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Desidratação de alimentos
(Capítulo 5 do Módulo 3 da apostila do Curso de Agricultura Natural)
A secagem ou desidratação de
alimentos é um dos processos mais antigos do mundo para a
preservação de alimentos. Ela se baseia na retirada de grandes
quantidades de água dos alimentos impedindo, dessa forma, a ação
de microrganismos que promovem a sua deterioração. Já vimos a
importância de promover ações que visam retardar a ação desses
microrganismos como a correta higienização dos alimentos,
acondicionamento e embalagens, etc. Contudo, esses métodos de
preservação são limitados principalmente no que diz respeito ao
tempo em que os alimentos permanecem viáveis para o consumo ou mesmo
a comercialização.
Por diversas razões, como a
falta de logística de transporte prontamente disponível para levar
os produtos do campo para o mercado consumidor, a secagem ou
desidratação de alguns alimentos pode ser uma alternativa
interessante até mesmo porque esse tipo de processamento costuma
agregar muito valor aos produtos agrícolas. Essa operação tráz
inúmeras vantagens como iremos descrever a seguir.
A maioria dos alimentos
frescos retirados do campo possuem, em sua composição química, a
água como maior constituinte percentual. Por
exemplo, o tomate possui 93% de água! O repolho 92%, o espinafre
91%, as cenouras 88%, o ananás 87%, a maçã 84%, etc.
Portanto, uma forma de ver a questão, principalmente ao
transportarmos alimentos, é que gastamos grandes quantidades de
energia, como combustíveis, para transportar água que depois poderá
ser até jogada fora. A retirada de grande parte da água
constituinte de alguns dos alimentos irá fazer com que o seu volume
diminua e isso implica em dizer que numa única viagem de caminhão,
por exemplo, poderemos levar muito mais alimento em comparação com
o transporte dos alimentos tal como saíram da machamba. Localmente
isso não chega a ser problema, pois as vantagens em se consumir
alimentos frescos acaba se sobrepondo aos custos de transportes de
pequenas distâncias. Mas quando consideramos importações de
alimentos entre províncias ou mesmo países, com grandes distâncias
a serem percorridas, o gasto de energia no transporte dessa água
constituinte começa a necessitar de maior atenção.
Outra vantagem da desidratação
de alguns alimentos diz respeito ao tempo em que o produto
desidratado permanecerá viável para o consumo, mantendo, quase
intacta, sua composição e características nutricionais originais.
Isso se reverte numa estratégia muito interessante, pois o produtor
pode armazenar sua produção até que tenha as melhores condições
de transporte e mesmo preços melhores praticados no mercado
consumidor, quando for o caso, dando a ele considerável melhoria na
sua capacidade de negociação e gerenciamento da produção
agrícola. Se bem processados e devidamente embalados, frutas secas,
por exemplo, podem ser guardadas por três meses ou mais. Alguns
legumes como os tomates e beringelas podem ser desidratados e usados
em conservas que podem durar até anos. A título de exemplo, os
Incas, no continente sul-americano, desenvolveram uma técnica de
desidratação de batata-Reno, ainda utilizada por algumas
comunidades da região do Vale dos Incas, no Peru, que permite o
armazenamento do tubérculo por até 15 anos sem praticamente nenhuma
perda de suas características originais!
Os alimentos desidratados
podem ser consumidos diretamente, como no caso das frutas secas que
também podem ser usadas como ingredientes de bolos e doces; ou ainda
podem ser reidratados e usados como se tivessem sido recentemente
colhidos. As formas de utilização desses alimentos, portanto, são
as mais variadas e em cada região do mundo existem diversas receitas
com os mais variados alimentos desidratados.
Secagem natural x
desidratação
Para secarmos nossos alimentos
podemos, de uma forma geral, seguir duas linhas distintas de
trabalho. A primeira delas, bem mais simples, é deixar o alimento
secando ao sol ou mesmo à sombra, para aqueles casos onde a luz
solar direta pode danificar os produtos. Contudo, esse método de
secagem possui sérios problemas, principalmente no que diz respeito
ao tempo necessário para a secagem e à qualidade dos produtos
obtidos em termos de contaminações e sujidades.
Por vezes, muitos agricultores deixam seus produtos secando ao sol
durante dias sem nenhum tipo de proteção e com isso, pela ação do
vento, muitos materiais estranhos podem ficar impregnados nesses
alimentos. Além disso, sem a devida proteção os animais domésticos
como galinhas e porcos podem ter contato direto com os alimentos em
processo de secagem e acabarem contaminando-os com resíduos de fezes
e urina. Nessas condições, os produtos não só perdem importantes
características nutricionais como também acabam por serem
desvalorizados na hora da comercialização.
A secagem direta sob o sol, ou
mesmo à sombra, quando for a opção escolhida deve ser precedida de
alguns cuidados básicos. Dentre eles é importante manter uma área
isolada do contato de animais e pessoas estranhas ao trabalho. Além
disso, essa área precisa estar bem protegida do vento. Finalmente, o
agricultor precisa ficar atento a toda e qualquer mudança no clima
pois bastará uma pequena chuva para fazer com que todo o trabalho
feito até então seja perdido. Na mesma linha de raciocínio, os
produtos em fase de secagem precisam ser protegidos da umidade
noturna (sereno). Essa quantidade extra de manipulação dos produtos
também pode acarretar na introdução de mais pontos críticos de
controle em termos de potenciais contaminações microbiológicas,
pois quanto mais manipulamos um determinado alimento, maiores são as
chances de o contaminarmos.
Como alternativa à secagem
solar, podemos lançar mão de equipamentos para promover a secagem
forçada, isto é, feita num tempo bem menor do que seria necessário
caso o processo ocorresse naturalmente sob o sol. A desvantagem desse
tipo de operação são os custos envolvidos na aquisição de
equipamentos e, em alguns dos casos, no gasto necessário de energia.
Existem desidratadores, como são chamados esses secadores, que
funcionam a base de gás de cozinha ou eletricidade. Os tamanhos
também são variados podendo ir de um desidratador para uso
doméstico até mesmo aqueles para uso industrial que desidratam
dezenas ou mesmo centenas de quilos de alimentos por vez. A escolha
de qual equipamento usar por parte do agricultor vai depender
primeiramente da sua capacidade de investimento e do tipo de produto
desejado, sem esquecer da quantidade de alimentos que irá ser
processada.
Alternativa de
desidratadores de baixo custo e alta eficiência
Já tivemos a oportunidade, ao
longo dos últimos anos, de testar alguns equipamentos alternativos e
de baixo custo para a desidratação de alimentos que se mostraram
muito eficientes tanto em termos de rendimento e qualidade do produto
final quanto em termos de custos para sua construção. Normalmente
esse tipo de equipamento pode ser construído com materiais fáceis
de serem encontrados, inclusive usando sucatas da propriedade
agrícola. Os melhores equipamentos, na nossa opinião, são aqueles
que usam a energia solar para promoverem a desidratação dos
alimentos. Diferentemente do que acontece quando simplesmente
deixamos os produtos expostos ao ar livre e sob o sol, a desidratação
em equipamentos mesmo usado a energia solar pode acontecer em algumas
horas, como no caso das folhas, ou ainda em poucos dias, como no caso
de tomates e outras frutas. Tudo vai depender da época do ano e das
temperaturas ambientes, e apesar do rendimento das operações não
ser exatamente o mesmo que nas instalações industriais, a qualidade
do produto desidratado dessa forma tende a ser muito superior. Na
verdade, ficamos no meio do caminho quando comparamos a secagem ao
natural e aquela industrial. O menor rendimento em termos de
quantidade de produtos, nesse caso, pode ser compensado pela maior
qualidade dos mesmos e isso certamente trará vantagens em termos
competitivos com produtos convencionais.
Modelo de desidratador
solar de baixo custo
Vamos dar, a seguir, algumas
instruções de construção de um modelo de desidratador usado por
nossa equipe nos últimos anos. Esse modelo é bem simples de ser
construído e é parecido com modelos comuns, muitas vezes
apresentados em feiras e exposições pelo mundo afora. Contudo, ele
dispõe de alguns mecanismos que o tornam consideravelmente mais
eficiente que a maioria dos desidratadores dessa natureza e a
compreensão do seu funcionamento poderá levar os próprios
agricultores a desenvolverem equipamentos ainda melhores, baseados
nesse modelo original. Notem mais uma vez que não ficamos presos a
receitas, mas sempre que possível, estamos discutindo conceitos.
(Esquema de um desidratador
solar eficiente)
Esse equipamento pode ser
construído com chapas metálicas a partir de uma estrutura de metal
soldada. Opcionalmente, a construção pode ser feita com madeira ou
ainda tijolos de barro para aquelas situações em que o acesso a
determinados materiais sejam consideravelmente mais difíceis.
Basicamente o nosso modelo de desidratador é uma caixa retangular
com no máximo 25 cm de altura e podendo ter as demais dimensões
determinadas pela disponibilidade de uma placa de vidro que servirá
de janela de proteção da parte superior do equipamento. No interior
dessa caixa, instalamos uma tela perfurada de metal,
preferencialmente de aço inoxidável ou mesmo uma tela de nylon, que
servirá de apoio para colocarmos os nossos alimentos a serem
desidratados. Essa tela perfurada fica apoiada em pequenos calços
que poderão ser de madeira ou metal. Como já dissemos, na parte de
cima da caixa instalamos uma janela de vidro dotada com dobradiças
para facilitar sua abertura. Se preferir, as dobradiças podem ser
suprimidas e nesse caso será necessária a ajuda de outra pessoa
sempre que se desejar abrir o equipamento, dependo é claro do seu
tamanho.
(Desidratador solar construído
em madeira. Pólo de Agricultura Natural de Bom Jesus, Angola)
Até aqui não há realmente
nada de mais na construção desse desidratador. Porém, para que ele
consiga efetivamente retirar a umidade dos alimentos, será
necessário instalar aberturas na parte frontal e traseira, de modo a
permitir que o vapor de água proveniente dos alimentos seja retirado
de dentro da câmara formada pela caixa. O truque, nesse caso, será
instalar essas aberturas de tal modo que na parte frontal elas fiquem
abaixo da tela perfurada que receberá os alimentos; na parte
traseira, a abertura deverá ficar acima dessa mesma tela perfurada.
Desse modo, como podemos ver pelo esquema da figura anterior, haverá
uma circulação de ar que passará através dos alimentos, quando o
equipamento for exposto aos raios do sol. Essa circulação se dará
em virtude das diferenças de densidade do ar frio e do ar quente e a
passagem desse ar pelo interior do equipamento irá carregar o vapor
de água para fora. Essa circulação de ar chega a ser tão
eficiente que, num dia de sol forte, em poucas horas conseguem-se
desidratar folhas inteiras de repolho, couves, etc.
Um outro detalhe desse tipo de
construção é a posição na qual iremos instalar nosso
desidratador. Para que possamos aproveitar ao máximo a energia do
sol, devemos posicionar nosso equipamento perpendicularmente ao
caminho que o sol percorrerá ao longo do dia e ajustar a sua
inclinação de modo a igualar a latitude de onde estivermos. Desse
modo, garantimos uma máxima insolação e o rendimento do trabalho
tende a ser otimizado. Por exemplo, na região de Maputo o ideal é
que os desidratadores sejam posicionados com a parte frontal virada
para o norte e numa inclinação de aproximadamente 35o.
Preparo de algumas frutas e
legumes para desidratação
As frutas para serem
desidratadas precisam estar no ponto ótimo de consumo, ou seja,
maduras. Frutas pouco maduras (de vez) se forem desidratadas irão
dar produtos descorados, menos doces e pouco saborosos. Por outro
lado, se as frutas forem muito maduras os produtos acabarão
ficando fermentados e normalmente com coloração escura.
Tenha em mente esses detalhes
antes de proceder a colheita. Por exemplo, as bananas normalmente são
colhidas verde e precisam de um determinado tempo para amadurecerem.
Por outro lado, ananás não amadurece fora do pé, razão pela qual
precisa ser colhido maduro.
A limpeza e higienização das
frutas e legumes precisa ser muito bem feita, pois do contrário
teremos produtos contaminados e sujos. Quando formos desidratar
frutos inteiros devemos retirar sua casca, pois isso facilita o
processo de desidratação.
Em relação ao tamanho, ao
picarmos os frutos quanto menor os pedaços
menos tempo será necessário para ocorrer a desidratação. Por
outro lado, produtos muito picados tendem a perder seu apelo visual,
ficando muitas vezes irreconhecível. Por isso, é bom definir bem o
tipo de produto desejado.
Após os frutos serem
higienizados e antes de irem para o desidratador é recomendável
deixarmos esses alimentos imersos numa solução de água limpa com
sumo de limão. O limão é rico em vitamina C que atua como
antioxidante, evitando o escurecimento excessivo de muitos alimentos
ao serem desidratados. Uma solução ideal pode ser obtida juntando o
sumo de um limão a quatro litros de água limpa.
Algumas receitas culinárias
Tomate seco
Ingredientes: 3 kg de tomates
maduros e firmes; 3 chávenas de açúcar castanho; 3 colheres de
sopa de sal. Para o molho de conserva: 1 chávena de óleo de
girassol; 1 chávena de azeite de oliva; 4 colheres de sopa de
orégano; 2 colheres de chá de louro em pó; 4 dentes de alho
espremidos.
Secagem: Cortar os tomates ao
meio, tirando as sementes e misturando com o açucar e o sal; Deixar
descansar por 30 a 40 minutos, até que os tomates tenham soltado bem
a água; arrumar na tela do desidratador com o corte virado para
baixo e deixar secar por 1 ou 2 dias; virar os tomates de vez em
quando para secar por igual; retirar os tomates quando estiverem bem
murchos e enrugados.
Preparo da conserva no vidro:
Colocar os tomates secos em um vidro limpo e esterilizado (fervido em
água por 5 minutos); Alternar as camadas de tomate seco com o alho,
o orégano e o louro; por último coloque o óleo até cobrir os
tomates; Tampar os vidros e colocar em banho-maria (panela com água
até ficar na metade dos vidros); Deixar ferver por 20 minutos,
contando o tempo depois que a água começar a ferver; Deixar esfriar
e colocar os rótulos, se assim
o desejar.
Banana-passa
Veirifcar a maturação das
bananas e observar se estão bem amarelas e não tão maduras (sem
pontinhos pretos na casca); Lavar em água limpa corrente com a
casca; Após esta etapa retirar as cascas e colocar os frutos em
solução de limão; Para uma melhor eficiência as bananas devem ser
cortadas pela metade no sentido do comprimento.
(Desidratação de banana.
Pólo de Agricultura Natural de Bom Jesus, Angola)
Secagem: escorrer as bananas e
colocar nas telas para que se processe a secagem; deixar secando por
2 ou 3 dias no desidratador solar; As bananas secas podem ser
embaladas em bandejas de esferovite (isopor) ou em saquinhos
plásticos.
Maçã desidratada
Selecionar e lavar as maçãs;
Cortar em rodelas e colocar do desidratador solar; Se preferir,
colocar em solução de limão antes de levar para o desidratador;
Retirar do sol quando ficar quebradiça; Embalar da mesma maneira que
as bananas secas.
Ananás seco
Lavar os ananás; Retirar a
casca, cortar em rodelas e depois, se preferir, cortar cada rodela em
quatro pedaços; Colocar no desidratador solar; Embalar da mesma
maneira que as bananas secas.
Manga seca
Lavar as mangas maduras;
retirar a casca e cortar em fatias bem finas; Colocar no desidratador
solar; Embalar da mesma maneira que as demais frutas.