Clique aqui para fazer o download do Módulo 2 da Apostila do Curso de Agricultura Natural em Moçambique.
segunda-feira, 28 de abril de 2014
Download do Módulo 2 da apostila do Curso de Agricultura Natural em Moçambique.
Clique aqui para fazer o download do Módulo 2 da Apostila do Curso de Agricultura Natural em Moçambique.
AULA 10 - Texto de apoio
(Capítulo 6 do Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
O composto
orgânico, assim como toda a matéria orgânica, é um alimento da
microvida e, por isso, um condicionador
do solo
(PRIMAVESI,
2006).
Por condicionamento de solo entendemos a sua capacidade de produzir e
manter grumos, tornando-o agregado e portanto fisicamente apto a
garantir um pleno desenvolvimento das plantas.
Existem
várias formas de produzir os compostos para serem usados na
Agricultura Natural. Também podem ser empregados vários materiais
vegetais, bem como resíduos de determinadas atividades
agropecuárias. Este último ponto é um assunto que ainda levanta
muitas dúvidas e por isso mesmo vamos aprofundar nele um pouco mais
a frente.
Em
Moçambique, nosso composto natural muitas vezes não é mais do que
folhas e capins secos. Isso porque, em muitos casos, a
disponibilidade de água, inclusive para manter as composteiras
úmidas,
é muito precária. Dessa forma, acabamos por incorporar ao solo
materiais que ainda não foram degradados por microrganismos do solo,
o que também pode ser, do ponto de vista da conservação de
energia, muito interessante.
Numa
compostagem convencional, a mistura de resíduos vegetais, muitas
vezes acrescida de resíduos agroindustriais e mesmo agropecuários,
sofre um processo de decomposição aeróbica denominado fermentação.
Para que este processo microbiológico se desenvolva de forma
eficiente, são necessários alguns cuidados, como por exemplo, o
constante revolvimento das leiras de composto afim de garantir a
entrada de ar nos interstícios da massa de materia orgânica. Do
contrário, ou seja, se não for fornecido oxigênio suficiente para
esse processo, a rota metabólica que será seguida pelos
microorganismos será a da putrefação,
com a produção de diversas substâncias secundárias, muitas delas
tóxicas, indesejáveis para manter nossos solos saudáveis. O
processo é exotérmico e isso quer dizer que ele libera grandes
quantidades de energia, principalmente na forma de calor. Assim, o
revolvimento das leiras também tem o efeito de manter as
temparaturas mais amenas, pois do contrário, os microrganismos
aeróbicos naturais acabam morrendo, dando lugar aos putrefadores.
Existem
vantagens de se incorporar materiais não decompostos no solo,
principalmente em termos de conservação
da energia
contida nesses restos de vegetais. Começamos este capítulo
justamente falando que o composto, na verdade, é alimento para a
microvida no solo. Portanto, desse ponto de vista, podemos considerar
que quanto mais rico ele for nutricionalmente, mas organismos ele irá
alimentar. Dessa forma, um número também maior de espécies desses
microrganismos acabará se fixando naturalmente
no solo. Do mesmo modo que já discutimos a importância de mantermos
a biodiversidade dos nossos campos agrícolas em termos de número de
espécies de plantas diferentes, também no caso dos microrganismos,
além é claro dos representantes da mesofauna, essa biodiversidade
será fundamental para o bom desempenho do nosso trabalho com a
Agricultura Natural.
Por vezes
acontece de muitos agricultores tentarem inocular
os seus solos com suspensões de microrganismos tidos como benéficos,
como os rizóbios. Tais suspensões podem ser obtidas comercialmente
ou até mesmo extraídas das proximidades da área a ser cultivada
como, por exemplo, da serrapilheira (aquela camada de folhas
decompostas nos solos de matas) de pequenas florestas e capoeiras.
Nossa experiência contudo, tem mostrado que se conseguirmos ficar
atentos a uma série de conceitos do trabalho natural com o solo,
esse tipo de intervenção, que para muitos pode até ser considerada
uma espécie de artificialização do sistema, ainda que em menor
grau, torna-se completamente desnecessária. Uma das consequêncas
imediatas disso é a redução ainda maior dos custos de produção,
já que muitas vezes esse tipo de biotecnologia tem um preço alto,
principalmente para os padrões camponeses da maioria dos países
africanos.
A
manutenção da biodiversidade nos campos agrícolas, inclusive com a
presença de espécies espontâneas e nativas da região, poderá ser
um meio muito eficaz de instalar e manter a microbiota
nativa
daquele solo. Se esta microbiota será aquela que promoverá a saúde
do campo ou aquela que irá até fornecer substâncias tóxicas ao
solo e, consequentemente, às plantas, vai depender das ações que
forem promovidas pelos agricultores. O argumento muitas vezes usado
por fabricantes de produtos biotecnológicos é que seus produtos
acabam por resolver todos os problemas dos agricultores, mesmo que
eles não tenham nem noção da origem desses mesmos problemas. E
esse talvez seja um dos grandes perigos pois, com o tempo, a
tendência é as pessoas irem pouco a pouco perdendo a noção de
conceitos fundamentais da natureza do solo e, a partir daí, criando
a dependência
de
tecnologias externas.
Recomendamos
vivamente a leitura do Capítulo 18 do Livro “Cartilha do Solo”,
de autoria de Ana Primavesi, que, na nossa opinião, descreve com
extrema lucidez a questão dos compostos na Agricultura Natural e
também na agricultura orgânica. Vamos aqui resumir um pouco o texto
original, sem tentar perder sua excência.
Quando
falamos em composto nas regiões tropicais, temos de levar em
consideração que sua incorporação no solo não pode ser feito a
mais de 30 ou 40 cm de profundidade. Ao contrário, ele deve ficar na
superfície do solo ou na camada superficial e para que isso ocorra,
a enxada rotativa pesada não serve para realizar essa operação,
razão pela qual recomendamos o uso de maquinarias leves.
O composto
produzido com material da própria área pode não manter,
necessariamente, a saúde das culturas. Ele vai manter essa saúde se
for feito a partir das especies vegetais nativas
da região. Do contrário, se for obtido a partir de restos de
materiais híbridos, oriundos de regiões de climas completamente
diferentes daquela onde se está trabalhando, como de outros países
e continentes, dificilmente conseguirão manter uma população
saudável de microrganismos nativos. Esse é um erro que muitos
agricultores orgânicos e naturais cometem mundo afora.
Principalmente no
caso das hortícolas, os
compostos produzidos a partir de seus resíduos de produção
costumam não trazer resultados satisfatórios, já que a maioria
delas são originárias de países de climas frios, e portanto,
diferente das condições existentes nas regiões tropicais. Essa
discussão reforça ainda mais a importância de se preservar as
espécies nativas da região nos nossos campos de Agricultura
Natural, muitas vezes nascendo de forma espontânea. O composto
produzido a partir dessas espécies terá um valor muito superior
àquele eventalmente obtido a partir de plantas “estrangeiras”.
Colônias
naturais de microrganismos fixadores de nitrogênio (rizóbios) em
simbiose com espécies nativas da região do Pólo de Agricultura
Natural da Moamba.
Existem
muitos trabalhos que decrevem a produção de composto a partir de
resíduos industriais como cervejarias, fábricas de processamento de
alimentos e até resíduo orgânico oriundo do lixo urbano. Além
desse tipo de material, também é muito comum a referência do
composto obtido a partir da cama-de-frango, ou outro resíduo animal,
misturada com resíduos da agricultura convencional, como no caso de
bagaço de cana. Evidentemente que em todos esses casos, não se pode
dizer que o composto obtido seja “químico”. Ele é sim
“orgânico”, mas isso não quer dizer que esteja limpo,
ou
seja, livre de substâncias tóxicas como por exemplo os agrotóxicos
e os metais pesados, presentes principalmente no lixo urbano, ou
ainda os antibióticos presentes nos resíduos de criação
convencional de animais.
Como
podemos ver, tão importante ou mais que usar composto, é saber a
origem dos materiais a partir dos quais ele será obtido. Sem saber
exatamente essa origem, muitos agricultores, ainda que bem
intencionados, acabam contaminando seus solos e dependendo do tipo de
contaminação, poderá levar muitos anos até que tais substâncias
saiam do sistema.
Primavesi
também cita: “Acredita-se
que o composto é a única fonte de nitrogênio, além dos rizóbios
das leguminosas. Isso não é correto e, geralmente, existe pouca
interrelação entre o nitrogênio fornecido pelo composto e o
nitrogênio que se encontra no solo. Qualquer material orgânico,
inclusive a palha aplicada superficialmente consegue fixar nitrogênio
do ar durante a sua decomposição. Portanto, o que importa não é
tanto o material com que o composto é feito, mas que a sua
decomposição final no solo seja feita por bactérias aeróbicas
capazes de fixar nitrogênio.”
Muitos
também pensam que o nitrogênio proveniente dos compostos nunca
causam desequilíbrio ao solo, por serem “naturais”. Na verdade,
não é bem assim que as coisas funcionam. Se o composto for rico em
nitrogênio, e isso normalmente acontece quando introduzimos na sua
formulação os resíduos das criações camponesas de animais, pode
acontecer de se verificar alguns problemas nas lavouras.
Inicialmente, as plantas que recebem esses compostos tendem a
desenvolver folhas grandes e vistosas que muitos acreditam ser devido
a uma alimentação
excelente por parte das plantas. Mas o que de fato ocorre na maioria
desses casos é a deficiência de micronutrientes, no caso específico
o cobre, induzida
pelo
excesso de nitrogênio. A cosequência quase sempre é o aparecimento
de vários tipos de insetos sugadores que irão se aproveitar dos
exsudatos
metabólicos, em especial açúcares e aminoácidos livres,
verdadeiros banquetes para os pulgões, por exemplo. O agricultor que
não ficar atento a esses detalhes cai facilmente na armadilha de
passar os anos seguintes tentando encontrar “remédios naturais”
para os problemas de suas lavouras, ao invés de se fixarem na origem
dos desequilíbrios observados pelas diversas culturas. E aí também
se tornam presas fáceis das “empresas milagrosas” que tentam
vender suas “facilidades biotecnológicas”. A conclusão desse
parágrafo deixamos para a imaginação de cada leitor.
Construindo
as composterias na mandala
Normalmente
para se obter o composto usam-se leiras, que nada mais são que
canteiros da mistura dos diversos materiais utilizados, normalmente
sobre o piso de terra batida ou ainda em cima de pisos de betão. Em
Moçambique usamos uma estratégia um pouco diferente, e que vem
sendo aprimorada ao longo dos anos.
Dentro daquela lógica que
apresentamos no final do capítulo anterior, quando discutimos as
machambas em formato de mandalas, também no que diz respeito às
nossas composteiras
seguimos um caminho semelhante. O interessante é que o resultado que
apresentaremos a seguir foi conseguido a partir do desenvolvimento do
conceito da
mandala feito pelos nossos próprios funcionários de campo. No
início das nossas atividades escolhíamos algumas árvores no nosso
terreno e em volta delas cavávamos uma espécie de canteiro com 60 a
80 cm de profundidade. Claro que isso era muito facilitado pelo tipo
de solo arenoso da nossa região, mas o fato é que dispunhamos
normalmente de três ou quatro anéis concêntricos, dentros dos
quais armazenávamos alguns dos poucos resíduos de nossa produção
agrícola e uma quantidade grande de folhas secas das árvores,
principalmente cajueiros, mangueiras, mafureiras, massaleras e
canhueiros,
além de várias espécies de capins, oriundos das capinas. Ao
construir essas leiras sob a copa das árvores, o objetivo é tentar
manter o material o mais refrescado possível, além da sombra ajudar
na manutenção da umidade.
Composteira
sob a copa de um cajueiro, na Machamba Modelo da Agricultura Natural
em Marracuene.
Porém, como logo ficou
evidente, era muito mais proveitoso, e energéticamente mais
econômico, construir as composteiras dentro
das mandalas. Para isso, escolhemos alguns seguimentos de canteiros e
reproduzimos o trabalho descrito no parágrafo anterior. A diferença
é que fazendo dessa forma, economizamos muita energia no transporte
do composto para os canteiros. Além disso, a própria decomposição
do material, com o passar do tempo, vai enriquecendo o solo do que
futuramente passa a ser canteiro cultivado. Hoje, esse é o nosso
padrão de composteiras, quando delas necessitamos.
Composteira
no interior da mandala da Agricultura Natural na comunidade de Santa
Isabel, Marracuene.
sábado, 19 de abril de 2014
AULA 9 - Texto de apoio
5.
Planejando
a produção e preparando o solo
(Capítulo 5 do Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)
A
essa altura, o leitor/estudante certamente já deve ter percebido que
nesse nosso curso de Agricultura Natural estamos evitando ao máximo
indicar receitas ou fórmulas para desenvolver o trabalho natural com a
terra. De fato, temos por hábito informar às pessoas que se
interessam em aprender um pouco mais sobre a Agricultura Natural que
ensiná-la, na verdade, é algo quase impossível, pelo menos num
período de tempo inferior, digamos, a uns 20 ou 30 anos. Por outro
lado, nosso esforço vem sendo em tentar compartilhar com as pessoas
uma nova forma de enxergar o mundo ao seu próprio redor. Ao invés
de ensinarmos receitas, procuramos compartilhar
conceitos.
Talvez
isso possa ser um pouco frustante para aquele agricultror iniciante
que deseja obter seus resultados de maneira quase instantânea.
Porém, costumamos dizer que a natureza tem o seu próprio tempo e o
cultivo segundo seus fundamentos precisa levar isso em conta. Por
outro lado, também temos a consciência de que nem sempre é
possível esperar meses, ou até anos, para que um campo agrícola se
torne uma espécie de modelo da Agricultura Natural para, só a
partir daí, começarem a vir os rendimentos para o agricultor e sua
família.
Dessa
forma, precisamos encontrar uma espécie de caminho
do meio,
através do qual seja possível garantir a subsistência e
desenvolvimento da família agricultora, à medida que o equilíbrio
ecológico vá, gradualmente, sendo estabelecido na propriedade.
Quando
falamos em planejamento agrícola a partir do trabalho com a
Agricultura Natural, estamos nos referindo a uma forma bem diferente
daquela conhecida pelos agrônomos e técnicos especializados no
agronegócio convencional. Aqui não cabem as mesmas planilhas de
cálculos em que se entram, por exemplo, com os resultados das
análises de fertilidade de solos e imediatamente conseguem-se os
receituários com as formulações e quantidades de fertilizantes
necessários para se garantir uma colheita, pré-definida, de uma
determinada cultura agrícola. Até porque tentar fazer isso numa
propriedade agroecológica em que se cultiva dezenas de espécies de
plantas diferentes na mesma machamba, dividindo muitas vezes os
mesmos espaços, esse tipo de cálculo pode ser muito difícil senão
quase impossível.
Na lógica
do trabalho natural, precisamos levar em conta que a
ordem dos fatores
pode sim mudar os resultados finais. Por exemplo, na nossa
experiência com as machambas, observamos que, até certo ponto, quem
determinada a quantidade de uma certa cultura a ser plantada é o
próprio campo. Quando é o agricultor quem determina a quantidade
que ele quer colher, o que parece ser o mais lógico pelo senso
comum, pressionado pela demanda
do
mercado consumidor,
raramente ele irá prestar a devida atenção na capacidade
natural do
seu campo em atender às demandas externas. O resultado dessa forma
de agir é um aumento considerável da artificialidade
do
sistema. Em outras palavras, provavelmente irá ser necessário
alterar, e muito, as condições naturais de um campo para ele
conseguir atender às expectativas de produção.
Por esse
motivo é que na estratégia de produção natural ou orgânica de
alimentos, a biodiversidade é de suma importância. A lógica é
consideravelmente diferente daquela lógica convencional de cultivo,
onde se preferem grandes campos de monocultivo no lugar de
diversificar a produção agrícola com dezenas de plantas
diferentes. Evidentemente que isso também leva à necessidade de
desenvolver novas formas de comércio dos produtos agrícolas, e
vamos estudar um pouco mais sobre isso ao final do curso.
Quando
falamos em planejamento agrícola, nossa visão vai muito além da
simples relação área a ser cultivada e produtividade alcançada.
Nosso objetivo na Agricultura Natural é garantir que a produção de
alimentos respeite o seu meio-ambiente de forma a garantir
permanentemente
a produção agrícola ao longo dos anos e gerações. Nesse sentido,
alguns passos iniciais são fundamentais para o sucesso do nosso
trabalho.
Observação
e interação
Consideramos
fundamental observar
atentamente as condições naturais do solo de uma determinada
propriedade antes de tentar estabelecer as metas de produção
agrícola. Isso está de acordo com o princípio de minimizar a
artificialização do meio através de técnicas exageradas de
correção de solo, aração e outros. Além disso, é preciso ter em
conta o balanço hídrico necessário para o pleno desenvolvimento
das culturas plantadas. Por exemplo, se na propriedade a água é um
fator limitante, escolher culturas que demandam grande quantidade
dela como bananeiras, inhames e outros, não será, de forma alguma,
uma estratégia interessante.
Importante
estar alerta para todos os elementos do sistema como ventos
predominantes, existência de barreiras naturais como árvores,
depressões no solo, zonas úmidas, etc. Conhecer cada metro quadrado
da área onde será implantada sua lavoura ou machamba será muito
útil e poderá trazer, a médio e longo prazo, informações
valiosas a respeito dos resultados parciais alcançados.
Também é
importante conhecer quais as espécies de animais que habitam a área
tais como pássaros, lagartos, cobras, roedores, etc. As abelhas são
fundamentais para garantir a polinização das futuras culturas e
sendo assim, tentar identificar o local das colméias, assim como os
ninhos dos pássaros também será interessante. Nas nossas
machambas, esses locais são considerados verdadeiros santuários
e todos os esforços são empregados para preservar todas as espécies
de animais ali presentes.
As plantas
nativas, com suas floradas periódicas, também são responsáveis
por manter todo um universo de insetos e pequenos animais. Sendo
assim, um levantamento das espécies existentes, com a devida
interpretação da sua presença no campo conforme discutimos
anteriormente (plantas indicadoras), será valioso para definirmos os
futuros locais de cultivo.
Captação e armazenamento
de energia
Na ânsia
de logo obter os resultados agrícolas, a maioria dos agricultores,
quando incia o seu trabalho numa determinada área, logo promove a
chamada limpeza do terreno. Porém, o que ele de fato acaba por fazer
é desperdiçar enormes quantidades de energia acumulada, muitas
vezes ao longo de anos, na forma de biomassa, resultado direto da
absorção da luz solar e de complexos sistemas metabólicos. Toda a
vegetação inicialmente presente numa determinada área representa
um incomensurável esforço da natureza em abastecer o solo com a
energia vital para que possamos, no seu devido tempo, cultiva-lo e
obter nossos alimentos verdadeiramente saudáveis.
Dessa
forma, uma etapa muito importante do planejamento
agrícola,
no nosso contexto de trabalho, refere-se ao reconhecimento da
necessidade de não apenas tentar aproveitar integralmente a energia
natural de um terreno como também em promover as ações necessárias
para manter e, até certo ponto, aumentar a sua capacidade em
acumular essa mesma energia.
Já
discutimos a importância das árvores e sendo assim, uma forma de
preservar e aumentar a energia de um campo é preservar todas as
árvores que for possível. Se eventualmente houver mesmo a
necessidade de retirar algumas delas, é extremamente recomendável
plantar outras nas proximidades daquelas que foram retiradas.
Muitas
vezes os agricultores “abrem” o solo com máquinas agrícolas
pesadas, como por exemplo o trator acoplado ao arado ou grade
niveladora, e o deixam exposto ao sol e chuva sem nada a ser
cultivado. De fato, muitas vezes para que possamos cultivar o nosso
solo será necessário promover algumas operações com a ajuda de
maquinaria. No entanto, só devemos realmente preparar áreas que
irão ser imediatamente cultivadas. Do contrário, é preferível que
as deixemos mantidas com sua vegetação, preferencialmente nativa.
Mas também podem ser plantadas diversas espécies de plantas que
promovam um condicionamento melhor do solo como girassóis e diversas
outras culturas como as leguminosas, que são excelentes fixadoras de
nitrogênio. Dessa forma, promovemos o cultivo
do sol, uma
forma diferente e elegante de dizer que iremos produzir
matérias-primas para a obtenção de nosso adubo
natural.
No período
chuvoso e de altas temperaturas, é interessante tentar fazer com que
o nosso campo absorva e acumule o máximo de energia possível. O
plantio de espécies fixadoras de nitrogênio, de espécies que
produzem muita biomassa e de outras que promovam a biodiversidade, é
uma estratégia muito interessante para enriquecer nossos solos.
Vivemos
em um mundo de riquezas sem precedentes resultantes da coleta de
enormes estoques de combustíveis fósseis criados pela Terra ao
longo de bilhões de anos. Temos utilizado parte dessas riquezas para
aumentar nossa colheita dos recursos renováveis em proporções
insustentáveis. A maior parte dos impactos adversos dessa excessiva
colheita ficará mais evidente na medida em que a disponibilidade de
combustíveis fósseis for diminuindo. Em linguagem financeira,
estamos consumindo o capital
principal
de forma irresponsável o que levaria qualquer empresa à falência.
Precisamos
aprender como economizar energia e reinvestir a maior parte da
riqueza que estamos consumindo ou desperdiçando atualmente, de modo
que nossos filhos e descendentes possam ter uma vida igual ou melhor
que a nossa.
Conceitos
inapropriados de riqueza nos levaram a ignorar oportunidades para
capturar fluxos locais de formas renováveis e não-renováveis de
energia. Identificar e atuar nessas oprotunidades pode suprir a
energia com a qual poderemos reconstruir o capital principal, bem
como proporcionar renda para nossas necessidades imediatas.
O sol, o
vento e os fluxos de escoamento superficial de água, quando bem
manejados, são algumas das fontes de energia que podem ser
utilizadas para o bem comum não só da propriedade, mas também de
toda a comunidade do seu entorno.
Segundo
alguns estudiosos, os estoques mais importantes com valor
futuro,
ou seja, uma espécie de poupança para o futuro, incluem:
- Solo fértil com alto teor de matéria orgânica;
- Sistema de vegetação perene, especialmente árvores, produção de alimentos e outros recursos úteis;
- Corpos e tanques de água;
- Edificações com utilização de energia solar.
Obtenção
e otimização dos rendimentos
Você
não pode trabalhar de estômago vazio.
Como vimos até aqui, devemos planejar qualquer sistema agrícola
para que ele nos proporcione auto-suficiência em todos os níveis,
utilizando energia capturada e armazenada eficientemente para manter
o próprio sistema e capturar mais energia.
Contudo,
sem uma produção útil imediata e verdadeira, qualquer coisa que
projetarmos e desenvolvermos tenderá a enfraquecer até a morte,
enquanto elementos que geram uma produção imediata proliferarão,
ao menos nos primeiros anos.
Produção,
lucro ou renda funcionam como uma recompensa que encoraja, mantém
e/ou reproduz o sistema que gerou o rendimento. Desse modo, sistemas
bem sucedidos se disseminam. Em linguagem de sistemas, essas
recompensas são chamadas de circuitos
de retroalimentação positiva.
Aqui
começa a aparecer um importante aspecto do trabalho com a
Agricultura Natural quando privilegiamos a biodiversaidade de nossos
campos. Uma das características de sistemas dessa natureza é que
eles permitem ao agricultor um fluxo
constante de produtos sendo colhidos
e consequentemente comercializados. Por exemplo, um agricultor que
cultiva 20 ou 30 espécies diferentes de plantas, com ciclos
produtivos razoavelmente distribuídos ao longo do ano, terão muito
mais condições de manter suas feiras, digamos, semanais, bem
abastecidas ao longo do tempo. Do contrário, se forem cultivadas
poucas espécies vegetais de cada vez, como infelizmente acontece com
grande parte dos agricultores, os rendimentos tenderão a se
concentrar em algumas poucas épocas ao longo do ano. Além disso, é
preciso levar em consideração que na maioria das vezes em que os
agricultores estão colhendo, por exemplo, o tomate, a maioria de
seus vizinhos também o estarão fazendo. A consequência imediata é
uma acentuada queda dos preços e com isso, os agricultores poderão
ficar em sérios apuros.
Por outro
lado, a diversificação das culturas também abre a chance de
agregação de valores com as colheitas. A presença de frutas
nativas, aliada à colheita de outras como morangueiros, physalias
(golden berry), etc., podem ser fontes muito interessantes de renda a
partir de doces e geléias produzidas pelas famílias camponesas em
instalações relativamente simples e de baixo custo de implantação.
Plantar
de acordo com a época certa do ano
Muitas
vezes, por pressões do mercado, ocorre dos agricultores tentarem a
todo custo forçar a natureza de muitas plantas cultivadas. Um
exemplo clássico é o caso das alfaces que, sendo plantas
originárias de climas mais amenos e que necessitam de condições
mais favoráveis de chuvas, hoje são cultivadas em praticamente
qualquer parte do planeta. Evidentemente que isso trouxe
consequências sérias como a crecente fragilização das inúmeras
variedades de alface melhoradas geneticamente ao longo das últimas
décadas. Além disso, em muitos lugares onde a água é escassa, com
pouca precipitação pluviométrica ou ainda onde as chuvas não são
regulares ao longo de todo o ano, apela-se para sistemas de irrigação
que muitas vezes acaba por consumir quantidades muito grandes de
água, podendo até ocasionar serios danos às populações locais no
futuro. Esse é mais um exemplo de artificialização excessiva dos
sistemas agrícolas e, segundo os fundamentos da Agricultura Natural,
mais cedo ou mais tarde a natureza irá cobrar o seu preço.
Portanto,
saber escolher que espécie plantar e qual a melhor época do ano é
fundamental para o agricultor obter sucesso no seu trabalho. Existem
muitas variedades de plantas que foram, ao longo do tempo, sendo
adaptadas para esta ou aquela condição climática, especialmente em
relação à temperatura ambiente e à quantidade de luz solar
disponível ao longo dos dias. Não é difícil encontrar sementes de
plantas no mercado que são “indicadas”, por exemplo, para serem
cultivadas no verão, embora sejam plantas originalmente de climas
frios. O agricultor poderá escolher dentre muitas espécies
diferentes, mas aconselhamos que fique atento para o princípio de
que, do ponto de vista da Grande Natureza, muitas destas plantas são
estranhas ao ambiente onde ele vive e trabalha. Portanto, ele deverá
levar em conta esse fato, principalmente nas eventuais ocorrências
de pragas e doenças.
Como forma
de auxiliar na escolha das culturas a serem semeadas e cultivadas ao
longo do ano, apresentamos o nosso calendário agrícola, elaborado a
partir da observação de campo ao longo dos últimos anos nas
condições climáticas da província de Maputo, em Moçambique.
Começando
a preparar o solo
Viemos até
aqui discutindo diversos conceitos que irão nos ajudar a compreender
um pouco mais sobre diversos aspectos da Agricultura Natural. Se esta
apostila fosse um manual agrícola típico, talvez tivéssemos
iniciado nossa discussão de uma maneira completamente diferente da
que estamos apresentando aqui. E isso não é sem motivo. Pela
ciência convencional, o solo é visto apenas como um suporte
“inerte” (portanto, sem vida) que irá manter nossas culturas e
ainda um meio físico através do qual as plantas podem obter seus
nutrientes, sejam eles de fontes naturais ou artificialmente
fornecidos pelo homem.
A esta
altura, esperamos que já tenha ficado claro para todos os leitores,
que na nossa abordagem de trabalho, o solo, e portanto o seu preparo,
constitui num dos passos fundamentais que irão propiciar, no futuro,
as colheitas fartas e sadias típicas da Agricultura Natural. No
capítulo 3, do Módulo I da nossa apostila do curso, tivemos a
oportunidade de apresentar a visão de Mokiti Okada sobre o solo.
Aconselhamos vivamente ao leitor que releia aquele capítulo e repita
esse procedimento tantas vezes sejam necessárias, até que fique bem
claro o ensinamento
por ele apresentado. Em outras palavras, tudo começará pela forma
com que iremos tratar
o nosso solo, se como um ser vivo ou apenas um amontoado de rochas
pulverizadas, argilas e areia.
O preparo
do solo para a prática da Agricultura Natural envolve diversas
etapas de trabalho. A primeira delas foi a discussão anterior,
reconhecendo-o como um ser vivo que necessita de todos os cuidados
para que possa manifestar sua verdadeira natureza. Na sequência do
trabalho, procuramos sempre manter o solo coberto com algum tipo de
vegetação, como por exemplo, leguminosas que funcionam como
adubação
verde. Nas
condições ideais, essas coberturas verdes conseguem manter os solos
protegidos das intempéries do sol e das chuvas fortes e propiciam um
meio através do qual bilhões de microorganismos irão naturalmente
se fixar a eles.
Cobertura
do solo com feijão-guandu e abóbora. Note a cobertura morta de
capim nas entrelinhas dos plantios. Pólo de Agricultura Natural da
Moamba.
A presença de matéria orgânica no solo é de suma importância. Porém, diferentemente do que a maioria das pessoas pensam, a matéria orgânica não é adubo. Ela é alimento para a vida microbiana aeróbica do solo, responsável por fixar o nitrogênio atmosférico e mobilizar diversos nutrientes minerais presentes nos constituintes dos solos. Tendo essa informação como base, vemos a importância de cuidarmos de forma adequada de nossos solos, antes mesmo de lançarmos nossas sementes ou transplantarmos nossas mudas.
O uso de
maquinaria pesada, principalmente com o uso do arado ou grade, pode
provocar em pouco tempo a desestruturação
física
dos solos, ao permitir a formação de uma lage
de compactação,
normalmente localizada a uns 20 ou 30 cm de profundidade. É essa
lage de compactação a principal responsável por impedir a
percolação da água para camadas mais profundas do solo bem como a
formação de agregados originários da atividade microbiológica
benéfica. Com o tempo, a água estagnada na superfície tenderá a
provocar uma compactação muito mais acentuada do solo e como
consequência disso, com o passar do tempo, pode não restar outra
alternativa senão o abandono da área por até muitos anos.
Preferencialmente,
devemos usar máquinas leves para a execução dos trabalhos de
preparo dos nossos solos. Além disso, devemos também prestar
bastante atenção nas condições de umidade, pois as atividades
mecânicas, se executadas com o solo úmido, podem provocar danos
ainda maiores favorecendo também a compactação.
Para um
solo ser considerado saudável ele deve ser agregado, ou seja, deve
apresentar uma porosidade suficiente que permita a penetração
adequada das raízes das plantas, a entrada de ar, necessária para o
desenvolvimento dos microorganismos benéficos, e também, como já
mencionamos, a água. Conhecendo melhor o solo, sua fertilidade,
interação com os insetos e microrganismos, além do funcionamento
das plantas, compreenderemos melhor os processos da natureza e, com a
ajuda dela, o nosso trabalho tenderá a ser bem sucedido.
No solo
existem milhares de seres vivos de inúmeras espécies diferentes,
que interagem e se complementam no processo de decomposição da
matéria orgânica. Toda essa atividade biológica acaba por promover
a disponibilização dos nutrientes necessários para o
desenvolvimento vegetal em quantidades adequadas e equilibradas. É
esse conjunto de vida, matérias decompostas e nutrientes
disponibilizados que dá qualidade ao solo. Esta qualidade significa
mais fertilidade, estrutura e umidade, dentre outros fatores. Quanto
mais vida, mas fertilidade há no solo. Quanto mais fertilidade,
maior garantia de saúde para as plantas e animais. E quanto mais
saúde, maior produtividade do sistema de produção.
De forma
geral, existem três tipos de solo: arenoso, areno-argiloso e o
argiloso. Cada um destes três tipos de solo apresenta certas
peculiaridades que lhes são inerentes e que definem as suas
potencialidades para o desenvolvimento de determinadas culturas.
Assim, existem culturas que se adaptam melhor a solos arenosos, como
é o caso do amendoim e do feijão-nhemba, outras a solos argilosos e
assim por diante. Cabe a cada agricultor, portanto, observar, estudar
e aprofundar nestas particularidades e definir o melhor sistema de
plantio a ser adotado, de acordo com a realidade encontrada no local.
Manejo
ecológico do solo
Como já
vimos, para um manejo ecológico do solo devemos introduzir os
conceitos básicos para que os praticantes possam conduzir sua
produção agrícola natural, de forma a aproveitar o máximo do
potencial existente no local e permitir maior interação com a
natureza e os fatores que predispõem ao sucesso da produção
natural. Dentre esses conceitos já citamos a biodiversidade,
introdução de barreiras de vento, adubação verde e a consorciação
de culturas. Falta-nos ainda discutir um pouco mais sobre a cobertura
do solo e o aumento do sistema radicular das plantas.
A prática
da cobertura
do solo
é uma técnica extremamente importante nos trópicos, uma vez que
ela auxilia na redução da temperatura do solo, principalmente em
épocas muito quentes e, ainda, o protege contra o calor intenso, o
impacto das chuvas e dos ventos fortes. Essa prática contribui para
a redução de perdas do solo por erosão, além de auxiliar na
estruturação e na manuteção da sua umidade, garantindo assim,
economia de água na produção agrícola.
A cobertura
do solo consiste na aplicação de materiais de origem vegetal sobre
a superfície, podendo este ser material seco (cobertura morta), bem
como material verde (cobertura viva), na forma da própria vegetação
espontânea natural da região. O plantio adensado das culturas
também pode representar o papel de cobertura viva no solo.
O ideal é
que esta cobertura seja feita com materiais disponíveis na
propriedade, tais como palhas de capim, cana, caniço, cascas de
árvores e outros materiais. Uma das alternativas que estamos
utilizando em Moçambique é o uso de caniço para recobrir muitos
dos nossos canteiros. O caniço é um material relativamente barato e
de fácil acesso à população moçambicana e o seu uso traz muitas
vantagens além da proteção dos solos contra as chuvas torrenciais.
O caniço também ajuda a manter a umidade do solo e uma temperatura
mais amena, normalmente na casa dos 20 aos 25 oC
ao longo de todo ano. E além disso, é um produto
natural,
que irá se decompor ao longo dos anos enriquecendo ainda mais o solo
com matéria orgânica, contrariamente ao que acontece, por exemplo,
quando se usam lonas de plástico preto. Do ponto de vista biológico,
o caniço permite que o solo respire muito mais facilmente e consiga
atingir um equilíbrio mais interessante entre as culturas cultivadas
e as espécies espontâneas.
Aqui também
entra o raciocínio já discutido anteriormente da necessidade de
minimizar a artificialização dos sistemas agrícolas,
principalmente quando trabalhamos com a Agricultura Natural.
Acreditamos que nossas intervenções, quando necessárias, devem
levar em conta a capacidade da própria natureza em restabelecer seu
equilíbrio original de forma mais pacífica.
Fornecer aos campos uma alternativa natural
de cobertura, ao invés de forçar o sistema todo com o emprego de
materiais não-biodegradáveis e que ainda alimentam toda uma cadeia
de produção química industrial, como são os plásticos, vai ao
encontro com o raciocínio de privilegiar os ciclos naturais de todo
o nosso meio ambiente.
Uso do
caniço para cobrir canteiros de produção agrícola. Machamba
Modelo da Agricultura Natural em Marracuene.
Dentre
outros benefícios da cobertura do solo, podemos ainda citar o
estímulo ao desenvolvimento das raízes das plantas, que se tornam
mais eficazes em absorver água e nutrientes do solo; o aumento da
capacidade de infiltração de água, reduzindo a erosão; controle
da vegetação espontânea (note-se que não falamos em eliminação
da vegetação espontânea); ativação da vida do solo, favorecendo
a reprodução natural de microrganismos benéficos às culturas
agrícolas; e abrigo para diversas espécies de pequenos animais e
insetos, contribuindo para o equilíbrio ecológico do sistema.
Otimizando
os espaços
Para
finalizarmos esse capítulo, gostaríamos de discutir agora uma
questão estratégica, que muitas vezes pode significar a própria
viabilidade dos campos agrícolas a serem implantados, principalmente
em termos de sua sustentabilidade a longo
prazo.
Trata-se de como ocupar o nosso terreno com os campos e canteiros.
A
permacultura introduziu o conceito de design
agrícola aos campos de cultivo. A lógica desse trabalho leva em
consideração usar os espaços de maneira inteligente e,
consequentemente, mas eficaz. Uma discussão mais detalhada do design
permacultural pode ser encontrado através de algumas das referências
bibliográficas ao final desse módulo da apostila.
Mas um
aspecto interessante e que gostaríamos de aprofundar um pouco mais
aqui diz respeito à forma com que muitas vezes organizamos nossos
canteiros e machambas. O modelo que apresentaremos não foi
desenvolvido inicialmente por nossa equipe e acreditamos que já
exista há muito tempo espalhado pelo mundo afora. Trata-se da
configuração mandala.
Mas
antes de continuarmos, vale a pena ressaltar que o nosso manejo do
solo não é refém desse tipo de configuração. Apenas damos a ele
certa preferência por apresentar muitas vantagens em termos dos
baixos custos de implantação, melhor gerenciamento da área,
economia de energia, etc. Contudo, em determinadas circunstâncias,
podemos e fazemos uso de outras configurações em nossos campos.
Uma horta
ou machamba mandala, como por vezes a chamamos, é constituída por
uma série de canteiros circulares concêntricos. Normalmente
instalamos nossa fonte de água no centro dessas mandalas para que
possamos ter um melhor controle das operações de irrigação, com
considerável redução do esforço físico. Isso porque nem sempre é
possível termos à mão os sofisticados sistema de irrigação e por
vezes, mesmo em algumas de nossas áreas, somos obrigados a realizar
a irrigação manual. Esta é, aliás, a realidade da maioria dos
agricultores camponeses no interior de África. E por isso mesmo,
algumas de nossas machambas são mantidas intencionalmente com o mais
baixo nível de tecnologia externa, exatamente para que sirvam como
referência de trabalho para pequenos agricultores familiares.
Na
configuração mandala temos muitas vantegens operacionais. Por
exemplo, a eficiência das barreiras de vento quando instaladas nas
bordas de canteiros circulares concêntricos traz a vantagem de
proteger todo o perímetro da área interna, independente da direção
do vento num determinado dia. Assim, não precisamos nos preocupar
com a questão das direções preferenciais dos ventos que, em muitas
regiões, mudam com o passar dos meses.
Outro
aspecto intressante diz respeito à economia de energia.
Exemplifiquemos isso com um pequeno exercício. Vamos imaginar que
nosso agricultor camponês irá implantar sua machamba numa área de
2.500 metros quadrados. Agora vamos imaginar que ele, como a grande
maioria dos agricultores, queira configurar sua área de forma
retangular, e nesse caso vamos supor que o faça de maneira que a
área tenha as dimensões de 20 x 125 metros. Agora, para efeito
didático, vamos supor que a única fonte de água disponível esteja
localizada numa das extremidades dessa área. O leitor provavelmente
já deve ter visto áreas de cultivo coletivo pelo interior de
Moçambique ou mesmo em outros países, onde os agricultores se
instalam ao redor de fontes de água em lotes retangulares. Portanto,
nem é tão difícil assim imaginar esse nosso exemplo.
Agora vamos
considerar as operações de irrigação manual. Como pode ser visto
pelo diagrama a seguir, na configuração de terreno considerada,
nosso agricutor terá de levar a água a uma distância de até 125
metros da sua fonte. Considere que muitas vezes ele só dispõe de
regadores manuais e tenha uma noção do esforço gigantesco que ele
será obrigado a fazer durante todo o dia, sete dias por semana, 54
semanas por ano e assim por diante. A esse esforço, nossa equipe
costuma dar o nome de índice
de xima1.
Em outras palavras, nosso agricultor gastará enormes quantidades de
energia e tempo que, de outra forma, poderiam estar sendo empregados
em outras atividades mais cruciais em sua machamba. A irrigação é
só uma das operações que demandam gasto de energia. Também é
preciso considerar os tratos culturais como um todo, desde o
transplantio de mudas até a capina, sem esquecer, é claro, das
colheitas.
Diagrama
dos canteiros retangulares e nos formatos de mandala.
Já num
sistema mandala, temos uma lógica bem diferente. Para a mesma área
de 2.500 metros quadrados, podemos instalar nossos canteiros dentro
de um espaço de 50 x 50 metros. Isso quer dizer que na nossa
mandala, a partir do centro onde estará nossa fonte de água, a
maior distância que o agricultor precisará percorrer, em qualquer
que seja a direção, será de apenas 25 metros. Isso corresponde, a
grosso modo, uma redução de 80% do esforço empregado!
Claro que
essa é uma simplificação do cálculo, pois é preciso considerar
muitas variáveis para tentar chegar a um número mais preciso. Mas o
importante aqui é apresentar a lógica do trabalho quando tentamos
otimizar nossos espaços e campos de cultivo. Por outo lado, existem
inúmeras variações desse tipo de configuração e a escolha do
modelo a ser adotado ficará a critério, claro, dos próprios
agricultores. A intenção de apresentar esse modelo aqui é de
apenas dar uma referência a mais e mostrar algumas das vantagens de
se gastar algum tempo planejando as atividades antes
de iniciar o cultivo da área propriamente dito.
Implantação
da Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene, em formato
mandala.
Demarcação
dos canteiros nas mandalas
É muito
simples implantar uma mandala. Para facilitar a marcação dos
canteiros, podemos utilizar estacas de madeira, fita métrica e
cordas para definir os limites de cada canteiro. Assim, colocamos as
estacas em cada limite, amarramos uma corda em cima da superfície do
solo e iniciamos o levantamento dos canteiros com o auxílio da
enxada. Para solos arenosos deve-se tomar o cuidado para fazer
pequenas bordas, transformando o canteiro em pequenas bacias, para
que a água de rega não escorra lateralmente pelos canteiros. Já no
caso de solos de textura média ou argilosos, esse tipo de formato de
canteiro não é o mais recomendado, pois algum eventual excesso de
água de irrigação poderá fazer com que se criem lodaçais nessas
pequenas bacias. Nesse caso, o melhor é levantar os canteiros como
mostrado na figura abaixo.
Perfil dos canteiros construídos em terrenos com solo de textura média e argilosos, no formato “normal”.
Incorporação
de matéria orgânica
Após o
preparo dos canteiros, iniciamos a incorporação do material
orgânico (restos de folhas, de capim, composto, etc.) e revolvemos a
terra, juntamente com o material orgânico até o limite máximo de
20 cm. Em seguida, nivelamos o canteiro e cobrimos com capim seco,
deixando o solo em
preparo
por até 10
dias. Se o material incorporado for constituído por folhas secas e
capim seco, bem como material proveniente da compostagem, o período
de preparo pode ser reduzido para 5
dias, ou menos. Estes prazos dependerão da natureza do material
utilizado e das observações dos próprios agricultores.
Durante o
período de preparo, o solo deve ser molhado diariamente, apenas para
manter a umidade. Se observar que o solo está úmido, não é
necessário fazer rega. Após esse período, devemos verificar o
cheiro do solo. Se estiver com cheiro agradável, como se fosse solo
de mata virgem, o canteiro está pronto para ser semeado.
________________________________________________________
1
Xima é um alimento tradicional feito a partir da farinha de milho
branco e muito consumido pela população Moçambicana. Em outros
países africanos existem variações do prato como é o caso do
fungi em Angola. No Brasil, o angu seria um prato muito similar.
Assinar:
Postagens (Atom)