climas frios. O agricultor poderá escolher dentre muitas espécies diferentes, mas aconselhamos que fique atento para o princípio de que, do ponto de vista da Grande Natureza, muitas destas plantas são estranhas ao ambiente onde ele vive e trabalha. Portanto, ele deverá levar em conta esse fato, principalmente nas eventuais ocorrências de pragas e doenças.
Como forma de auxiliar na escolha das culturas a serem semeadas e cultivadas ao longo do ano, apresentamos o nosso calendário agrícola, elaborado a partir da observação de campo ao longo dos últimos anos nas condições climáticas da província de Maputo, em Moçambique.


Começando a preparar o solo
Viemos até aqui discutindo diversos conceitos que irão nos ajudar a compreender um pouco mais sobre diversos aspectos da Agricultura Natural. Se este livro fosse um manual agrícola típico, talvez tivéssemos iniciado nossa discussão de uma maneira completamente diferente da que estamos apresentando aqui. E isso não é sem motivo. Pela ciência convencional, o solo é visto apenas como um suporte “inerte” (portanto, sem vida) que irá manter nossas culturas e ainda um meio físico através do qual as plantas podem obter seus nutrientes, sejam eles de fontes naturais ou artificialmente fornecidos pelo homem.
A esta altura, esperamos que já tenha ficado claro para todos os leitores, que na nossa abordagem de trabalho, o solo, e portanto o seu preparo, constitui num dos passos fundamentais que irão propiciar, no futuro, as colheitas fartas e sadias típicas da Agricultura Natural. No capítulo 3, do Módulo 1 do nosso livro do curso, tivemos a oportunidade de apresentar a visão de Mokiti Okada sobre o solo. Aconselhamos vivamente ao leitor que releia aquele capítulo e repita esse procedimento tantas vezes sejam necessárias, até que fique bem claro o ensinamento por ele apresentado. Em outras palavras, tudo começará pela forma com que iremos tratar o nosso solo, se como um ser vivo ou apenas um amontoado de rochas pulverizadas, argilas e areia.
O preparo do solo para a prática da Agricultura Natural envolve diversas etapas de trabalho. A primeira delas foi a discussão anterior, reconhecendo-o como um ser vivo que necessita de todos os cuidados para que possa manifestar sua verdadeira natureza. Na sequência do trabalho, procuramos sempre manter o solo coberto com algum tipo de vegetação, como por exemplo, leguminosas que funcionam como adubação verde. Nas condições ideais, essas coberturas verdes conseguem manter os solos protegidos das intempéries do sol e das chuvas fortes e propiciam um meio através do qual bilhões de micro-organismos irão naturalmente se fixar a eles.  

Cobertura do solo com feijão-guandu e abóbora. Note a cobertura morta de capim nas entrelinhas dos plantios. Polo de Agricultura Natural da Moamba.

A presença de matéria orgânica no solo é de suma importância. Porém, diferentemente do que a maioria das pessoas pensam, a matéria orgânica não é adubo. Ela é alimento para a vida microbiana aeróbica do solo, responsável por fixar o nitrogênio atmosférico e mobilizar diversos nutrientes minerais presentes nos constituintes dos solos. Tendo essa informação como base, vemos a importância de cuidarmos de forma adequada de nossos solos, antes mesmo de lançarmos nossas sementes ou transplantarmos nossas mudas.
O uso de maquinaria pesada, principalmente com o uso do arado ou grade, pode provocar em pouco tempo a desestruturação física dos solos, ao permitir a formação de uma laje de compactação, normalmente localizada a uns 20 ou 30 cm de profundidade. É essa laje de compactação a principal responsável por impedir a percolação da água para camadas mais profundas do solo bem como a formação de agregados originários da atividade microbiológica benéfica. Com o tempo, a água estagnada na superfície tenderá a provocar uma compactação muito mais acentuada do solo e como consequência disso, com o passar do tempo, pode não restar outra alternativa senão o abandono da área por até muitos anos.
Preferencialmente, devemos usar máquinas leves para a execução dos trabalhos de preparo dos nossos solos. Além disso, devemos também prestar bastante atenção nas condições de umidade, pois as atividades mecânicas, se executadas com o solo úmido, podem provocar danos ainda maiores favorecendo também a compactação. 
Para um solo ser considerado saudável ele deve ser agregado, ou seja, deve apresentar uma porosidade suficiente que permita a penetração adequada das raízes das plantas, a entrada de ar, necessária para o desenvolvimento dos micro-organismos benéficos, e também, como já mencionamos, a água. Conhecendo melhor o solo, sua fertilidade, interação com os insetos e micro-organismos, além do funcionamento das plantas, compreenderemos melhor os processos da natureza e, com a ajuda dela, o nosso trabalho tenderá a ser bem-sucedido.
No solo existem milhares de seres vivos de inúmeras espécies diferentes, que interagem e se complementam no processo de decomposição da matéria orgânica. Toda essa atividade biológica acaba por promover a disponibilização dos nutrientes necessários para o desenvolvimento vegetal em quantidades adequadas e equilibradas. É esse conjunto de vida, matérias decompostas e nutrientes disponibilizados que dá qualidade ao solo. Esta qualidade significa mais fertilidade, estrutura e umidade, dentre outros fatores. Quanto mais vida, mas fertilidade há no solo. Quanto mais fertilidade, maior garantia de saúde para as plantas e animais. E quanto mais saúde, maior produtividade do sistema de produção.
De forma geral, existem três tipos de solo: arenoso, areno-argiloso e o argiloso. Cada um destes três tipos de solo apresenta certas peculiaridades que lhes são inerentes e que definem as suas potencialidades para o desenvolvimento de determinadas culturas. Assim, existem culturas que se adaptam melhor a solos arenosos, como é o caso do amendoim e do feijão-nhemba, outras a solos argilosos e assim por diante. Cabe a cada agricultor, portanto, observar, estudar e aprofundar nestas particularidades e definir o melhor sistema de plantio a ser adotado, de acordo com a realidade encontrada no local.

Manejo ecológico do solo
Como já vimos, para um manejo ecológico do solo devemos introduzir os conceitos básicos para que os praticantes possam conduzir sua produção agrícola natural, de forma a aproveitar o máximo do potencial existente no local e permitir maior interação com a natureza e os fatores que predispõem ao sucesso desse tipo de produção. Dentre esses conceitos já citamos a biodiversidade, introdução de barreiras de vento, adubação verde e o consórcio de culturas. Falta-nos ainda discutir um pouco mais sobre a cobertura do solo e o aumento do sistema radicular das plantas.
A prática da cobertura do solo é uma técnica extremamente importante nos trópicos, uma vez que ela auxilia na redução da temperatura do solo, principalmente em épocas muito quentes e, ainda, o protege contra o calor intenso, o impacto das chuvas e dos ventos fortes. Essa prática contribui para a redução de perdas do solo por erosão, além de auxiliar na estruturação e na manutenção da sua umidade, garantindo assim, economia de água na produção agrícola.
A cobertura do solo consiste na aplicação de materiais de origem vegetal sobre a superfície, podendo este ser material seco (cobertura morta), bem como material verde (cobertura viva), na forma da própria vegetação espontânea natural da região. O plantio adensado das culturas também pode representar o papel de cobertura viva no solo.
O ideal é que esta cobertura seja feita com materiais disponíveis na propriedade, tais como palhas de capim, cana, caniço, cascas de árvores e outros materiais. Uma das alternativas que estamos utilizando em Moçambique é o uso de caniço para recobrir muitos dos nossos canteiros. O caniço é um material relativamente barato e de fácil acesso à população moçambicana e o seu uso traz muitas vantagens além da proteção dos solos contra as chuvas torrenciais. O caniço também ajuda a manter a umidade do solo e uma temperatura mais amena, normalmente na casa dos 20 aos 25oC ao longo de todo ano. E além disso, é um produto natural, que irá se decompor ao longo dos anos enriquecendo ainda mais o solo com matéria orgânica, contrariamente ao que acontece, por exemplo, quando se usam lonas de plástico preto. Do ponto de vista biológico, o caniço permite que o solo respire muito mais facilmente e consiga atingir um equilíbrio mais interessante entre as culturas cultivadas e as espécies espontâneas.
Aqui também entra o raciocínio já discutido anteriormente da necessidade de minimizar a artificialização dos sistemas agrícolas, principalmente quando trabalhamos com a Agricultura Natural. Acreditamos que nossas intervenções, quando necessárias, devem levar em conta a capacidade da própria natureza em restabelecer seu equilíbrio original de forma mais pacífica. Fornecer aos campos uma alternativa natural de cobertura, ao invés de forçar o sistema todo com o emprego de materiais não-biodegradáveis e que ainda alimentam toda uma cadeia de produção química industrial, como são os plásticos, vai ao encontro com o raciocínio de privilegiar os ciclos naturais de todo o nosso meio ambiente.

Uso do caniço para cobrir canteiros de produção agrícola. Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene.

Dentre outros benefícios da cobertura do solo, podemos ainda citar o estímulo ao desenvolvimento das raízes das plantas, que se tornam mais eficazes em absorver água e nutrientes do solo; o aumento da capacidade de infiltração de água, reduzindo a erosão; controle da vegetação espontânea (note-se que não falamos em eliminação da vegetação espontânea); ativação da vida do solo, favorecendo a reprodução natural de microrganismos benéficos às culturas agrícolas; e abrigo para diversas espécies de pequenos animais e insetos, contribuindo para o equilíbrio ecológico do sistema.

Otimizando os espaço
Para finalizarmos esse capítulo, gostaríamos de discutir agora uma questão estratégica, que muitas vezes pode significar a própria viabilidade dos campos agrícolas a serem implantados, principalmente em termos de sua sustentabilidade a longo prazo. Trata-se de como ocupar o nosso terreno com os campos e canteiros.
A permacultura introduziu o conceito de design agrícola aos campos de cultivo. A lógica desse trabalho leva em consideração usar os espaços de maneira inteligente e, consequentemente, mas eficaz. Uma discussão mais detalhada do design permacultural pode ser encontrado através de algumas das referências bibliográficas ao final desse módulo da apostila.
Mas um aspecto interessante e que gostaríamos de aprofundar um pouco mais aqui diz respeito à forma com que muitas vezes organizamos nossos canteiros e machambas. O modelo que apresentaremos não foi desenvolvido inicialmente por nossa equipe e acreditamos que já exista há muito tempo espalhado pelo mundo afora. Trata-se da configuração mandala. Mas antes de continuarmos, vale a pena ressaltar que o nosso manejo do solo não é refém desse tipo de configuração. Apenas damos a ele certa preferência por apresentar muitas vantagens em termos dos baixos custos de implantação, melhor gerenciamento da área, economia de energia, etc. Contudo, em determinadas circunstâncias, podemos e fazemos uso de outras configurações em nossos campos.
Uma horta ou machamba mandala, como por vezes a chamamos, é constituída por uma série de canteiros circulares concêntricos. Normalmente instalamos nossa fonte de água no centro dessas mandalas para que possamos ter um melhor controle das operações de irrigação, com considerável redução do esforço físico. Isso porque nem sempre é possível termos à mão os sofisticados sistema de irrigação e por vezes, mesmo em algumas de nossas áreas, somos obrigados a realizar a irrigação manual. Esta é, aliás, a realidade da maioria dos agricultores camponeses no interior de África. E por isso mesmo, algumas de nossas machambas são mantidas intencionalmente com o mais baixo nível de tecnologia externa, exatamente para que sirvam como referência de trabalho para pequenos agricultores familiares.
Na configuração mandala temos muitas vantagens operacionais. Por exemplo, a eficiência das barreiras de vento quando instaladas nas bordas de canteiros circulares concêntricos traz a vantagem de proteger todo o perímetro da área interna, independente da direção do vento num determinado dia. Assim, não precisamos nos preocupar com a questão das direções preferenciais dos ventos que, em muitas regiões, mudam com o passar dos meses.
Outro aspecto interessante diz respeito à economia de energia. Exemplifiquemos isso com um pequeno exercício. Vamos imaginar que nosso agricultor camponês irá implantar sua machamba numa área de 2.500 metros quadrados. Agora vamos imaginar que ele, como a grande maioria dos agricultores, queira configurar sua área de forma retangular, e nesse caso vamos supor que o faça de maneira que a área tenha as dimensões de 20 x 125 metros. Agora, para efeito didático, vamos supor que a única fonte de água disponível esteja localizada numa das extremidades dessa área. O leitor provavelmente já deve ter visto áreas de cultivo coletivo pelo interior de Moçambique ou mesmo em outros países, onde os agricultores se instalam ao redor de fontes de água em lotes retangulares. Portanto, nem é tão difícil assim imaginar esse nosso exemplo.
Agora vamos considerar as operações de irrigação manual. Como pode ser visto pelo diagrama a seguir, na configuração de terreno considerada, nosso agricultor terá de levar a água a uma distância de até 125 metros da sua fonte. Considere que muitas vezes ele só dispõe de regadores manuais e tenha uma noção do esforço gigantesco que ele será obrigado a fazer durante todo o dia, sete dias por semana, 54 semanas por ano e assim por diante. A esse esforço, nossa equipe costuma dar o nome de índice de xima[1]. Em outras palavras, nosso agricultor gastará enormes quantidades de energia e tempo que, de outra forma, poderiam estar sendo empregados em outras atividades mais cruciais em sua machamba. A irrigação é só uma das operações que demandam gasto de energia. Também é preciso considerar os tratos culturais como um todo, desde o transplantio de mudas até a capina, sem esquecer, é claro, das colheitas.


Diagrama dos canteiros retangulares e nos formatos de mandala.

Já num sistema mandala, temos uma lógica bem diferente. Para a mesma área de 2.500 metros quadrados, podemos instalar nossos canteiros dentro de um espaço de 50 x 50 metros. Isso quer dizer que na nossa mandala, a partir do centro onde estará nossa fonte de água, a maior distância que o agricultor precisará percorrer, em qualquer que seja a direção, será de apenas 25 metros. Isso corresponde, a grosso modo, uma redução de 80% do esforço empregado!
Claro que essa é uma simplificação do cálculo, pois é preciso considerar muitas variáveis para tentar chegar a um número mais preciso. Mas o importante aqui é apresentar a lógica do trabalho quando tentamos otimizar nossos espaços e campos de cultivo. Por outo lado, existem inúmeras variações desse tipo de configuração e a escolha do modelo a ser adotado ficará a critério, claro, dos próprios agricultores. A intenção de apresentar esse modelo aqui é de apenas dar uma referência a mais e mostrar algumas das vantagens de se gastar algum tempo planejando as atividades antes de iniciar o cultivo da área propriamente dito. 

Implantação da Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene, em formato mandala.

Demarcação dos canteiros nas mandalas
É muito simples implantar uma mandala. Para facilitar a marcação dos canteiros, podemos utilizar estacas de madeira, fita métrica e cordas para definir os limites de cada canteiro. Assim, colocamos as estacas em cada limite, amarramos uma corda em cima da superfície do solo e iniciamos o levantamento dos canteiros com o auxílio da enxada. Para solos arenosos deve-se tomar o cuidado para fazer pequenas bordas, transformando o canteiro em pequenas bacias, para que a água de rega não escorra lateralmente pelos canteiros. Já no caso de solos de textura média ou argilosos, esse tipo de formato de canteiro não é o mais recomendado, pois algum eventual excesso de água de irrigação poderá fazer com que se criem lodaçais nessas pequenas bacias. Nesse caso, o melhor é levantar os canteiros como mostrado na figura abaixo.

Perfil dos canteiros construídos em terrenos arenosos no formato de bacias.

Perfil dos canteiros construídos em terrenos com solo de textura média e argilosos, no formato “normal”.

Incorporação de matéria orgânica
Após o preparo dos canteiros, iniciamos a incorporação do material orgânico (restos de folhas, de capim, composto, etc.) e revolvemos a terra, juntamente com o material orgânico até o limite máximo de 20 cm. Em seguida, nivelamos o canteiro e cobrimos com capim seco, deixando o solo em preparo por até 10 dias. Se o material incorporado for constituído por folhas secas e capim seco, bem como material proveniente da compostagem, o período de preparo pode ser reduzido para 5 dias, ou menos. Estes prazos dependerão da natureza do material utilizado e das observações dos próprios agricultores.
Durante o período de preparo, o solo deve ser molhado diariamente, apenas para manter a umidade. Se observar que o solo está úmido, não é necessário fazer rega. Após esse período, devemos verificar o cheiro do solo. Se estiver com cheiro agradável, como se fosse solo de mata virgem, o canteiro está pronto para ser semeado.



[1]  Xima é um alimento tradicional feito a partir da farinha de milho branco e muito consumido pela população Moçambicana. Em outros países africanos existem variações do prato como é o caso do fungi em Angola. No Brasil, o angu seria um prato muito similar.